sábado, 30 de novembro de 2013
LEIA O DESPERTAR...

LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA
Esta semana deixo o texto "FILHOS DO VENTO"

OS FILHOS DO VENTO
Na década de 1950, era comum os filhos
reverenciarem os pais com um beija-mão e acompanhar o gesto com uma frase
repetida: “sua bênção, meu pai!”.
Este cumprimento de veneração alargava-se ao padrinho de batismo, ao homem mais
rico da freguesia e até ao senhor vigário. Nenhum filho ousava um tratamento de
“tu lá, tu cá” para os seus
progenitores. Era um respeito imposto verticalmente, de cima para baixo. Logo
que alguém era pai, mesmo que fosse um diabo, um trapalhão que não valesse um caracol,
era outorgado pelo espírito do costume na missão de continuar a impor um rigor
austero aos seus descendentes. Ai do filho que levantasse a voz ao progenitor
mesmo se a ordem dada era imoral ou inexequível. Desde o chicoteamento com
cinto, com “canoilho” –tronco do milho ou da couve alta-, com uma ripa, com
cordas dobradas, o recurso ao castigo corporal era um hábito educacional. Era
um uso demasiado repetido na maioria das casas portuguesas, sobretudo nas mais
humildes – prosseguido nas escolas primárias enquanto infante e até depois na
adolescência, no secundário. Se, por um lado, na família funcionava como um
procedimento imposto para marcar o terreno, para vincular a autoridade do “pater familias”, por outro, era como se
fosse um preço a pagar por se ter nascido livre, insurreto, sem controlo nas
emoções e impreparado para lidar com a sociedade aristocrática. Nas linhas iluministas
de Thomas Hobbes e Jacques Rosseau, ajuizando que o homem nasce bom ou mau, era
uma espécie de preparação para o futuro; moldar o indivíduo de modo a torná-lo
dócil e pacífico –e também na orientação ideológica do Estado Novo, assente no
autoritarismo social. Ou seja, educava-se para a subjugação e não para a
liberdade. Aliás, os educadores que furavam este conceito imposto por todos
tacitamente eram apelidados de loucos.
Era comum o pai trabalhar e a
mãe, doméstica, cuidar da prole. Era esta mãe-galinha que com suas asas invisíveis protegia os herdeiros da
ira do patriarca quando, tantas vezes, chegava embriagado, esquinado, a casa e
embirrava com tudo o que mexesse desde o gato até ao cão.
Se numa primeira fase, para os
filhos, este tratamento duro de disciplina espartana causasse revolta com ódio
à mistura, numa segunda, com o crescimento da idade, esse sentimento ia
desaparecendo. O tempo ia desculpabilizando a dureza do ascendente e o agora
pai, copiando os mesmos métodos que tanto infernizou, aplicava igual tratamento
aos seus descendentes. Por conseguinte tudo se esquecia –“porque foi para o meu bem”, dizia-se- e o amor umbilical que ligava
avós, pais e filhos falava mais alto. Numa roda que circulava para todos os
entes, sabia-se que os mais novos cuidariam dos mais velhos e, numa obrigação
ancestral, proporcionariam aos país uma velhice acompanhada –aliás, quando
alguém ousava institucionalizar um familiar num lar de terceira-idade era um
falatório diabólico na vizinhança. Tal ação de desapegamento, perante uma coletividade
amarrada a estereótipos, constituía um ato de desamor a quem tanto deu para
criar tal valdevinos e mal-agradecido. E lá vinha o aforismo de mau filho és, como mau pai serás tratado.
VENTOS DE LESTE
Veio a Revolução de Abril de 1974 e, em
consequência, a família patriarcal, enquanto célula una, cimentada na austera
obediência hierárquica, foi-se esboroando progressivamente. A nova geração
maltratada e abusada por sevícias pelos criadores abriu-se completamente aos
novos ventos de modernidade. O trato relacional entre pais e filhos alterou-se
profundamente. Tal como a queda do muro de Berlim, em 1989, serviu para
misturar as duas Alemanhas, Ocidental
e de Leste, na família, até aí impenetrável a modas que alterassem o
situacionismo, ruíram as barreiras que mantinham o tal respeitinho e passou-se para uma unificação de direitos e
obrigações iguais para todos, independentemente da idade, da condição e da
prestação social. A cada cabeça correspondia um voto. A idade passou a ser um
mito. Bastava a condição de filho para ter direito a semanada, cama, mesa e
roupa lavada –repare-se que, surfando a mesma onda, também nesta altura se criaram
as condições para a implantação do Estado social, aplicando a mesma filosofia:
“se és cidadão, logo, independentemente
de contribuíres ou não para o bem-estar de todos, tens direitos assegurados pelo
único facto intrínseco de seres nacional”. Ou seja, as obrigações
individuais foram sublevadas. O que importava mesmo era a inalienável condição de ser pessoa. Por outro lado, já agora, como
até aí a frequência universitária era apenas possível para os mais abastados,
uma vez que o ensino começou a democratizar-se, apostou-se tudo em cursos
superiores para os filhos. Isto é, sobrevalorizou-se o intelectualismo de pasta
e desvalorizou-se o trabalho material enquanto símbolo da experiência empírica.
Enquanto que nas décadas de 1950
e 1960 os herdeiros eram o acessório básico para a multiplicação do apelido e
um instrumento financeiro de captação de receitas para a sobrevivência do
agregado, a partir de 1974 os filhos passaram a ser o investimento, a aposta
numa oportunidade de um futuro previsível que os pais não tiveram; um jogo de
espelhos onde os progenitores se reviam; uma concretização material, uma
conquista que, individualmente, não fora alcançada em tempo útil mas que, pelo
contentamento sentido, dava a mesma satisfação. Passou a ser a prossecução de
um “continuum” social e ao mesmo
tempo um ajuste de contas com o passado. O filho, portanto, passou a ser na
família o centro, o nuclear, de toda a atenção dos pais.
Seria de supor que, recebendo em
triplicado, bem-estar, afeto e formação, o que os ascendentes não provaram,
esta nova geração saída a partir de meados das décadas de 1970 e seguintes
seriam reconhecidas a quem tanto lutou para lhes proporcionar uma vida tão
cheia de ferramentas. Ora o que aconteceu foi que, socialmente, o resultado é simplesmente
catastrófico. Com as devidas exceções naturalmente, estas extirpes são do pior:
egoístas, cínicos e pouco dados a carinhos aos mais idosos. São simplesmente
parasitas para quem os criou com tanto amor e ternura. Pior do que isso, são
maus e não escondem a sua índole de malvadez. Tratam os mais velhos como se
fossem crianças imberbes, impondo a sua vontade torcionária. Tomar conta deles
está completamente fora de questão. São coisas sem prestabilidade para morrerem
esquecidos num qualquer hospital. Em metáfora, como vampiros, apenas estão
preocupados em sugar o sangue que lhes corre nas veias –como quem diz
chupar-lhe todo o dinheiro que tenham. O que conta é o seu interesse mesquinho
e atrofiado e pouco lhes importa a felicidade de quem tanto lhes deu. Numa
frase final: FILHOS DO VENTO!
sexta-feira, 29 de novembro de 2013
UM COMUNICADO DA APBC PARA LER...

“Caro Colega:
Atendendo aos fortes
constrangimentos económicos previstos para a época natalícia, resultantes da
descida do poder de compra dos consumidores e do receio das futuras medidas de
austeridade, a APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra, gostaria de
propor ao comércio da Baixa de Coimbra uma estratégia de intervenção que
passaria por implementar um horário de funcionamento alargado para o período de
Natal, com a abertura dos estabelecimentos comerciais também aos domingos,
durante o mês de Dezembro.
A proposta seria a de abrir os
estabelecimentos nos domingos de Dezembro (dias 8, 15 e 22), entre as 10h00 e
as 19h00. Para que esta ação resulte a APBC pretende apostar numa forte
campanha publicitária, numa programação de animação de rua bastante
diversificada e atrativa para diferentes públicos e as crianças que visitem e
comprem na Baixa terão ao dispor carrinhos elétricos e insufláveis.
Apelando à promoção dos sabores
de Natal, a APBC solicita aos estabelecimentos da área da restauração,
pastelaria e panificação que, em cada sábado e domingo, destaquem um produto
típico de Natal, sempre que possível com venda no exterior das lojas.
Neste ano gostaríamos de desafiar
os comerciantes da Baixa apelando à criatividade de todos para decorar e animar
a Baixa para esta época natalícia. Assim lançamos, o desafio de “No Natal a minha rua é linda!” que
consiste na eleição, através do Facebook e por parte dos visitantes da Baixa,
das três ruas com melhor decoração e animação.
Para a programação e viabilidade
desta ação é necessário uma percentagem significativa de estabelecimentos
comerciais abertos (para se justificar a programação de atividades de animação
também aos Domingos).
Assim gostaríamos de saber, junto
dos comerciantes, se estão dispostos a aderir a esta estratégia e eventualmente
fazer alguma campanha promocional neste período. Para tal solicitamos que
nos informem da vossa participação através dos contactos da APBC tel. 239
842164 telm. 914872418, ou email apbcoimbra@gmail.com impreterivelmente
até dia 4 de Dezembro de 2013.
Em caso de eventuais dúvidas
podem contactar-nos através dos números 239 842164, 914872418.
Contamos com a v/ presença
Atenciosamente,
A Direção da APBC”
quinta-feira, 28 de novembro de 2013
O CONFESSIONÁRIO PÚBLICO

(Imagem da Web)
Antigamente, no tempo em que tudo era real e, sempre que
possível, se procurava falar olhos-nos-olhos, os cristãos, diariamente ou
semanalmente, antes de comungar, iam confessar-se ao presbítero, à igreja da
zona. Este procedimento do sacramento da confissão para a Igreja Católica e
outras religiões, a nível psicológico, ao dividir a transgressão esta torna-se
mais leve e por isso sofrível. É como construir uma ponte a ligar duas margens
de um rio, em que de um lado está o Inferno da depressão e do outro lado a redenção,
a aceitação de que somos seres erráticos, finitos e imperfeitos. Confessar
algo, que nos martela a cabeça continuamente e nos põe loucos, a alguém que
tenha paciência para nos escutar é como um náufrago procurar no meio do oceano
uma boia de salvação; é uma busca de compreensão para o facto consomado do delito
e uma tentativa de reconciliação do ego, enquanto mediador que organiza a mente
consciente, uma busca da paz interior e um encontro com a remissão, o perdão
para uma consciência em conflito. Por outro lado, para o praticante religioso é
o sentimento de, em pecado assumido, procurar o indulto e receber a bênção de
Cristo –enquanto Pai e entidade que transcende o humano na piedade e na
omnipotência- e aceitar uma penitência, uma reparação de danos causados pelo
acto ou pagar um tributo –que, quando leve, pode ser com orações-, que será
recomendada pelo confessor, o sacerdote, se acontecer na religião
apostólica-romana. Por outro lado ainda, para o vigário, o segredo da confissão
é obrigatório pelo direito canónico.
Nos nossos dias, para os seguidores profanos que se
religam entre si numa cadeia de elos invisíveis, o Facebook passou a ser o
confessionário público diário. Por conseguinte, nesta forma de se abrir ao
mundo, a substância deixou de ser algo íntimo e pessoal e passou a ser a forma
de levar tudo ao conhecimento geral –e aqui, assiste-se a dois tipos de
assistentes: os mais chegados que, com ternura e afecto, aceitam o facto
passivamente e dão alento ao delator, e os mais afastados que, ostensivamente e
sem sensibilidade, são mais duros na apreciação, gozando às vezes, e provocam
mais dor. Numa rede translúcida, cujos objectos nem sempre são nítidos, em que
se adivinha o confidente pela exposição de imagem, o confessor, normalmente sem
rosto, passou a ser todo o planeta. Quem quiser opinar, na maioria dos casos,
julgando arbitrariamente, pode fazê-lo sem restrições. Nesta página aberta ao
mundo, consoante seja homem ou mulher, se expõem a actualidade e um tempo de
lembranças gravadas a fogo.
Se for mulher, as fotos são a essência da sua
afirmação. Se for de meia-idade, são mostradas imagens com trinta anos, em que
aparece um rosto sem pregas, um colo de fazer ressuscitar um morto e umas
pernas de fazer um mudo assobiar. Volta e meia mudam as fotografias de perfil e
lá está a pose numa longa viagem num local paradisíaco para sempre recordar.
São também frequentes as citações de filósofos e escritores mundiais
contemporâneos e da antiguidade sobre o amor. A paixão é o combustível sem
lastro que move o coração de uma mulher. A benquerença ressalta em montanhas de
adoração. E, como não poderia deixar de ser, lá vem a música romântica, sempre,
para embalar o espírito e a esperança num amor novo de encantar que, saído das
trevas, há-de surgir um dia montado num cavalo branco -creio, não haverá
estudos sobre o impacto que as redes sociais deixam na psique de cada uma, mas
é bem possível que actue em sentidos distintos. Num, pela desconfiança
implícita assente no medo, é bem possível que provoque um fenómeno de
desvalorização rotineira; noutro, pela carência de afecto, qualquer uma se
torne vítima fácil de um qualquer energúmeno.
Como a solidão é um casacão que
se envergou e passou a armadura contra as angústias obsessivas, os animais
passaram a ser o companheiro a defender por todos os meios contra a tirania
inumana. Não há mulher que se preze que, através de muitas imagens plasmadas,
não confesse amar um gato ou um cão. Em alguns casos, embora mais raros, lá vêm
as receitas culinárias, acompanhadas de fotos, para uns doces de estalar o
palato. Se for avó, mostra os netos em pose de troféu e orgulho de mulher-mãe
duas vezes. Como projecção do sonho de libertação, o mar, com o seu fundo azul,
está omnipresente. Pode avistar-se uma nau Catrineta ancorada na baía imaginária
da esperança à espera de um homem novo, menos
egoísta e de partilha, que dê carinho sem fingimento –penso, raramente este desejo
será satisfeito. Mesmo se hipotecticamente aparecer algum homem que preencha os
requisitos não será aceite. O factor psicológico procura de resposta impossível torna-se autofágico, passa a alimentar-se a si mesmo. Se
acaso fosse preenchido materialmente perderia o encantamento. Como num círculo
sem retorno, a mulher enreda-se no seu próprio sonho e só excepcionalmente
sairá dele.
Se escrever e tiver veia de
poetiza, imaginariamente serão escritos num barquinho de papel, os versos serão
sempre encaminhados para o amor perdido que, como Lua a iluminar a sua vida,
passará a ser o seu luar. As lágrimas de crocodilo rolarão nas consonâncias em
solavancos de cercanias agora áridas e outrora floridas. Se não tiver jeito
para as rimas, serão copiados poemas de autores bem conhecidos. Estranhamente e
num paradoxo, aqui neste reino das súplicas quase sempre vazias e a caírem em saco roto, serão debitadas orações
destinadas a Deus –como se Ele também estivesse conectado na rede mundial
E OS HOMENS?
Como se confessam os homens no Facebook? Se
for novo posta fotografias onde se
encontra acompanhado com muitas jovens mulheres esculturais para fazer inveja
àquela amiga que traz debaixo de olho. Se for de meia-idade, inevitavelmente
faz da política o sustento da sua alma. Tem permanentemente um canhão apontado
ao Governo, seja ele de direita, centro ou esquerda. É anti-poder por natureza.
Gosta de colar na sua página os recortes de jornais onde circulam longos
desabafos de opinadores generalistas,
habitualmente jornalistas. Se for político de profissão –ou candidato em
ascensão- ou ocupe um bom tacho na administração pública lá vem a defesa do seu
partido na autarquia em que faz parte. Se for empresário ligado ao comércio
tentará vender qualquer coisa, desde uma viagem ao Inferno com paragem curta no
Céu até a uma máquina fotográfica usada. As vendas de objectos, talvez por ainda
não haver tributação, são hoje a praga interesseira, o vírus maléfico da
comunicação. O futebol, naturalmente, estará sempre presente na página de um
homem cinquentão e as fotos dos seus ídolos marcarão presença constante. Como
não poderia deixar de ser umas imagens de mulheres semi-nuas e o link para outros endereços do género
encherão o olho a todos os amigos. Se escrever, utilizará este confessionário
público como catarse para dirimir todas as suas emoções e relações mal
resolvidas. A música fará parte deste seu mundo de retratação e comunicação
mundial. Curiosamente nos dois géneros, masculino e feminino, constata-se o
mesmo procedimento: se for novo, aceita o presente com fotos actuais, e tenderá
a projectar-se para o futuro. Se for de idade já madura, somente plasma o
presente em imagens de festas ou passeios, mostrando que está muito bem de
vida; o recurso a fotografias de uma cidade desaparecida inserida em sopros de déjà vu será uma constante e como se
estivesse petrificado no passado.
Como as coisas mudaram! Quem
diria que, num sentido catatónico e de completa imitação, passaríamos a mostrar
toda a nossa vida ao mundo e, em outro, como se tivéssemos perdido o juízo, o
bom-senso, nos transformaríamos em voyeurs?
PARA RECORDAR AS RUAS DA CALÇADA
![[bild7300.jpg]](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg5BTxZmKmO6_AIcK4DBHyG7QXwC7SMxAiU-Ut0iK8J99X9ZcyIlyhk3DnCUhFehRhyphenhyphen9Y7kw94n7dE6gjzg522tZ2vGtR4Anb_OJfAG7YCg2WC89UP_PO9kRnDFcTPu2iDxn0RloQd0wCmv/s400/bild7300.jpg)
A Rua Visconde da Luz em 1979 -lembro que os eléctricos foram retirados em 1980. Atente-se no fluxo de pessoas nos passeios marginais desta artéria.
(Esta imagem foi surripiada ao "Circulo Vicioso". Aqui.)
quarta-feira, 27 de novembro de 2013
terça-feira, 26 de novembro de 2013
SINTO-ME PERDIDO...
(Imagem da Web)
Tenho dias que creio não
pertencer a esta época hodierna. Sinto que sou do passado, filho de um tempo
que já não é o nosso. Tenho saudades desse período. Era uma época em que tudo
rolava devagar. O vento soprava, a neve caía, o Sol brilhava e nós dávamos
conta dos seus efeitos. Sabíamos que quando os raios solares batessem na
esquina da sapataria do senhor “Manel” seria meio-dia. O astro-rei era o nosso
relógio natural. As pessoas transitavam calmamente nas ruas com um sorriso
colado no rosto. Íamos à mercearia da esquina e o senhor Salomão, o dono, de
bata acinzentada, atendia-nos um quilo de açúcar a granel retirado da tulha e,
às vezes, enganava-se no peso. As coisas não eram previsíveis. Para alcançar
fosse o que fosse era preciso percorrer a pé uma longa estrada forrada a paralelepípedos,
pedras acinzentadas em cubos. Em todos os largos floridos da cidade havia
crianças a jogarem à bola.
Estou transformado num velho a
ver o mar e a recordar as caravelas de Vasco da Gama, em 1497-1499, na
descoberta do caminho marítimo para a Índia.
Hoje é tudo muito rápido. Os
dias, como mensageiro apressado em levar a boa-nova, passam por mim sem os ver.
Não porque não tenha folga. Tenho muita; demasiada. Então porque passa o tempo
a correr, como se quisesse fugir de mim? Sei lá! Provavelmente os meus olhos já
não são os mesmos. Endureceram e deixaram de se fixar nas coisas simples, como,
por exemplo, um louva-deus a pousar na soleira da porta. Se calhar noutro
tempo, talvez por ser mais novo, queria somente viver. Hoje, mais velho, no
epílogo da vida, tento apenas sobreviver –não que o faça de qualquer forma e
feitio. Isto é, que passe por cima de tudo para o conseguir. Por agora ainda
não. Amanhã sei lá?! Ninguém sabe o que acontecerá daqui a um dia. Por enquanto
consigo pensar; e ao pensar liberto-me; é como se me dividisse em dois e fico
mais aliviado; aliviado, mas não com as preocupações resolvidas. Tento ir ao
fundo das coisas; perguntar porque são assim e não são de outro modo? Andamos
todos ao engano. Como náufragos na imensidão perdidos, agarramo-nos a tudo, sobretudo
à paganística secular, para chegar a terra-firme, como quem diz, a amanhã.
Fugimos a toda a pressa da jornada de hoje. Quando nos deitamos na cama,
cansados de tanta falta de perspectiva e sem vislumbrar a luz ao fundo do túnel,
em vez de rezar como antigamente e agradecer a Deus a graça de mais um dia
passado, respiramos fundo e pensamos: “ufa! Este já está! Vamos lá ver o
próximo!”. A sensação é sempre de perda. É como se sentíssemos que os sonhos
construídos ao longo da nossa vida são agora farrapos a esvoaçar ao vento.
Sentimos que estamos todos a entrar pelo cano que leva ao lago da imundície. Entre
todas, a maior tragédia que alguém pode suportar é o perder tudo o que foi
conseguido com suspiros de amor e lágrimas de sangue. É sentir que se foi um
mero passageiro sem história, uma nuvem sem corpo, um inútil que não serviu
para nada. Tudo o que se fez, como pingos de chuva no areal, se esvaiu no
vazio. Uma coisa é nunca ter alcançado um estado de conhecimento, mantendo-se
na ignorância, outra é enxergar, vivê-lo e, como se apagasse tudo com esponja,
ser obrigado a regressar ao ponto de origem como num eterno retorno
probabilístico.
As notícias são cada vez mais
desanimadoras estamos à beira de tumultos civis. Há dias foram os polícias na
escada do Parlamento, hoje são os sindicalistas da SGTP a invadir os
Ministérios. O problema é que não sabemos para que lado cair na avaliação racional. Sabemos que os manifestantes têm razão –eles representam-nos em corpo
e alma. Sabemos que este Governo é fraco na convicção que transmite ao povo,
não tem autoridade legitimada –não porque não ganhasse as eleições, mas porque
os atentados contra os cidadãos são tantos que lhe retiram a autoridade moral
para continuar a governar. Toda a cúpula do Estado está entregue a pessoas ora
sem passado político, ora com passado demasiado ligado às patranhas e
negociatas. Mas e o governo que vier a seguir? Será melhor? Claro que não. Há
muita manipulação política por detrás destas acções. Há um movimento deliberado
e direccionado para derrubar este executivo –“porque não serve o povo”, diz-se e
a maioria concorda. O Governo está transformado num Robin dos Bosques ao
contrário: assalta os mais desfavorecidos, essencialmente os que estão no meio
da tabela, para entregar de mão-beijada aos grandes grupos económicos. E o que
vier a seguir? A mesma coisa, idem aspas, aspas. Este é o verdadeiro drama. É
como se de espada empunhada se lutasse contra o vento. E o mais grave é que
este sentimento de ditadura para a classe média perpassou para as autarquias. O
comportamento é igual como papel mata-borrão. Buscam apenas o poder para,
depois de o conseguirem, manobrarem a máquina administrativa a seu bel-prazer;
colocando os amigos nos pontos-chave e distribuindo empregos aos correlegionários.
À força toda procura-se retirar este
Governo para se substituir por outro mais de acordo com as convicções partidárias
de cada um. Duvido muito de que o interesse do País esteja em primeiro lugar –e
curiosamente quem disse isto há dias numa longa entrevista de quatro páginas no
Diário de Notícias foi João César das Neves –saliento que não me identifico nem
um bocadinho com a sua ideologia, mas aprecio-o pela coragem manifestada. Num
País de mimética de carneirada, em
que todos pensam pela cabeça do vizinho, é de louvar quando alguém ousa dizer o
que lhe vai na alma. Depois disso, César das Neves tem sido insultado a torto e
a direito nas redes sociais. A questão que se coloca é: quantas pessoas leram a
entrevista? Hoje é comum pegar numa frase descontextualizada, colá-la na
Internet e sem suporte de contexto passa a valer como um todo. Porque a maioria
nem jornais lê nem está interessada na verdade factual que lhe permita pensar e
retirar uma ilação própria, sua, livre e sem ser conspurcada em motivações
políticas alheias. Em metáfora, é como se passássemos a emprenhar pelos olhos. Vivemos no meio de um universo de informação que, em
vez de informar, desinforma e, sem grande subtileza, pode servir vários
interesses, todos, menos o esclarecer o cidadão. A sensação que se tem é que
andamos todos cada vez mais perdidos e sem saber para onde caminhamos. Que
saudades que eu tenho de outros tempos! Estou velho, eu sei!
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"Editorial: ver para além da nuvem"
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"Hoje de manhã chorei"
"Baixa: um drama social em perspectiva"
"O Sol do meio-dia"
"Lugares sem vida...que fazem chorar"
"O senhor (des)Ventura"
CONCORDO EM ABSOLUTO

Pedro Tadeu, jornalista do DN
"NÃO TEMOS AUTORIDADE PARA CRITICAR OS POLÍCIAS
Cabeças que se orgulham de exibir
um carimbo de sensatez na testa têm anunciado o descalabro da autoridade, o fim
da solidez democrática, talvez mesmo o esboroamento da Pátria, a propósito da
manifestação de polícias da passada quinta-feira.
Recordo a evolução dos
acontecimentos: as grades que separavam 10 mil agentes da PSP dos elementos da
Unidade Especial de Polícia foram, a dada altura, levantadas. Um grupo de
manifestantes subiu a escadaria do Parlamento. A polícia de choque deixou seguir.
Os homens pararam antes das arcadas, gritaram palavras de ordem e, minutos
depois, voltaram a descer. Tudo em grande excitação mas em relativa paz - nem
um papel caído no mármore ficou a conspurcar o solo que pisam os deputados da
Nação.
Imagino a evolução aparentemente
esperada pelos que tanto se espantam: os manifestantes derrubavam as grades e
desatavam aos tiros para tentar invadir a Assembleia da República. A polícia de
choque avançava e desfazia a mole à bastonada e a gás lacrimogéneo. O sangue mancharia
a pedra branca da casa da democracia. Contavam-se os feridos e, talvez, os
mortos...
Não sei o que disse o ministro da
Administração Interna, Miguel Macedo, ao diretor nacional da PSP por causa do
que se passou, levando à demissão de Paulo Valente Gomes. Mas nem quero
imaginar o que ele teria de dizer se ocorresse uma batalha campal. Nesse caso
Paulo Valente Gomes não só era demitido como teria de responder em tribunal.
Era isso que queriam?
Dizem as tais vozes reclamantes
do bom senso terem os polícias fragilizado a sua imagem: "A próxima vez
que tiverem de expulsar manifestantes a tentar subir as escadarias de São
Bento, com que autoridade poderão fazê-lo?", perguntam.
Eu alvitro que a autoridade de
exercer a repressão em nome do Estado não se perde assim. Não estou a ver um
miúdo encoberto com um lenço palestiniano conseguir convencer o homem fardado
de capacete e escudo, a brandir o cassetete: "O senhor não tem autoridade
- ui! - para me impedir de subir estas escadas - ai! Pare lá com isso - bolas!
- então, está a bater em mim e - porra! - não bateu nos seus colegas? Não há
direito - chiça!... apre, que isso dói!"...
É mais séria aquela argumentação
apresentada pelos ditos sensatos deste país ou aquela que o louco que aqui
escreve vai agora expor - 787 euros era o salário mensal do soldado Bruno
Chainho, assassinado sábado, no Pinhal Novo, por um sequestrador. Enquanto este
País pagar desta forma miserável a quem, da PSP ou da GNR, aceita como missão
dar a vida por qualquer um de nós, ninguém tem autoridade para criticar
protestos tão cândidos como os de quinta-feira."
segunda-feira, 25 de novembro de 2013
NAQUELES DIAS...
Estou triste. Muito acabrunhado.
Num daqueles dias que nem escrever me apetece. Tenho receio de que se escrever
vá longe de mais; conte coisas que são minhas e que não quero exteriorizar. Tem
a ver com o amor? Sim, claro! Uma pessoa pode viver na mais extrema miséria,
sem nada para comer, mas se tiver um ombro onde se apoiar, tudo se aguenta,
mesmo que tudo à sua volta se desmorone como um castelo de areia destruído pela
onda vadia, e juntos, com a pessoa de quem se gosta, continua avistar-se o Sol
redentor, a luz da esperança. O amor é o combustível que alimenta a alma e
esta, por inerência, dá propulsão ao corpo e, pelo alento, nos empurra para a
concretização das coisas, para o bem ou para o mal. Sinto-me só. Sim, é isso
mesmo: sinto-me só! A solidão hoje tomou conta de mim. Claro que amanhã será
outro dia, eu sei. Não fique preocupado comigo. Sei suportar esta amargura que
me consome agora.
O problema é sempre o mesmo: conseguirmos
viajar nesta estrada, que é a vida, ao lado de outra pessoa. Somos todos tão
diferentes, tão desiguais –apesar de se apregoar a igualdade a torto e a
direito. Somos sempre duas personalidades diferenciadas, mesmo que gostemos da
mesma música, do mesmo filme e do mesmo mar. Por mais que nos entrosemos um no
outro a mistura nunca é total; é sempre opaca e indefinida. Se não houver muito
amor, muita compreensão, muita partilha, e sobretudo coragem, a qualquer altura
essas diferenças podem implodir. Nunca ninguém se julgue seguro numa relação de
anos ou décadas. Os enlaces contemporâneos –e aqui junto também os mais
antigos- estão cimentados por argamassa que o tempo se encarregou de fragilizar
e tornar de pouca consistência. Basta um abanão para o edifício do casamento
cair estrondosamente. A que se deve esta vulnerabilidade? Tanta coisa que nem
vou descrever. Todos sabemos as razões. Todos conhecemos de cor e salteado as
vulnerabilidades que enfermam as afinidades dos nossos dias.
Com cada um a procurar o seu
espaço de confirmação –ou o contrário, porque também é assim. Tantas vezes que
nos dedicamos a pessoas vencidas, que tudo aceitam –até serem maltratadas por
quem lhe está próximo e que tinha obrigação de tudo fazerem para os verem
felizes-, que, ao invés de lutarem pela sua felicidade, preferem se enterrar
pelo comodismo da invisibilidade. Como Cristos cruxificados em defesa de falsos
cristãos, preferem morrer na solidão, na dor lancinante do sofrimento. São
sombras das sombras. Fantasmas de si mesmos. São projecções de espíritos
errantes que, apesar de nos marcarem, se cruzam connosco sem deixarem história.
São filhos da angústia maculada. Em vez de defenderem uma verdade –a verdade,
enquanto símbolo de liberdade e convicção de afirmação única enquanto pessoas
que nos diferenciamos dos animais pela consciência dos nossos actos- aceitam
passivamente serem enxovalhados, humilhados, feridos no corpo e na alma, e
reduzidos à mais ínfima expressão de vontade por aqueles que lhe deveriam
querer bem. Estão convencidos que aceitando passivamente o insulto e
desrespeito nunca vão ser abandonados. São carentes crónicos, inseguros, divididos entre o
conflito do ser ou não ser, do fazer ou não fazer? Tristeza das tristezas! Não vêem que gente que humilha vive do padecimento
alheio e alimenta-se do estertor do outro. E quanto mais a vítima se baixar mais
o torcionário aumenta a pressão.
A vida, enquanto história vivida
a dois, é mesmo muito complicada. O problema é que, enquanto seres humanos que
somos sociais e associais ao mesmo tempo, não conseguimos viver sozinhos. Se
fosse possível era tudo tão mais fácil!
sábado, 23 de novembro de 2013
sexta-feira, 22 de novembro de 2013
LEIA O DESPERTAR...

LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA
Para além do texto "A BAIXA À PROCURA DA MAGIA PERDIDA DO NATAL", deixo também a crónica "SANTOS E PECADORES"
A BAIXA À PROCURA DA MAGIA PERDIDA DO NATAL
Estamos a cerca de um mês do Natal. Como prisioneiros que
esperam a hora da execução, os comerciantes da Baixa, enrolados num manto
sorumbático, olhando a porta de entrada à espera do cliente-surpresa que lhe safe
o mês, veem o fim cada vez mais próximo –este início de texto é desgraçado e
apocalíptico? É, sim senhor! Mas fique o senhor leitor a saber que é a verdade.
Este é o ambiente que se vive atualmente no Centro Histórico. Escamotear esta veracidade
é negar a própria vida e fazer de conta que tudo vai bem. Felizes daqueles que,
extasiados num amanhã que nunca chega, se negam a aceitarem esta certeza. No
conjunto, os comerciantes mais antigos estão velhos pela idade e os mais novos,
recém-chegados, estão envelhecidos pela frustração de verem os seus sonhos,
carregados de otimismo utópico agora realizados, serem esmagados pela
brutalidade da realidade.
Se o desanimar é o verbo, a
esperança numa época de vendas como era o Natal já foi. Para aumentar o
desalento crescem interrogações. Por exemplo, este ano vai haver iluminações
nas ruas? Tendo em conta o antecedente na última década, pode até parecer uma
pergunta estúpida, mas se explicar os fundamentos deixa de o ser. Até 2001,
altura em que Manuel Machado, do PS, presidente da Câmara Municipal de Coimbra
(CMC), cedeu o lugar a Carlos Encarnação, as ornamentações natalícias eram
pagas pelos comerciantes. Com o PSD no poder a despesa das luzinhas passou a
ser elencada nos custos de exercício da autarquia. Agora que os
sociais-democratas se foram quem paga as iluminações? Uma coisa é certa, os
comerciantes, com o grau de endividamento geral que sofrem, dificilmente
chamarão a si este encargo. Quanto muito, por questões de afirmação e bairrismo,
duas ou três ruas farão o impossível para continuar a tradição.
Para complicar ainda mais as
coisas, a APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra, mantém uma direção de prorrogação. O seu mandato
extinguiu-se em Junho. Deveriam ter sido convocadas eleições, mas com a proximidade
do sufrágio autárquico entendeu-se –e muito bem- prolongar a representação até
se avistar fumo branco no palácio da Praça 8 de Maio. Acontece que,
naturalmente, com os novos locatários na edilidade a situação relacional ainda
não está definida –lembro que a CMC é o maior associado fundador na agência,
seguindo-se a ACIC, Associação Comercial e Industrial de Coimbra, a Associação
de Panificação do Centro e as juntas de Freguesia de Santa Cruz e São
Bartolomeu.
Para aumentar a incerteza de quem
labora comercialmente nesta zona antiga, a ACIC foi declarada insolvente e nada
se sabe do que aconteceu na última Assembleia Geral Ordinária realizada no
passado dia 13. Ou seja, aparentemente, neste momento os lojistas não têm um
órgão associativo que os defenda institucionalmente e estão entregues à sua
sorte. O que leva a especular que os estatutos da APBC pedem uma urgente
reformulação de competências, passando não só da localizada “promoção e modernização da zona da baixa de
Coimbra, visando a requalificação daquela zona e o desenvolvimento da gestão
unitária e integrada de serviços de interesse comum” para uma jurídica e
institucional associação de representação geográfica alargada a todos
comerciantes da cidade. É óbvio que esta alteração implica o corte umbilical
com a edilidade. Ora, acontecendo esta secessão, como é que consegue
sobreviver?
Demasiadas questões para centralizar
numa resposta objetiva. Uma coisa é certa: a Baixa, neste Natal, está entalada
entre um presente cheio de incógnitas e um futuro que, infelizmente, cada vez
mais se augura pouco auspicioso.
SANTOS E PECADORES
Todos sabem que sempre que há um evento público na cidade,
cortejo de estudantes, prova de atletismo, procissão ou outra qualquer
manifestação, o trânsito automóvel é cortado sem planos prévios e de modo a
colmatar os menores transtornos de todos, e a urbe transforma-se num labirinto
de saídas impossíveis. Sobretudo sem levar em conta os prejuízos económicos que
podem advir para os automobilistas. Em decisão sem ponderação equitativa e
tendo em conta as partes em confronto de interesses, é como se quem decide na
secretaria tenha um apriorismo de que quem circula na estrada anda
sistematicamente a passear de popó e os outros, os tomadores do asfalto pela
reivindicação, cívica ou cultural, sem discussão, sejam os abençoados
mensageiros da causa de todas as causas nobres. Por isso mesmo, em completo
desrespeito pelos primeiros, os condutores, os segundos, de forma abusiva,
arbitrária e discriminatória, ocupam o espaço público que é de todos. Nem vou
contar as experiências em que tenho sido interveniente. Qualquer um de nós que
conduza viatura já provou na carne estas decisões pouco ortodoxas e que nos
fazem eriçar a pele pela injustiça latente. É como se sentíssemos que a cidade
se coloca de cócoras perante o invasor.
E comecei a escrever esta crónica em face da
indignação de Ermelinda Adelino, uma nossa munícipe da Baixa, por causa de um
acontecimento recente e relacionado. Vamos ouvi-la:
“no dia do último Cortejo da Latada,
realizado em 22 do mês passado, terça-feira, entre a parte Alta e a Baixa da
Cidade, excetuando o transporte público, o trânsito automóvel particular foi
interrompido na zona do Largo da Portagem e estava a ser desviado para a Ponte
de Santa Clara. Eram cerca de 17h00. Como o transporte coletivo de passageiros estivesse
a tardar, já que começava a fazer-se tarde para eu recolher o meu neto no
colégio, em São José, tomei um táxi junto à Estação Nova e dei anotação ao
motorista para seguir para a zona do Estádio. Seguíamos atrás de um autocarro.
Para minha surpresa, nos semáforos da Portagem, sobre indicações de um agente
da PSP, o veículo camarário seguiu e o carro de aluguer onde era transportada
foi obrigado a cortar para a ponte sobre o Mondego. Acontece que, por acaso, só
levava 5 euros. Ora em face das voltas que o automóvel de passageiros iria dar
vi logo que iria ficar num mar de problemas e mandei encostar o táxi. Indaguei
junto do cívico da razão de não podermos prosseguir a marcha atrás do
autocarro. O agente, nitidamente agastado, sublinhou que por ali o táxi não
passava. Tentei explicar a razão da minha pressa e de ter tomado aquele
transporte pela necessidade. Perante a minha falta de paciência notada, o homem
da farda replicou que eu fosse a pé. Voltei para a paragem de autocarros e,
apesar da ansiedade e muita irritação, esperei. No autobus, enquanto percorria
a distância que me separava do meu neto, comecei a interrogar-me se os táxis
não seriam também considerados transportes públicos. Peguei no meu menino e,
como passava ao lado da Esquadra da PSP, junto à Elísio de Moura, interroguei
um agente: diga-me, que tipo de transporte é considerado um táxi? Ele
respondeu: “transporte público!”.
Em juízo de valor e considerando as
declarações desta cidadã, talvez o senhor Comandante da PSP de Coimbra devesse
ponderar no sentido de informar os seus comandados na destrinça entre serviço
público e privado e, já agora, sempre que houver interrupções de trânsito na
cidade, também pensar na harmonização de interesses e de modo a escolher o mal
menor para todos e não apenas para alguns.
LEIA O DESPERTAR...

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Para além do texto "BAIXA: EM BUSCA DA DIVERSIDADE PERDIDA", deixo também a crónica "O FANTASMA DO DIA DOS MORTOS"
BAIXA: EM BUSCA DA DIVERSIDADE PERDIDA
Nos últimos dias abriram duas frutarias na Rua das
Padeiras. Perante este facto perfeitamente normal, numa zona comercial que
teima em não se deixar abater, poderemos interrogar: mas o que terá isto de especial? Em face destes dados
disponibilizados, diremos, absolutamente nada. Mas se informar que a vinte
metros há três estabelecimentos de venda de fruta instalados há décadas talvez
já venha baralhar os dados. Se escrever que no ano passado mudou de ramo um
ponto de venda destes produtos na Rua do Paço do Conde talvez venha complicar ainda
mais a questão. Ou se calhar não! Provavelmente o leitor estará a pensar onde
quero chegar com este arrazoado. Para piorar mais as coisas, vou ainda dizer
que nestas últimas semanas abriram duas lojas de artesanato numa zona já
sobrelotada com oferta; um estabelecimento de roupas para criança; uma
sapataria no lugar de outra que não se estava a tornar rentável; e, nos últimos
meses, abriram dois cafés –em junho tinha encerrado um. E também duas lojas de
chineses –uma delas por motivo de mudança. Claro que no oceano da mimética há sempre quem sopre ventos de leste: deu à luz
um novo estabelecimento de cigarros eletrónicos na Rua Visconde da Luz.
Talvez já se consiga antever onde
quero chegar. O que pretendo mostrar é que a oferta nesta zona histórica
continua anárquica e sem qualquer planeamento das entidades competentes. Quem
se lembra da outrora Baixa comercial desaparecida saberá que a sua atratividade
residia essencialmente na extensa oferta. Aqui havia de tudo. Desde uma pilha
até ao objeto mais difícil de encontrar no mercado nacional –já para não
recordar a pequena oficina de pequenos arranjos de recuperação de objetos. Tudo
isso se esfumou na bruma da modernidade. Para quem não conhecer, agora, tentar adquirir
uma simples pilha pode ser um problema de difícil solução. Salvo exceções, hoje
a oferta nesta zona é uma repetição cansativa, de mais do mesmo, que não procura servir o público consumidor mas
antes o desejo de quem não quer arriscar muito e aposta no facilitismo. A
consequência desta falta de planeamento é a destruição de todos: os que já
estão instalados, os que vêm de novo e, para piorar, a degradação comercial
acentua-se cada vez mais.
Sabemos todos que é legítimo a
procura de uma vida melhor e não se contesta. Aliás é de valorizar as pessoas
negarem o ócio a favor de um negócio. Indo até mais longe, é um direito
constitucional consagrado, na liberdade de cada um poder eleger o seu caminho
profissional –e aqui incluo os estudantes universitários. Sou absolutamente
contra cláusulas-barreiras que dificultem a vontade individual de cada um
escolher o seu futuro. O que defendo é que na hora de entrar num qualquer curso
profissional ou universitário, investimento comercial, industrial, ou de
serviços, o Estado, buscando a diversidade social na razão de defender os
interesses de todos, tem uma obrigação redobrada de informar os candidatos das
consequências de escolherem uma área cuja oferta exceda a procura.
Voltando à Baixa, nesta chamada
de atenção procurando evitar o mal menor, a autarquia deveria chamar a si este
alerta. Na hora em que os serviços de atendimento tomem conhecimento de que
alguém pretende abrir uma loja numa qualquer rua, ou através do pedido prévio
de licenciamento, deveria imediatamente ser contactado o investidor e, de uma
forma franca, mostrando-lhe outras opções, dizer-lhe que se pretende abrir uma
frutaria numa zona onde já existem três com largas décadas de experiência pode
ser um mau passo para todos. Este acautelamento será sempre e apenas um
esclarecimento e no sentido da prevenção. Se o proponente persistir na ideia,
paciência! Salvo melhor opinião, legalmente não se poderá fazer mais do que um aconselhamento
formal. Mas terá mesmo de se fazer. Agora que começou uma nova era autárquica,
com novo executivo, não será altura de se perguntar: o que se quer fazer da
Baixa?
O FANTASMA DO DIA DOS MORTOS
Passou o dia primeiro de novembro.
Morreu o Dia de Todos os Santos.
Desde sempre que se considerou esta data como feriado nacional, tendo como objeto
fazer uma visita aos cemitérios e relembrar os amigos e familiares que partiram
na grande viagem. Pela primeira vez, talvez em mais de um século, este dia santo
não foi comemorado este ano. Foi simplesmente apagado do calendário.
Antes de prosseguir, como
ressalva de interesses, declaro que defendo um cada vez maior recurso à
cremação –com preços mais acessíveis, o que não se verifica atualmente. Apesar
disso, tenho o maior respeito pelo costume de depositar os defuntos nos
cemitérios. Somos um povo maioritariamente Católico-apostólico-romano e, por
isso mesmo, todos temos obrigação de reverenciar a prática popular. E quando
escrevo todos considero que tal
deferência deve começar pelos governos. Retirar este dia à população portuguesa
é muito mais do que um atentado à sua dignidade, é, acima de tudo, mostrar um
desconhecimento brutal pela nossa memória. Em silogismo, é caso para interrogar,
se o Governo desconsidera os mortos como há-de ter alguma estima pelos vivos?
Nas últimas décadas, numa apregoada democracia, e não falo apenas dos últimos
executivos, os governos comportam-se como tiranos inimigos do cidadão. Devo
clarificar que concordo que alguns feriados não faziam sentido –como, por
exemplo e salvo melhor opinião, o do Corpo
de Deus, sendo nós assumidamente um Estado laico. Porém há outros, como o
do 5 de Outubro, cuja extinção apenas contribuem para o apagamento da nossa
história recente.
O argumento invocado para
obliterar este Dia de Todos os Santos
foi o de que estamos em crise e é preciso trabalhar mais. Acontece que, no dia
de homenagem aos desaparecidos, embora poucos mas alguns estabelecimentos
comerciais na Baixa não abriram portas. Mais ainda, os que estiveram abertos,
salvo exceções, contaram silêncios nas poucas pessoas que entraram na jorna.
Esta zona histórica, apesar de ser um dia normal de trabalho, esteve como se
realmente fosse feriado. Teria valido a pena este corte? Penso que não.
UM COMENTÁRIO RECEBIDO SOBRE...
Unknown deixou um novo comentário na sua
mensagem "A MULHER QUE MAIS ME AMOU":
Lindo... António! Mais uma vez um depoimento sentido, um reviver de emoções que mexeram com os seus sentimentos; não deixa de nos contagiar também pelas nossas/de outras pessoas; os momentos marcantes de cada um dos dias da nossa vida. A Elvira partiu, sim, como essa Elvira muitas outras "elviras" partiram, e certamente todas nos deixaram marcas, positivas outras talvez nem tanto... Mas faz parte da vida!
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Lurdes Pedroso deixou um novo
comentário na sua mensagem "A MULHER QUE MAIS ME AMOU":
Amores desencontrados, mas que ficam sempre registados no nosso coração! Magoa sempre a partida de quem um dia nos disse muito. Bela mensagem.
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Manuela Catalão disse: “Que
maravilhosa forma de mostrar a fragilidade do coração; a principal razão que o
faz bater mais forte ou quebrar-se em pedaços!!! Este texto é de uma riqueza de
sentimentos que é verdadeiramente comovente. Uma história de amor verdadeiro.
Os grandes amores não costumam ter finais felizes. Um abraço, Luís.
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MIGUEL ABREU disse: “Obrigado
António Luís Fernandes Quintans pela partilha deste seu texto comovente.
É uma pena ver partir uma das
nossas clientes para uma viagem sem volta”
quinta-feira, 21 de novembro de 2013
A MULHER QUE MAIS ME AMOU
Hoje, enquanto esperava pelo
almoço, no pequeno snack-bar, porque não o tinha lido durante a manhã, deu-me
para desfolhar o Diário de Coimbra. Já há uns tempos para cá que dou sempre uma
vista de olhos no obituário –dizem os mais sérios que esta inclinação é
ocasionada pela percepção de que estamos a caminhar para o fim da nossa vida e,
por isso mesmo, passamos a ver qual dos nossos conhecidos ou amigos partiu à
nossa frente. Os mais brincalhões afirmam que esta preocupação de visionar a
página da necrologia é para verificar se encontramos lá a nossa foto plasmada.
Foi então que levei um murro no
estômago pela notícia acompanhada de foto: “Elvira
Martins Maurício faleceu subitamente com 58 anos”. Eu conheci muito bem
esta mulher que, partindo à nossa frente, agora nos deixa. A Elvira foi a minha
segunda namorada. Teria eu cerca de 17 anos quando nos conhecemos no salão de baile
do “Bacana”, na Lameira de São Geraldo, próximo do Luso. Era uma mulher linda,
de intensos olhos azuis. Ela trabalhava na desaparecida Pensão Lusa, no Luso, e
eu numa loja da Baixa de Coimbra. Aos sábados, eu ia de propósito ao bailarico
para dançarmos e acompanhá-la a pé, juntamente com outras miúdas da nossa idade
e percorrendo uma distância de cerca de 3 quilómetros, até à vila das águas
encantadas por Deus.
Estávamos em 1973. Não sei
quantos meses namorámos. O que sei é que, talvez fruto da idade, eu era um galo doido. Sem saber o que queria, eu
procurava uma garota linda e toda virada para a frente, modernaça e com ideias
avançadas. Nessa altura conheci uma outra –que já não recordo o nome- também
nascida na zona do Luso e que residia e estudava no Liceu Dona Maria, em
Coimbra. Talvez pela acessibilidade, uma vez que eu laborava na cidade dos
estudantes, a verdade é que acabei o namoro com a Elvira. No dia em que lhe
comuniquei o desenlace esta bela rapariga chorou desalmadamente no meu ombro.
Ela era uma mulher incrível, assertiva, pés no chão e cabeça no lugar.
Lembro-me perfeitamente do seu abraço envolvente. Nunca esqueci o seu olhar
terno e dedicado. No ano seguinte, e largos meses depois de termos rompido, quando
fiz anos, em Agosto, recebi pelo correio uma encomenda dela. Lá dentro um single com a versão de Sharif Dean “Do you love me?”. Por
incrível que pareça, ao longo da minha vida, tive sempre a sua imagem presente
na minha cabeça. Eu nunca tive dúvidas de que ela fora a mulher que mais me amou.
Ela foi o meu símbolo do amor. Aquele afecto que idealizamos em sonhos e
acreditamos nunca encontrar no caminhar da existência. Dois anos depois, em
1976, sem nunca me esquecer dela, casei. Senti de tal forma o seu amor por mim
que no dia do meu casamento receei vê-la entrar pela igreja dentro e interromper
o padre quando ele interrogava se alguém se opunha ao enlace. Imaginei-a a
gritar do fundo da sala: “esse homem é
meu!”
Ao longo do meu casamento de 35
anos, e já com a Elvira casada com outro homem, quando naquelas fases más que todos
os casais passam, lá sentia a interrogação: porque
deixei a Elvira? Pela forma como me amava, eu nunca teria problemas com ela e
teria sido muito feliz!
Neste percorrer estrada da minha
vida perguntei-me sempre porque, em face daquela paixão única, porque não
ficámos juntos? Nunca encontrei uma resposta objectiva. Embora não acredite nos
ditames do destino –ele é apenas uma subsequência de acções anteriores-, achei
sempre que estava escrito nas estrelas que não estávamos fadados um para o
outro. Não encontro outra explicação racional.
Já depois de ela estar
divorciada, ao longo das nossas vidas encontramo-nos, por acaso, duas ou três
vezes nas ruas da cidade, em Coimbra. Conversámos e nada mais. Nunca passou de
um encontro fortuito. Éramos duas pessoas que nos conhecíamos bem –cada um a
guardar a sua memória nos gavetões da mente-, mas nada mais do que isso. Neste
presente, éramos dois estranhos em face do passado. O tempo alagou a nossa
proximidade e petrificou o que de bom ficou.
Segundo um vizinho, nesta última
sexta-feira, durante a manhã, a hora indeterminada –já que a Elvira vivia
sozinha- teve um derrame cerebral. Só depois do almoço, em telefonema de um
familiar, como não respondesse, este deu o alerta. Encontraram-na ainda com
vida e foi transportada para o hospital mas já não recuperou do coma. E lá
faleceu.
Hoje, no lugar de Trezoi com a
bonita capela completamente cheia de amigos, na missa de corpo-presente, a
mulher que mais me amou, tenho a certeza, esteja onde estiver, sentiu todo
aquele calor humano de tantos que lhe queriam bem.
Não sei se consigo mostrar que
este meu texto pretende ser uma reverência à Elvira Martins Maurício. Não
pretendo de modo nenhum reabrir feridas que possam magoar alguém. É apenas a
minha sentida homenagem; o tributo de alguém que teve a honra de a ter conhecido
e o quanto, mesmo no silêncio, ela foi importante na sinuosidade da vida.
Ao seu único filho, à sua
restante família, as minhas mais sinceras condolências nesta hora de
consternação e dor. Até sempre Elvira! Gostei muito de te ter conhecido. Até um
dia! Descansa em paz!
QUEM DISCORDAR PONHA O DEDO NO AR!
"SAÚDE E SEXUALIDADE
Os taoístas não vêem o sexo e a energia sexual sob uma questão moral, para eles é mais uma questão de saúde. A energia sexual, é a energia mais potente que existe, é a energia criativa, ou seja, a pura energia da vida.
A sexualidade se manifesta no universo o tempo todo, através da natureza, dos animais e nos humanos. Ela é um dom que recebemos e tem que ser utilizada, assim como a natureza deu, ela cobra. A pessoa que não tem atração sexual é uma pessoa que tende a adoecer, por causa de bloqueios energéticos.
A energia sexual é uma força criativa que se move pelo corpo, alimentando as emoções, os pensamentos e criando o impulso do desejo. Ela não é benéfica somente para o corpo, é também o combustível das emoções e do espírito, é o alimento para todo o nosso ser: o corpo, a mente e o espírito, pois eles devem trabalhar juntos, como diziam os sábios taoístas.
Assim que você começar a entender a sua energia, como ela é, e para o que realmente existe, terá uma compreensão bem mais saudável de como trabalhá-la e como interagir com as pessoas ao seu redor, principalmente com o sexo oposto. A energia sexual envolve vários assuntos, como a Kundalini, Bindú, DNA, Yoga, Tantra, Sahajoli, Pompoarismo, Dois Cérebros e Três Tan Tiens.
(Mitiyo Oshiro Takemoto)"
quarta-feira, 20 de novembro de 2013
FILHOS DO VENTO
Na década de 1950, era comum os filhos reverenciarem os pais com um beija-mão e acompanhar o gesto com uma frase repetida: “sua bênção, meu pai!”. Este cumprimento de veneração alargava-se ao padrinho de baptismo, ao homem mais rico da freguesia e até ao senhor vigário. Nenhum filho ousava um tratamento de “tu lá, tu cá” para os seus progenitores. Era um respeito imposto verticalmente, de cima para baixo. Logo que alguém era pai, mesmo que fosse um diabo, um trapalhão que não valesse um caracol, era outorgado pelo espírito do costume na missão de continuar a impor um rigor austero aos seus descendentes. Ai do filho que levantasse a voz ao progenitor mesmo se a ordem dada era imoral ou inexequível. Desde o chicoteamento com cinto, com “canoilho” –tronco do milho ou da couve alta-, com uma ripa, com cordas dobradas, o recurso ao castigo corporal era um hábito educacional. Era um uso demasiado repetido na maioria das casas portuguesas, sobretudo nas mais humildes – prosseguido nas escolas primárias, enquanto infante e até depois da adolescência. Se, por um lado, na família funcionava como um procedimento imposto para marcar o terreno, para vincular a autoridade do “pater familias”, por outro, era como se fosse um preço a pagar por se ter nascido livre, insurrecto, sem controlo nas emoções e impreparado para lidar com a sociedade aristocrática. Nas linhas iluministas de Thomas Hobbes e Jacques Rosseau, ajuizando que o homem nasce bom ou mau, era uma espécie de preparação para o futuro; moldar o indivíduo de modo a torná-lo dócil e pacífico –e também na orientação ideológica do Estado Novo, assente no autoritarismo social. Ou seja, educava-se para a subjugação e não para a liberdade. Aliás, os educadores que furavam este conceito imposto por todos tacitamente eram apelidados de loucos.
Era comum o pai trabalhar e a mãe, doméstica, cuidar da prole. Era esta mãe-galinha que com suas asas invisíveis protegia os herdeiros da ira do patriarca quando, tantas vezes, chegava embriagado, esquinado, a casa e embirrava com tudo o que mexesse desde o gato até ao cão.
Se numa primeira fase, para os filhos, este tratamento duro de disciplina espartana causasse revolta com ódio à mistura, numa segunda, com o crescimento da idade, esse sentimento ia desaparecendo. O tempo ia desculpabilizando a dureza do ascendente e o agora pai, copiando os mesmos métodos que tanto infernizou, aplicava igual tratamento aos seus descendentes. Por conseguinte tudo se esquecia –“porque foi para o meu bem”, dizia-se- e o amor umbilical que ligava avós, pais e filhos falava mais alto. Numa roda que circulava para todos os entes, sabia-se que os mais novos cuidariam dos mais velhos e, numa obrigação ancestral, proporcionariam aos país uma velhice acompanhada –aliás, quando alguém ousava institucionalizar um familiar num lar de terceira-idade era um falatório diabólico na vizinhança. Tal acção de desapegamento, perante uma colectividade amarrada a estereótipos, constituía um acto de desamor a quem tanto deu para criar tal valdevinos e mal-agradecido. E lá vinha o aforismo de mau filho és, como mau pai serás tratado.
VENTOS DE LESTE
Veio a Revolução de Abril de 1974 e, em consequência, a família patriarcal, enquanto célula una, cimentada na austera obediência hierárquica, foi-se esboroando progressivamente. A nova geração maltratada e abusada por sevícias pelos criadores abriu-se completamente aos novos ventos de modernidade. O trato relacional entre pais e filhos alterou-se profundamente. Tal como a queda do muro de Berlim, em 1989, serviu para misturar as duas Alemanhas, Ocidental e de Leste, na família, até aí impenetrável a modas que alterassem o situacionismo, ruíram as barreiras que mantinham o tal respeitinho e passou-se para uma unificação de direitos e obrigações iguais para todos, independentemente da idade, da condição e da prestação social. A cada cabeça correspondia um voto. A idade passou a ser um mito. Bastava a condição de filho para ter direito a semanada, cama, mesa e roupa lavada –repare-se que, surfando a mesma onda, também nesta altura se criaram as condições para a implantação do Estado social, aplicando a mesma filosofia: “se és cidadão, logo, independentemente de contribuíres ou não para o bem-estar de todos, tens direitos assegurados pelo único facto intrínseco de seres nacional”. Ou seja, as obrigações individuais foram sublevadas. O que importava mesmo era a inalienável condição de ser pessoa. Por outro lado, já agora, como até aí a frequência universitária era apenas possível para os mais abastados, uma vez que o ensino começou a democratizar-se, apostou-se tudo em cursos superiores para os filhos. Isto é, sobrevalorizou-se o intectualismo de pasta e desvalorizou-se o trabalho material enquanto símbolo da experiência empírica.
Enquanto que nas décadas de 1950 e 1960 os herdeiros eram o acessório básico para a multiplicação do apelido e um instrumento financeiro de captação de receitas para a sobrevivência do agregado, a partir de 1974 os filhos passaram a ser o investimento, a aposta numa oportunidade de um futuro previsível que os pais não tiveram; um jogo de espelhos onde os progenitores se reviam; uma concretização material, uma conquista que, individualmente, não fora alcançada em tempo útil mas que, pelo contentamento sentido, dava a mesma satisfação. Passou a ser a prossecução de um “continuum” social e ao mesmo tempo um ajuste de contas com o passado. O filho, portanto, passou a ser na família o centro, o nuclear, de toda a atenção dos pais.
Seria de supor que, recebendo em triplicado, bem-estar, afecto e formação, o que os ascendentes não provaram, esta nova geração saída a partir de meados das décadas de 1970 e seguintes seriam reconhecidas a quem tanto lutou para lhes proporcionar uma vida tão cheia de ferramentas. Ora o que aconteceu foi que, socialmente, o resultado é simplesmente catastrófico. Na generalidade, com as devidas excepções naturalmente, estas extirpes são do pior: egoístas, cínicos e pouco dados a carinhos aos mais idosos. São simplesmente parasitas para quem os criou com tanto amor e ternura. Pior do que isso, são maus e não escondem a sua índole de malvadez. Tratam os mais velhos como se fossem crianças imberbes, impondo a sua vontade torcionária. Tomar conta deles está completamente fora de questão. São coisas sem prestabilidade para morrerem esquecidos num qualquer hospital. Em metáfora, como vampiros, apenas estão preocupados em sugar o sangue que lhes corre nas veias –como quem diz chupar-lhe todo o dinheiro que tenham. O que conta é o seu interesse mesquinho e atrofiado e pouco lhes importa a felicidade de quem tanto lhes deu. Numa frase final, com respeito pela mãe: FILHOS DE PUTA!
UM COMENTÁRIO RECEBIDO SOBRE...
Lurdes Pedroso deixou um novo comentário na sua mensagem "A BAIXA À PROCURA DA MAGIA PERDIDA DO NATAL":
E não se vislumbra nenhuma luz ao fundo do túnel!
Apostou-se nas grandes e médias superfícies! As lojas chinesas continuam a abrir e a dar algum movimento por ruas que praticamente estão desertas. A habitação está degradada e já poucos a habitam. As Instituições que deveriam ter alguma intervenção neste descalabro estão completamente moribundas. Resta somente a Universidade e os quartos (agora andares) para alugar!
terça-feira, 19 de novembro de 2013
OURIVESARIAS GAMADAS NA BAIXA
Cerca das 9h30 de hoje uma mulher de 43 anos, bem-apessoada, bem-falante e de boas maneiras, deu a palmada numa série de peças em ouro na Ourivesaria Chieira, na Rua do Corvo. Segundo o responsável pelo estabelecimento, o senhor Ferreira (filho), “a classe da sujeita era impressionante” –e faz corte com a mão aberta de alto a baixo. “Tudo boa roupa de marca e com carteira a condizer”, enfatizou.
Segundo se consta, numa democraticidade pouco relevante, a ladra deu uma geral a quem se colocou a jeito, não apenas hoje mas nos últimos dias na Baixa. Se é um caso de cleptomania ninguém sabe. Segundo as declarações de quem viu, o que se sabe é que a senhora agia com completo à vontade e com alguma ingenuidade à mistura.
Segundo as palavras do dono da Ourivesaria Chieira, “eu tenho sempre as câmaras de videovigilância ligadas mas, como a experiência já é muito grande, uma pessoa quase cheira o furto à distância. Apercebi-me logo quando ela surripiou a primeira peça, mas deixei-a à vontade. Aliás, até fui buscar mais umas caixas onde tenho uma única peça em cada compartimento para não haver enganos e, num piscar de olhos, já faltavam duas peças em ouro. Comecei a mostrar-lhe que estava a ver tudo, até me inclinei para a sua mão que levava mais uma, mas a fulana parecia não dar por mim e pô-la no bolso. Até que me chateei com a brincadeira e disse: alto e para o baile! Foi então que ela se desmanchou em lágrimas. Chamámos a PSP e a suspeita, da zona de Poiares, foi levada para a Esquadra onde foi detectado ouro de várias outras ourivesarias, onde até estava um anel de curso que não era meu. Entretanto, quando estava lá a apresentar queixa surgiram duas funcionárias daquela ourivesaria ali… está a ver?" -Presumivelmente a Ourivesaria Marialva, digo eu. "Foi julgada em processo sumário e foi condenada a um ano de prisão com pena suspensa e a 100 horas de trabalho comunitário. É de supor que outras queixas foram formalizadas por outras ourivesarias”, advertiu o proprietário da Chieira.
A BAIXA À PROCURA DA MAGIA PERDIDA DO NATAL
Estamos a cerca de um mês do Natal. Como prisioneiros que esperam a hora da execução, os comerciantes da Baixa, enrolados num manto sorumbático, olhando a porta de entrada à espera do cliente-surpresa que lhe safe o mês, vêem o fim cada vez mais próximo –este início de texto é desgraçado e apocalíptico? É, sim senhor! Mas fique o senhor leitor a saber que é a verdade. Este é o ambiente que se vive actualmente no Centro Histórico. Escamotear esta veracidade é negar a própria vida e fazer de conta que tudo vai bem. Felizes daqueles que, extasiados num amanhã que nunca chega, se negam a aceitarem esta certeza. No conjunto, os comerciantes mais antigos estão velhos pela idade e os mais novos, recém-chegados, estão envelhecidos pela frustração de verem os seus sonhos, carregados de optimismo utópico agora realizados, serem esmagados pela brutalidade da realidade.
Se o desanimar é o verbo, a esperança numa época de vendas como era o Natal já foi. Para aumentar o desalento crescem interrogações. Por exemplo, este ano vai haver iluminações nas ruas? Tendo em conta o antecedente na última década, pode até parecer uma pergunta estúpida, mas se explicar os fundamentos deixa de o ser. Até 2001, altura em que Manuel Machado, do PS, presidente da Câmara Municipal de Coimbra (CMC), cedeu o lugar a Carlos Encarnação, as ornamentações natalícias eram pagas pelos comerciantes. Com o PSD no poder a despesa das luzinhas passou a ser elencada nos custos de exercício da autarquia. Agora que os sociais-democratas se foram quem paga as iluminações? Uma coisa é certa, os comerciantes, com o grau de endividamento geral que sofrem, dificilmente chamarão a si este encargo. Quanto muito, por questões de afirmação e bairrismo, duas ou três ruas farão o impossível para continuar a tradição.
Para complicar ainda mais as coisas, a APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra, mantém uma direcção de prorrogação. O seu mandato extinguiu-se em Junho. Deveriam ter sido convocadas eleições, mas com a proximidade do sufrágio autárquico entendeu-se –e muito bem- prolongar a representação até se avistar fumo branco no palácio da Praça 8 de Maio. Acontece que, naturalmente, com os novos locatários na edilidade a situação relacional ainda não está definida –lembro que a CMC é o maior associado fundador na agência, seguindo-se a ACIC, Associação Comercial e Industrial de Coimbra, a Associação de Panificação do Centro e as agora agregadas Juntas de Freguesia de Santa Cruz e São Bartolomeu.
Para aumentar a incerteza de quem labora comercialmente nesta zona antiga, a ACIC foi declarada insolvente e nada se sabe do que aconteceu na última Assembleia Geral Ordinária realizada no passado dia 13. Ou seja, aparentemente, neste momento os lojistas não têm um órgão associativo que os defenda institucionalmente e estão entregues à sua sorte. O que leva a especular que os estatutos da APBC pedem uma urgente reformulação de competências, passando não só da localizada “promoção e modernização da zona da baixa de Coimbra, visando a requalificação daquela zona e o desenvolvimento da gestão unitária e integrada de serviços de interesse comum” para uma jurídica e institucional associação de representação geográfica alargada a todos comerciantes da cidade. É óbvio que esta alteração implica o corte umbilical com a edilidade. Ora, acontecendo esta secessão, como é que consegue sobreviver?
Demasiadas questões para centralizar numa resposta objectiva. Uma coisa é certa: a Baixa, neste Natal, está entalada entre um presente cheio de incógnitas e um futuro que, infelizmente, cada vez mais se augura pouco auspicioso.
Se o desanimar é o verbo, a esperança numa época de vendas como era o Natal já foi. Para aumentar o desalento crescem interrogações. Por exemplo, este ano vai haver iluminações nas ruas? Tendo em conta o antecedente na última década, pode até parecer uma pergunta estúpida, mas se explicar os fundamentos deixa de o ser. Até 2001, altura em que Manuel Machado, do PS, presidente da Câmara Municipal de Coimbra (CMC), cedeu o lugar a Carlos Encarnação, as ornamentações natalícias eram pagas pelos comerciantes. Com o PSD no poder a despesa das luzinhas passou a ser elencada nos custos de exercício da autarquia. Agora que os sociais-democratas se foram quem paga as iluminações? Uma coisa é certa, os comerciantes, com o grau de endividamento geral que sofrem, dificilmente chamarão a si este encargo. Quanto muito, por questões de afirmação e bairrismo, duas ou três ruas farão o impossível para continuar a tradição.
Para complicar ainda mais as coisas, a APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra, mantém uma direcção de prorrogação. O seu mandato extinguiu-se em Junho. Deveriam ter sido convocadas eleições, mas com a proximidade do sufrágio autárquico entendeu-se –e muito bem- prolongar a representação até se avistar fumo branco no palácio da Praça 8 de Maio. Acontece que, naturalmente, com os novos locatários na edilidade a situação relacional ainda não está definida –lembro que a CMC é o maior associado fundador na agência, seguindo-se a ACIC, Associação Comercial e Industrial de Coimbra, a Associação de Panificação do Centro e as agora agregadas Juntas de Freguesia de Santa Cruz e São Bartolomeu.
Para aumentar a incerteza de quem labora comercialmente nesta zona antiga, a ACIC foi declarada insolvente e nada se sabe do que aconteceu na última Assembleia Geral Ordinária realizada no passado dia 13. Ou seja, aparentemente, neste momento os lojistas não têm um órgão associativo que os defenda institucionalmente e estão entregues à sua sorte. O que leva a especular que os estatutos da APBC pedem uma urgente reformulação de competências, passando não só da localizada “promoção e modernização da zona da baixa de Coimbra, visando a requalificação daquela zona e o desenvolvimento da gestão unitária e integrada de serviços de interesse comum” para uma jurídica e institucional associação de representação geográfica alargada a todos comerciantes da cidade. É óbvio que esta alteração implica o corte umbilical com a edilidade. Ora, acontecendo esta secessão, como é que consegue sobreviver?
Demasiadas questões para centralizar numa resposta objectiva. Uma coisa é certa: a Baixa, neste Natal, está entalada entre um presente cheio de incógnitas e um futuro que, infelizmente, cada vez mais se augura pouco auspicioso.
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