Quem hoje, durante a manhã, passou na Praça do Comércio, certamente, foi surpreendido por dois grupos de jovens, cada um com sua banca, a vender bens usados.
Ali poderiam ser comprados vários artigos, desde livros para crianças e adultos, roupa usada a um euro, sapatos, discos de vinil e uma parafernália de objectos que apesar de pouca monta comercial não perderam o seu valor utilitário.
E o que pensam os transeuntes sobre o facto de esta rapaziada estar a vender no largo? Vou entrevistar um senhor idoso, de bigode e chapéu à texano a cobrir-lhe a cãs prateada.
-Bom dia, desculpe, escrevo para um blogue. O que pensa o senhor destes jovens estarem a vender artigos usados aqui na praça?
(Olha para mim, com cara de desconfiado, e, por momentos fiquei à espera do que sairia dali. Ou coice ou martelada)
-O que acho disto? Uma vergonha! Isto admite-se? Vão mas é trabalhar! Estão para aqui a fazer concorrência às lojas de velharias… é o que é! Estou indignado… está a ouvir? –o seu dedo em riste quase que me chegou ao nariz. Ainda consegui cheirar o seu odor a tabaco de enrolar.
-O que acho disto? Uma vergonha! Isto admite-se? Vão mas é trabalhar! Estão para aqui a fazer concorrência às lojas de velharias… é o que é! Estou indignado… está a ouvir? –o seu dedo em riste quase que me chegou ao nariz. Ainda consegui cheirar o seu odor a tabaco de enrolar.
-Mas o senhor já lhes perguntou o que estão aqui a fazer? Será que não terão autorização? Sei lá… digo eu… não sei!
-Não perguntei nem vou perguntar. Isso é que era bom! Por quem me toma o senhor? –mau mau! Pensei cá com meus botões. Querem ver que ainda vou levar um enxerto de um velhote?- Autorização? Mas, o senhor pensa que estamos onde? Na república das bananas, é? Por acaso o senhor apoia esta gente e concorda que esteja aqui a vender? –e, mais uma vez, cresce para mim. Estou tramado, Já não há respeito pela imprensa. Lembro-me logo da Cândida Pinto, da SIC, na Líbia, agachadinha, com as balas a zumbirem por cima da sua cabeça.
-Eu nem apoio nem deixo de concordar. Eu só quero escrever qualquer coisa… mais nada! –disse eu assim meio a titubear, e dando um passo atrás, não fosse o raio do velho disparar a direita. Fosca-se, anda uma pessoa a fazer serviço social “à borliú” e ainda leva com um destes. Ó égua!!
Vou ver se tenho mais sorte com a menina Lurdinhas –é uma solteirona que mora ali ao lado, no Beco dos Prazeres, e é mais velha que a torre da Universidade.
-Bom dia, Lurdinhas. Como está? O que acha da iniciativa destes jovens estarem a vender aqui na praça artigos usados?
-Estou bem, obrigado! Acho muito bem. Gosto muito de ver estes jovens a fazerem pela vida. É uma boa experiência para eles. Tenho a certeza de que irão sair daqui muito mais enriquecidos. Mas, diga-me, isto é para continuar?
-Não sei, Lurdinhas, cheguei agora. Não sei nada…
-Como não sabe nada? Então que raio de repórter é você? Olhe lá, e aquele calmeirão ali –e aponta para um dos vendedores- será que não quererá lá ir a minha casa? Tenho lá tanta coisa para vender… (e deu um profundo suspiro. Tão grande que até um grupo de pombas se assustou e, largando penas no ar, partiu espavorido).
FEIRA DE USADOS… QUÊ?
Vou então falar com o primeiro grupo, junto à ex-farmácia Miranda. Têm uma manta no chão pejada de livros infantis. Alguns compradores adquirem vários livros a 1 euro e outros a 50 cêntimos.
Aqui, a vender, estão três jovens. Uma é a Liliana Simões, licenciada em sociologia. Outra é a Nazaré Neves, licenciada em cerâmica, pela ARCA. E outra ainda é a Fátima Faria, licenciada em agricultura biológica.
-Então, contem lá, isto é muito mais do que parece. Certo? Contem lá, porque é que estão aqui. Interrogo.
-Nós –responde uma delas-, tal como aquele outro grupo ali –e aponta lá mais para a frente-, somos formandas de um curso de formação ministrado pela Câmara Municipal de Coimbra a jovens e adultos em situação precária de emprego –estamos todos desempregados. Estamos aqui numa acção de empreendedorismo e, proximamente, estaremos noutra de educação financeira.
-E a experiência está a ser gira? Interrogo.
-Muito engraçada. Pode crer! Esta acção de nos colocarmos no lugar de um qualquer vendedor é muito enriquecedora. Sentirmos na pele a frustração de não vender. Está a ser fantástico.
-E já venderam alguma coisa?
-Já vendemos 9 livros…
-É pá!! –manifesto admiração.
-É por ser para crianças, e tudo muito baratinho…
E OUTRO GRUPO? VENDE OU NÃO VENDE?
Mais à frente, quase no meio da praça está outro grupo de vendedores. É constituído pela Joana Cortesão, licenciada em Comunicação e Relações Públicas; pela Ana Faria, que é engenheira química; pela Anabela Figueiredo, licenciada em Serviço Social ; e pelo Afonso Ferreira, licenciado também em Serviço Social. Todos em situação de desemprego.
Estarão aqui todos até às 13h00. A experiência está a ser fantástica, referem em coro. “Depois disto vamos todos dar mais valor a quem está a vender num qualquer balcão. É certo que estamos aqui numa acção de formação, mas dá para sentir a frustração de se precisar de vender e não se conseguir. As pessoas olham, olham, mas não compram. Olhe que ainda não nos estreámos. Estamos a ver que nem para uma “bucha” ali no restaurante dá. Você não quer comprar este disco de vinil, um dos primeiros de Frank Sinatra? Não?! E este livro sobre blogues… não vai?”
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