quinta-feira, 11 de agosto de 2011

CARTA A MEU FILHO (3)





Beco da Paroleira, 11 de Agosto do ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo.

 Meu querido filho, meu rapaz, espero que estas linhas te encontrem de boa saúde e sempre, mas sempre, bem acompanhado. Como aqui estão cerca de 38 graus Célsius não posso garantir que as frases, devido à distância, aí cheguem em boas condições. No mínimo, acho eu, devem aparecer completamente estafadinhas e a transpirarem.
Aqui no velho continente europeu eu, como todos os “portugas”, cá vou fazendo pela vida. Quer dizer, procurando não trabalhar muito que me pode causar lesão ao coração e à mente. Sabes bem que eu sempre defendi que o trabalho deveria ser por gozo e jamais por obrigação. Claro que nunca consegui levar este preceito à prática e acabei vencido. Se é certo que fujo da obrigação como o diabo da cruz, a verdade é que o gozo, como sobrecarga, também não quer nada comigo. Como já te contei milhentas vezes, quando estavas cá deste lado do mar, o teu avô, quando era vivo e eu um puto mais novo do que tu, fartava-me de me inculcar na cabeça que do trabalho, do esforço, vinha tudo. Embora estivéssemos sintonizados em estações de rádios diferentes –tal como tu hoje estás em relação a mim-, lá lhe tentava dizer que isso não era bem assim. Mas debalde. Nunca me ouviu. Queria dizer-lhe que mais valia uma boa ideia inteligente do que passar a vida a apostar na mesma rotina esforçada. Com o passar dos Verões fui verificando que afinal, em toda a sua ignorância, ele tinha mesmo razão. Talvez porque, provavelmente, eu não era tão inteligente como supunha. É engraçado como as mensagens nunca são ouvidas em tempo útil. Como vingança dos mais velhos, tardam a chegar até nós mas não falham. Quanto mais envelhecemos mais nos aproximamos dos nossos pais e a dar-lhe razão fora do prazo devido.
Também é certo que nunca fui um agricultor como ele gostaria que eu fosse. E lá segui o destino que se me apresentou ao longo da vida tentando sempre fazer o melhor possível. E agora vais rir-te, sempre a tentar provar-lhe que era melhor do que ele me julgava. Era como se em cada passo, bom ou mau, a sombra do teu avô, como anjo vigilante, estivesse sempre presente. Por isto tudo, quero dizer-te, meu filho, que, tal como eu fiz na devida altura, deves seguir o teu destino sem olhar ao que tantas vezes tento traçar para teu caminho.
Bom, deixando-me de lamechices, porque afinal, creio, tu queres é saber novidades cá deste lado do Atlântico, devo dizer-te que a política internacional está dominada pelos tumultos em Inglaterra. É assim como se nós, o resto da Europa, olhássemos para Londres e víssemos o nosso futuro de incerteza. É como se aqueles motins, em onda avassaladora, a qualquer momento, possam invadir as nossas cidades. Ao vermos aqueles grupos de jovens a saírem das lojas com braçados de artigos que simbolizam o consumo, dá para ver que este modelo de sociedade que criámos nos últimos 30 anos mais não é do que uma fantasia. Uma cidade consegue ser o paraíso de felicidade para poucos e, ao mesmo tempo, uma montra de ilusão e exclusão para muitos. Talvez para maioria.
No tocante à política nacional pouco tenho para contar. Andamos por cá com o fantasma da Troika sempre presente. Já não se sabe se será mesmo uma aparição ou uma realidade que nos toca diariamente com cada vez mais dureza. Os serviços públicos de alguma gratuitidade estão a desaparecer e a dar lugar a um novo tipo de loja comercial onde o contribuinte pagante é um mero cliente sem nada ter em troca.
Já quase tudo é taxado com IVA. Assim, rapidamente, creio que só falta entrar no ar que respiramos e no sexo que praticamos. Mas tem calma que, por este andar, lá chegaremos. Não tardará muito. Quando tu aí, no Peru, ouvires contar que os portugueses são os que menos “berlaitadas” dão já sabes que já se paga imposto. Mas não acredites, não passam de respostas falseadas. Continuamos a desempenhar bem a nossa função. Ainda não trocamos o Facebook pela coisa. Quer dizer, acho eu, não sei.
Existe também o problema dos incêndios, mas isso não é novidade para ti. Todos os anos, Agosto sem incêndios é como festa em romaria sem santo. Não sei se estás a ver, proibiram os foguetes, mas substituíram-nos por incêndios. É mais espectacular e fica mais barato a quem os deita.
Quanto à política “rual”, como quem diz, cá no Beco da Paroleira, tudo continua calmo.
Os maiorais do paço da praça estão para férias até ao próximo dia 17, dia da reunião do executivo. Conta-se que, devido à tez acastanhada da pele, para contrariar a sombra escura, irá ser preciso colocar uns holofotes na sala.
Quanto ao resto tudo está na mesma. A Mariquinhas, aquela velhota que mora no 71, anda com uns apetites danados, mas que queres? Devido às ondulações do terreno é difícil os bombeiros chegarem ao incêndio. Mau, mau! Não olhes para mim, assim, que eu não tenho vocação para soldado da paz.
Abraço, meu filho, e carrega no prego, que a vida é curta e passa a correr.
… E não te esqueças da camisinha!



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