Como em tudo na vida também os discursos políticos têm sempre, no mínimo, duas formas de serem apreciados.
Segundo a imprensa de hoje, a prédica tomada de posse, ontem, do Presidente da República (PR), Aníbal Cavaco Silva, deixou a direita esfusiante de alegria e, em metáfora, a esquerda de braços no ar como se fosse colocar duas bandarilhas em quem ousou criticar o estado anémico do país.
Tenho de confessar que analisar este discurso de forma séria e independente é muito difícil. Habitualmente, todos temos sempre tendência em ler o que alguém escreve ou diz à luz do nosso posicionamento ideológico. Ou seja, se eu me inclinar para a esquerda naturalmente que me colocarei ao lado de quem tanto ficou incomodado com as palavras do PR. Se eu me inclinar para a direita, igualmente, ficarei completamente de acordo com o que foi dito ontem por Cavaco Silva.
E, pelo menos por agora, a questão é: haverá opinião para além da esquerda e direita? Haverá uma zona cinzenta para além do vermelho/rosa e azul/laranja? Ou simplesmente, não nos devemos deixar enganar por argumentos falaciosos e afirmemos de uma vez por todas que, tal como uma moeda com duas faces, este mundo é intrinsecamente maniqueísta. É ou não é, ser ou não ser, e ponto final.
Como já deveriam ter visto, estou a entrar num labirinto filosófico que não sei bem se terei embocadura para sair mais ou menos de cabeça erguida. Claro que vou tentar.
Eu costumo afirmar que sou liberal. E isso quer dizer o quê? Interroga você leitor. Bom, socorrendo-me um pouco da Wikipédia, diz lá que “Liberalismo é um sistema político-económico baseado na defesa da liberdade individual, nos campos económico, político, religioso e intelectual, contra as ingerências e atitudes coercitivas do poder estatal”. Depois diz mais umas coisas, que o liberalismo, na Época Moderna, ganhou relevância social através de John Lock –filósofo e ideólogo inglês que tal como Rousseau esteve na origem do Contrato Social- e Adam Smith, o pai da moderna economia. Mais à frente explicarei porque me afirmo liberal mas não intrinsecamente partidário do liberalismo.
Continuando, se eu me afirmo liberal, isto é, não estarei preso à divisão sumária de que obrigatoriamente serei carne ou peixe, como quem diz, de esquerda ou direita, mas, antes pelo contrário, comungo das duas ideologias e, sem pejo em afirmá-lo, digo que bebo nas duas fontes.
Continuando ainda, se sou liberal, isto é, se defendo a mínima intervenção do Estado sobre a Economia, por outro lado, pugno deste, enquanto agente regulador, um pulso forte, com mão dura, de modo a evitar a lei da selva e a provocar assimetrias. Ou seja, o “laissez-faire, laissez passez” só pode ser admissível enquanto movimento-motor de desenvolvimento assente na liberdade da iniciativa privada, desde que o Estado, enquanto árbitro interessado no progresso de todos os cidadãos e grupos económicos, pequeníssimos, médios e grandes, não perca a sua função de árbitro justo e equitativo. Se o Estado, se desonerar desta função –que é o que está acontecer na Europa e particularmente em Portugal- caímos então no Liberalismo. E então, interroga o leitor, mas o “Liberalismo” não é a classificação para todos os que se dizem liberais? Se calhar é, mas para mim não. Vou explicar melhor: os “ismos” são a deturpação completa de todo e qualquer movimento. O “ismo” é o absolutismo, o apagar de uma identidade individual assente na liberdade. É a ditadura vertical assente no comando do vértice da pirâmide. No pináculo do “V” está o sistema imperialista, em que, quem desempenha este poder tem benesses oligárquicas para toda a sua família política e quem está para baixo, passando pelo meio –a classe média burguesa-, está sujeito a regras de autoritarismo absoluto.
Agora, depois deste desabafo, vamos lá voltar ao discurso de Cavaco. Em princípio, dizendo-me eu liberal e proclamando este ontem, entre vários anúncios, “reduzir a presença excessiva do Estado na Economia”, “fazer uma gestão rigorosa e transparente das contas públicas”, e de “garantia de uma fiscalidade simples”, quererá dizer que gostei da proclamação do Chefe de Estado? Não, não gostei. Foi um conjunto de reivindicações demagógicas e manipuladoras e dirigidas a um povo sedento de notícias novas. Foi como se, de repente, o PR se transformasse no “pessimista de serviço” Medina Carreira. Ontem, na Assembleia da República, foi como se o PR, de repente, se transformasse no líder da manifestação da “geração à rasca”, do próximo sábado, na Avenida da Liberdade.
Porque há questões que, com honestidade, devemos colocar:
Aníbal Cavaco Silva foi empossado ontem pela primeira vez como Presidente da República? Veio directamente da sociedade civil e nunca teve responsabilidades políticas nas últimas décadas?
Temos a resposta na ponta da língua. O PR, ontem aclamado pela direita, nos últimos cinco anos foi o Presidente da República Portuguesa. Todos as leis substantivas da Assembleia da República e adjectivas do Governo foram promulgadas por si. Que se saiba, houve muitos vetos, mas a maioria foi toda promulgada. Não tinha conhecimento do estado do Estado? Mais ainda, não foi este Presidente da República o obreiro deste país desnivelado? Não foi este PR que esteve à frente do leme da Nação de 1985 a 1995, o período mais importante da história contemporânea portuguesa em termos de desenvolvimento e alicerces de uma nova sociedade? Não terá este PR muitas responsabilidades neste estado económico em que chegou o Estado, nomeadamente ao aceitar mandar abater a nossa frota de pesca e acabar com a agricultura, ao aceitar de ânimo leve as ordens da Comunidade Europeia? Perante o seu último mandato de primeiro ministro, de 1991/1995, em que tanto se queixou de Mário Soares, então Presidente da República, não teria Cavaco Silva obrigação –até pelo momento grave que as finanças públicas atravessam- de manifestar alguma solidariedade ao Governo? Com este discurso populista, poderá o PR garantir que quem virá a seguir fará melhor, sabendo nós que o PSD, em termos de maus exemplos é tão bom como o PS? Poderá um PR apelar aos jovens para que “façam ouvir a sua voz”, sabendo que a solução para a sua ocupação laboral reside neles, jovens, e não no Estado?
A única responsabilidade dos governos é informar os candidatos às Universidades nas possibilidades futuras de emprego e não garantir a sua empregabilidade.
O Estado não pode ser uma agência de emprego. Nunca foi, nem nunca será. Contrariamente ao que se espalha em ventos de hipocrisia, esta geração deveria estar muito agradecida. Em sentido ascendente, nenhuma estirpe geracional teve tantas ferramentas, traduzidas em oportunidades, como esta teve e tem, no sentido de que é intelectualmente esclarecida –ou pelo menos, se não é, deveria sê-lo. Haverá duvidas, tendo em conta o investimento feito nas últimas décadas pelos progenitores e pelo Estado, acerca de quem será devedor?
Vamos lá analisar as coisas com honestidade e frieza. Deixemo-nos de jogos políticos que só servem para enganar os nossos filhos.
3 comentários:
Excelente discurso, digno de ser recordado no futuro, mas não na pessoa de Cavaco Silva, a quem chamo "pai coveiro" do estado de Portugal, aquele discurso feito por ele não passa de uma palhaçada.
Falou bem, demonstrando ter conhecimento e uma visão realista do triste momento em que se encontra o nosso país. Pena é vir de um dos causadores desta situação. Pedir perdão não basta, mas o povo come muito queijo
Já se esqueceu de quando era primeiro menistro.
O dinheiro que entrou em Portugal nessa altura,para onde foi!onde está,onde está a dita formação desses anos.
É preciso ter cuidado a sua posse é daquelas como gato escondido com rabo de foramas enfim o pessoal anda a comer muito queijo
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