sábado, 27 de novembro de 2010

O ALHO VAI PARA O BRASIL




 Manuel Santana Alho viveu muitas e muitas décadas na Baixa. Na Rua Direita, por entre tintas, pincéis e relógios mecânicos, viu crescer as suas duas filhas. Por entre um intervalo de um verso, em reverso, de uma ilusão de vida, numa estrofe bem conseguida, “Manel”, como é carinhosamente conhecido no Centro Histórico, foi vendo passar a sombra dos dias. Santana, para além de ser um bom relojoeiro com aprendizagem na Casa Pia, é um homem cheio de sensibilidade. Ele trata as artes plásticas por tu; ele lavra as palavras tão bem quanto o agricultor apalpa a terra com as duas mãos; com o mesmo carinho semeia as frases e, em verso, faz estrofes de amor e ternura. Alho tem vários livros de poesia publicados.
Santana Alho é um grande artista. Nas telas expressa toda a impressionabilidade da sua alma em turbilhão, tanto quanto um criador é um marinheiro de águas revoltas num oceano de acasos. Quem o puxou para as lides plásticas foi Alberto Hébil, um outro grande pintor de Coimbra, já falecido há cerca de uma dúzia de anos –a propósito, quanto é que a autarquia lhe faz uma justa homenagem?
 Manuel Santana Alho se vivesse num outro qualquer país da Europa, pelo talento imanente que lhe é peculiar, seria um grande senhor das artes e reconhecido internacionalmente. Como é um homem simples, que sempre viveu até agora em Coimbra, uma cidade madrasta para os seus filhos, nunca passou de mais um grande artista entre os muitos bons que por cá passam e deixam a sua obra imortalizada em painéis de azulejos públicos ou nas muitas telas e aguarelas. A cidade, seguindo as pisadas do país, só dá valor ao que vem de fora. Só se pode entender isto num certo sentimento de "revanche", um distúrbio emocional, talvez expressando nos outros a mesma mediocridade que cada um de nós sente e transporta. É como se cada um pensasse “se eu não consigo ir além, porque razão haverás tu de conseguir?". Então a melhor forma de obstaculizar o sucesso de alguém é dizer mal dele ou ignorá-lo. Coimbra, neste tratamento, é uma cidade avançada neste costume e conhecimento cultural.
Há uns anos largos a vida familiar de “Manel” começou a correr mal. Não é querer tomar posição e apontar culpabilidades, mas estar casado com um criador não é fácil. Um artista é um ser diferente, para melhor, do que outro qualquer, mas, por vezes, a sua sensibilidade aliada a uma irracionalidade de anjo, o seu sonhar constante noite e dia, o estar sempre a pensar em fazer coisas novas, o ser nefelibata, o andar nas nuvens constantemente e o querer pegar no mundo com as duas mãos, nem sempre é entendido pela consorte. Estar casado com um artista é trazer sempre o coração nas mãos. Nunca se sabe o que vai sair daquela cabecinha pensadora.
Santana Alho divorciou-se há uns largos anos do seu primeiro amor e mãe das suas duas filhas. Há cerca de dois anos, através da Internet, “Manel” conheceu uma senhora do outro lado do Atlântico, em terras de Vera Cruz. Aprofundaram a amizade, desta saiu amor, deste redundou em paixão e, em resultado final, virou casamento há mais de uma ano. Até agora os dois apaixonados têm estado a viver por aqui, mas, “com o estado em que isto chegou, não podemos continuar cá. Isto não dá. A minha mulher tem lá casa. Vamo-nos embora na altura certa, antes que seja tarde. Tenho pena, acredita. Aqui, nesta cidade, fica a minha alma cortada em pedaços de saudade”, diz-me o Alho numa expressão facial dividida entre a emoção contida e a constatação de facto.
Em nome de uma cidade que te tratou menos bem, muito aquém do teu talento, “Manel” recebe um abraço apertado. Até um dia, Santana. Aqui, espero ouvir falar de ti. Que os teus poemas, que a tua pintura, agora do Brasil, atravessem toda a América Latina. Esse será o meu maior contentamento, meu amigo.


UM POUCO DA BIOGRAFIA DO MANUEL SANTANA ALHO



Santana Alho

Manuel Santana Alho nasceu a 10 de Outubro de 1947, no lugar da Portela, freguesia de Tentúgal, concelho de Montemor-o-Velho.
Desde criança desenha, escreve poesia e dedica todo o tempo que pode à leitura. Ultimamente escreve histórias de ficção, que aguardam a oportunidade de serem editadas.
Também o teatro o seduziu e, junto com alguns amigos, fundou o GCAP (Grupo Cénico Amador da Portela), do qual foi encenador.
A procura de mais saber levou a ler bons livros, desde o romance à poesia, da ficção aos culturais e técnicos. Foi nestes que descobriu as técnicas de pintura, que vieram despertar a sua vocação latente.
Reside em Coimbra desde 1971, onde e quando se começou a interessar pelo mundo das Artes. Após várias experiências bem sucedidas, abraçou a pintura como parte importante da sua vida.
É associado e foi Director do MAC (Movimento Artístico de Coimbra).
Expõe regularmente desde 1991, contando com mais de 150 exposições, entre elas, 36 individuais.
Está representado em várias colecções particulares no país e no estrangeiro (França, Brasil, entre outros).

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