quarta-feira, 24 de novembro de 2010

"ENCHER PNEUS NO METRO LIGEIRO", UM TEXTO DE CASIMIRO SIMÕES

(FOTO DO BLOGUE SEXO & A CIDADE)



Tragam à mente prodigiosa um autocarro esguio, a andar cá e lá no canal que durante 103 anos funcionou como linha ferroviária entre Lousã e Coimbra B. “Ele vem aí!”, lê-se nalguma imprensa, páginas formatadas na complacência acrítica, sem gosto, sem alma nem rigor.
Imaginem autarcas e outros políticos conhecidos à espera do fantasmagórico veículo calçado de borracha no dia da viagem inaugural. Antes do 25 de Abril, já chegavam da sede do distrito vozes agoirentas em letra de jornal proclamando os mais irresponsáveis destinos para o Ramal da Lousã. Transformar a ferrovia numa estrada para carros, carrinhas e carretas!
E não é que – segundo o demissionário presidente da pré-defunta Metro Mondego, Álvaro Maia Seco – há agora no Estado quem, fazendo tábua rasa do Estado de Direito, ignorando contratos e dispensando quaisquer estudos, queira mesmo colocar uma camioneta na linha em vez do metro, esse ímpar embuste que, também ele, veio do século passado (nas asas da demagogia sem castigo!) com a expressa vontade de matar para sempre o velho comboio da modernidade?
Ei-lo nas suas rodas de pneu silenciosas, apitando nas curvas para espantar galinhas que cacarejam, bois que partem a canga na lavoura primaveril e logo se atravessam no asfalto rodo-ferroviário para morrer! Vejam como é belo o autocarro da crise, atropelando veados da serra da Lousã nos túneis entre Miranda e Ceira, ainda negros do carvão fumegante dos derradeiros anos da Monarquia. Ei-lo em equilíbrio na ponte da Portela, afugentando gaivotas esfaimadas que alvejam nas chulipas!
Então Fernando Carvalho, oito anos na administração da Metro Mondego, não iria esperar o metro em Serpins em 2010 (este ano, acreditem!), longe da Câmara da Lousã, à qual jurava não se recandidatar em 2009? A Metro Mondego será extinta com a previsível aprovação na especialidade do Orçamento de Estado para 2011. Não deixa saudades, nem simpatia entre as populações. Vale um referendo?
Com ironia, um amigo recomendou-me que revisse um vídeo que o Diário As Beiras divulgou sobre o levantamento dos carris em Serpins. A cortar a fita, em dezembro de 2009, lá estão os autarcas Fernando Carvalho, do PS, e a vizinha de Miranda Fátima Ramos, do PSD, ambos no último mandato autárquico, economistas aptos a antever, não duvidamos, as perigosas curvas da ciência económica que domina hoje, mais do que nunca, a existência coletiva dos portugueses.
Carlos Encarnação, presidente da Câmara de Coimbra, não comparece ao enterro, talvez por não poder, mas também nenhum governante avaliza com a sua presença o toque a finados que ainda faz sorrir o homólogo da Lousã, pelo menos no vídeo.
O economista Carvalho, falando como líder concelhio, congratula-se com o arranque dos trabalhos e dos carris: “Finalmente!”. E a economista Ramos, da Câmara de Miranda do Corvo, está “bastante satisfeita”, embora com “receio” do futuro.
Quando era governador, também Horácio Antunes, hoje deputado, anunciou que em 2004 o metro iria transportar adeptos para o Europeu de Futebol no Calhabé!
Milhões de euros foram já aplicados nas obras em curso no Ramal da Lousã. Asfalto por cima de tudo, para talvez passar um autocarro, só no Reino-do-faz-de-conta. Não se admite na República-que-se-faz-de-contas.
Casimiro Simões

(Jornal “Trevim”, Lousã, 18 de novembro de 2010)

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