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“A toda a parte chegam os vampiros. Poisam nos prédios, poisam nas calçadas. Trazem no ventre despojos antigos, mas nada os prende às vidas acabadas” –é assim a estrofe de Zeca Afonso.
Se, em analogia, entendermos, nos anos de 1990, a invasão do grande comércio e o quanto significou para o desaparecimento dos pequenos estabelecimentos, facilmente poderemos, em metáfora, entender esta razia como uma horda de lobos que desceu ao povoado e, na sua passagem, comeram tudo. Nas aldeias e vilas, a pequena mercearia e taberna eram a ágora, a praça pública, o fórum onde se convivia e, muitas vezes, se discutiam grandes temas relativos ao futuro. Tais como os vampiros de Zeca, “pela noite calada, vem em bandos com pés de veludo chupar o sangue fresco da manada”, sugaram tudo. Instalaram-se na vila maior em redor da aldeia e, com os seus preços, muitas vezes abaixo de custo, obrigaram o senhor António –Manuel, Joaquim, João- a encerrar o seu estabelecimento carregado de memória e a povoação, sem esta catedral de convivência, ficou mais vazia e sem brilho, como se tivesse perdido a alma.
Na vila ou cidade onde estes lobos se instalaram criaram novas centralidades e desviaram os residentes de outras zonas para junto de si e, tal como a aldeia, o coração das urbes, outrora palpitante, ficou sem vida. Como eucaliptos, secaram tudo à sua volta. Então, progressivamente, assistimos aos centros das aldeias, vilas e cidades, todos a ficarem desertificados.
Hoje, passados vinte anos, começamos a assistir à debandada geral “destes chupadores do sangue da manada” e ao abandono das presas fáceis de outro tempo. Como o que restam são carcaças, que já não dão para os custos de funcionamento, paulatinamente, nos próximos tempos, iremos assistir à sua partida. O encerramento do Intermarché no Bombarral dá para ver que o levantar ferro de mares que já não dão para a despesa da faina começa a ser o pão-nosso de cada dia. Claro que esta debandada não teve início só agora. Lembro, por exemplo, na Lousã o encerramento de médias superfícies já começou há mais tempo. E agora, o que vai acontecer daqui para a frente? Será a pergunta mais recorrente. Sem dúvida que o comércio sempre foi uma actividade de fácil adaptação. Isto é, onde houver necessidades, haverá produtos e um comerciante a satisfazer essa lacuna. Porém, se olharmos ao estado actual deste sector facilmente verificaremos que não será fácil de preencher os lugares vagos deixados por outros que, tantos forçados para não perderem tudo, abandonaram a profissão de décadas. Hoje, sobretudo para os jovens, a actividade comercial não é convidativa para ninguém, é uma laboração de alto risco que não oferece a justa retribuição.
Provavelmente, numa terceira vaga, por incapacidade dos nacionais, iremos assistir a uma outra grande invasão de comércio chinês. Já o escrevi aqui, nada tenho contra este povo trabalhador enquanto membros da diáspora, tal como nós fomos e continuamos a ser, mas, se já caímos no logro da segunda vaga –invasão dos hípers-, talvez fosse altura de Bruxelas –porque as medidas terão de emanar do parlamento europeu- começar a fazer contas à vida e dizer o que quer fazer dos milhões de desempregados que grassam na Comunidade Europeia. Continuar a bater na tecla da globalização, como se todos os entes económicos estivessem em equilíbrio de forças quanto ao custo do trabalho, é querem fazer discurso para peixe ouvir.
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