segunda-feira, 15 de novembro de 2010

EDITORIAL: O RISCO DE TER OPINIÃO

(IMAGEM DA WEB)



 Hoje o Diário de Coimbra, em título de primeira página, escreve: “Emídio Rangel será julgado por difamação de professores”.
Naturalmente que não me irei debruçar sobre o caso de “per si”. Primeiro porque não devo, segundo, porque não tenho competência para o fazer. Não sou jurista, sou simplesmente um “opinion maker” –creio que até nesta classificação, já estou a exagerar, sou, simplesmente, um “fala-barato” que debita umas postas de pescada-, que vai lendo o que se passa à nossa volta e vai formando opinião.
Peguei no caso de Emídio Rangel porque, para mim, que não percebo nada de direito, parece-me que, com todo o respeito à defesa de cada um defender a sua honra violada segundo a sua subjectividade, há hoje em dia um manifesto exagero na recorrência aos tribunais alegando difamação. E alguma coisa terá de ser feito com urgência, caso contrário, corre-se o risco de cairmos numa sociedade acrítica, amorfa e sem opinião.
Sabe-se que, neste caso de uma opinião difundida por um jornalista, credenciado ou não, através de um órgão de comunicação social e denunciada por uma, duas, ou uma classe profissional, estarão sempre dois valores em presença e em equilíbrio precário: o direito à salvaguarda da honra e o direito de opinião. E qual deles o mais importante? Pois, aqui começa o problema em hierarquizá-los. Mas, mesmo para quem não é jurista ou advogado, desde que a alegada difamação não atinja um grau de ofensa perceptível a olho nu –isto é, desde que não seja intencional, particularizando e invectivando as entranhas da individualidade, e não atinja o tal núcleo daquilo que comummente se classifica de honra, é fácil de inclinar o prato da balança para o lado do direito à opinião.
Antes de prosseguir, gostava de citar o dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora. Segundo este glossário, “honra” é um conjunto de qualidades morais entre as quais se salientam a honestidade e a rectidão; sentimento de dignidade; boa reputação”.
Só por aqui, penso, já dá para chegar onde quero. E começo por interrogar se o valor “honra”, hoje, terá o mesmo peso de há 30 anos, quando bastava a palavra dada para dar por concluído um negócio.
Continuo a interrogar, com alguma especulação à mistura, se o valor “dignidade”, hoje, terá a mesma gravidade de há décadas atrás, quando por causa da dignidade ferida se faziam duelos; interrogo se o valor “reputação” terá o mesmo ónus de há cinquenta ou quarenta anos atrás?
O que quero dizer com isto é que se os valores são dinâmicos, isto é, vão acompanhando a cultura do tempo, por qual a razão de o direito não o ser? Já sabemos todos que, naturalmente, este, anda sempre a passo de caracol atrás dos costumes e da “praxis”. Mas, neste caso, dando origem a conflitos de “lana caprina”, pequenos incidentes processuais, sem mérito relevante, sem nos apercebermos, estamos a enredar-nos numa teia que, a curto prazo, destrói a eficácia da justiça. Ou seja, em vez de o direito se preocupar com questões relevantes, de interesse nitidamente público, constatamos que, nos interstícios do seu âmago, a discutir o sexo dos anjos, está a esbanjar recursos e a destruir a sua idoneidade.
A nossa colectividade actual está dividida entre a litigância e a censura. Está transformada numa sociedade litigante porque, amparada por um Estado patriarca, centralizador, que, através da criação de leis a metro tenta controlar tudo, incluindo a vida privada. Por este múnus não se consegue emancipar deste super protectorado. A consequência deste “continuum” é um Estado forte, tipo “big-brother”, controleiro, e um cidadão fraco, inseguro com medo da própria sombra, dependente, que não consegue resolver o mais pequeno problema a não ser na justiça.
Em nome da censura confunde tudo o que deve e o que não deve.
É evidente também, a meu ver, que este caso, por parte dos ofendidos, contra Emídio Rangel, se toca todos os extremos que enunciei, está também parcialmente enfermo de vício político. Emídio Rangel, goste-se ou não dele, da sua forma de ser truculento, é um grande jornalista. Quanto a mim, nesta questão da alegada ofensa sentida individualmente pelos professores e colectivamente pela Fenprof, há aqui uma certa mensagem política de “querer calar o mensageiro”, por este jornalista, em debates televisivos defender acerrimamente o Partido Socialista e o governo. Pelo menos é a minha leitura.
Não quero pensar, e não devo, que o Ministério Público, alegadamente, em defesa da honra ferida dos visados, se deixe embrulhar num imbróglio de areias movediças cujo final, como, felizmente acontece muito e se deseja –pelo menos para quem escreve-, será a absolvição do arguido.
E como é que isto se poderia resolver, de modo a não beliscar o direito de opinião e arrastar durante meses um arguido pronunciado com uma medida de coação algo discutível chamada de “termo de identidade e residência. Muito simples. Já o escrevi aqui, é preciso criar um crivo institucional, de modo a evitar estas perdas de tempo e recursos. No limite, criar pequenos tribunais para resolver estas questiúnculas em 48 horas. Tendo em atenção o estado saturado dos tribunais, não se pode nem deve continuar “ad eternun” a discutir se o futuro bebé deve ser menino ou menina.
Um dos problemas maiores da justiça em Portugal é os falsos complexos que lhe advém do Estado Novo. Por um lado, sem se importar minimamente e mandando às malvas o preceito, atentando claramente contra o princípio da liberdade é capaz de aceitar denúncias anónimas e até criar um site na Internet. Por outro, com o anátema de se violar o constitucional direito de acesso à justiça, aceitando todas as participações minimalistas, acaba por ferir de morte o princípio do direito à liberdade de expressão e opinião.
Alguém entende estes critérios seguidos? Eu não!

1 comentário:

Jorge Neves disse...

"Prefiro que caluniem o meu silêncio a que caluniem as minhas palavras." (Nicolas Chamfort)