terça-feira, 9 de novembro de 2010

CASA PIA: UM ERRO JUDICIÁRIO?

(IMAGEM DA WEB)



 É hoje capa dos jornais que o julgamento de Carlos Cruz, condenado em primeira instância no processo Casa Pia pode vir a ser anulado. A mim, sinceramente, não me surpreende. Já o tinha escrito aqui há cerca de dois meses.
 Tal como noutros países da Europa, tanto por parte da sociedade, como por parte do sistema judicial, há uma espécie de necessidade de se redimirem -talvez sobre a passividade de séculos-, uma carência de expurgar a culpa. E para isso, quando se trata de lavar a alma, pouco importam os atropelos que são cometidos em nome dessa “purificação”. A história contemporânea e Universal estão prenhas destes exemplos.
 Então, seguindo esta linha de pensamento, quer a colectividade, quer o edifício jurídico, partem para estes julgamentos já com um apriorismo endémico. Para este universo dividido, mas unido nos mesmos interesses, mesmo antes de começar o julgamento, todos os indiciados, já eram culpados. Claro que para esta (in)consciência colectiva a imprensa terá muitas culpas no cartório. E não vou aqui escrever cobras e lagartos contra o quarto poder. A informação escrita e falada hoje, nesta contemporaneidade, ocupa um lugar de destaque. Sem ela, estaríamos muito pior. Não tenho dúvida. Porém, como se sabe, todo o poder tem tendência para a arbitrariedade e o exagero. E é nesta compreensão ou constatação que teremos de analisar os desmandos continuados dos “media” sobre o caso mais importante de pedofilia em Portugal.
Há também duas intenções a ter em conta. A sociedade, a fazer lembrar os coliseus romanos, quer espectáculo a todo o custo. Pouco lhe importa quem vai ser crucificado, e muito menos se há injustiça na condenação. O que interessa a este “populis” é que alguns lobos ou cordeiros sejam sacrificados em nome de uma justiça que ninguém entende e muito menos sabe o que é. Até à hora de os condenados entrarem na arena, ninguém se preocupou com as violações da ordem pública. Perante casos visíveis na vizinhança, todos assobiaram para o lado, ou então, na tal frase redundante, exclamaram: “entre marido e mulher ninguém mete colher”. Quando rebenta a bomba e são mostrados os “troféus” pelo sistema então é ver, em apoteose, a turba com paus na mão pronta a arrear nos agora malditos caídos em desgraça. Até aí, mesmo sabendo das vicissitudes, foram sempre respeitados por todos com vénias e comendas de confraria.
Outra intenção a ter em conta, por parte do sistema judicial, é a necessidade de apresentar trabalho e circo a qualquer preço aos ignorantes, nem que para isso, se cometam ilegalidades e absurdos erros judiciários. Por muito que a Revolução Francesa tentasse emancipar os três poderes, Legislativo, Judicial e Executivo, a verdade é que na prática, os três, sempre comeram à mesma mesa. E, sendo assim, o poder Executivo sempre precisou da justiça espectáculo para entreter as hostes nas suas ânsias mais primárias. A execução de um condenado a pena de morte, mostrada ao público –lembremo-nos de Sadam- nada mais pretende do que preencher um espaço vazio de vingança que existe dentro de cada um de nós. É a selvajaria praticada em forma de lei, ao arrepio dos mais elementares princípios devidos pelo respeito à vida humana.
Voltando ao julgamento de Carlos Cruz, que, provavelmente terá de ser repetido, talvez fosse uma ocasião para todos pensarmos o quanto podemos ser injustos, em nome de uma justiça que idealizamos mas que nunca se cruza connosco, sem ter em conta, como dizia Carlos Cruz há tempos na televisão, que um dia poderá ser um de nós a pisar a arena deste coliseu.

1 comentário:

Jorge Neves disse...

Como já o afirmei varias vezes, daqui a alguns anos quando este processo chegar ao fim, as vitimas dos abusos sexuais é que ainda vão ser os culpados.