São 22 horas deste Sábado último, a bonita Praça do Comércio, com largas dezenas de cadeiras plásticas brancas sobre o chão lajeado estão praticamente todas ocupadas. Aos poucos, como uma lagoa de confluência de vários afluentes, as pessoas vão chegando e permanecem em expectativa. E o motivo é mais que apelativo para contornar a paciência em espera: é que vão actuar a Cátia de Montemor, com a sua jazz band, onde estão incluídos um extraordinário quarteto de saxofones, e os Dixie Gringos, uma formidável banda de Jazz, de Taveiro, onde se misturam a música norte-americana com a sátira e a graça popular.
Sem passar muitos minutos da hora marcada, como habitualmente –que nestas coisas nunca falha-, ainda a arfar de uma longa viagem de férias vindo do Brasil, mais queimado do Sol que o João Bonifácio de São Tomé, pegando com as duas mãos no micro, o Carlos Clemente, presidente da Junta de São Bartolomeu, começa o discurso institucional: “a Baixa está bem e recomenda-se. É um gosto ver esta belíssima praça com tanta gente. A junta de freguesia de São Bartolomeu aposta nos melhores. Meus senhores e minhas senhoras, convosco, acompanhada por um quarteto de grande categoria, a voz e a presença excepcional de Cátia de Montemor”.
A rapariga, apesar de algum natural nervosismo na apresentação dos temas, depois de entrar na primeira nota, cantou e encantou. O quarteto de saxofones dos “Sopros de Coimbra” também não deixou créditos por mãos alheias. Sobretudo na interpretação do tema “Verdes Anos”.
Entretanto a velha praça, agora, estava realmente cheia, com largas centenas de pessoas. Lá em cima, no balcão gradeado, paralelo ao edifício Chiado, o Orlando, da Sé Velha, não perdia pitada do que se passava em baixo. Ao lado, apertada quase como sardinha em lata, a menina Francelina, que mora ali na Rua Visconde da Luz, num quinto andar sem elevador, e só abandona o seu refúgio por motivos de redobrado interesse, até porque as suas pernas já não a deixam embarcar em todas as aventuras. Com um batom ruge nos lábios e um pó de arroz rosado na face –não fosse, por ali, aparecer o tal, o homem, o mais desejado, nas longas noites da sua vida-, a menina está ali para as curvas: assim apareça o almejado. Agora, que o tempo se tornou mais importante, e, pelos seus setenta e picos anos, em paradoxo, a noite passou a ser mais curta e o sonhar muito mais raro. Mesmo assim, apesar do tempo de duração, do prazo de validade, estar a encurtar a olhos vistos, Francelina, nunca deixou de acreditar. Todos os Sábados, à tarde, na homilia da igreja de São Bartolomeu e ao Domingo na românica de Santa Cruz, nunca deixou de lembrar o Senhor: “bem sei que homens bons são cada vez menos, eu entendo, meu Deus, mas que diabo –sem ofensa!- vais-me deixar morrer virgem? Ao menos arranja-me lá um! Eu até já nem sou tão exigente como era antigamente. Bem sei das tuas dificuldades, Senhor! Alguns vão para o teu serviço como presbíteros, outros, a grande maioria, são casados, outros mais, agora, como moda, só querem o mesmo sexo…ora, convenhamos, o que é que fica? Para mim nada! Só as crianças! Mas, Senhor, na tua omnipotência, não entendas isto como corrupção, mas se preciso for, até frequento mais umas “missinhas”, não me deixes é assim nesta angústia. Arranja-me lá qualquer coisinha. Não quero é nenhum bêbado nem drogado…ah!, e também tem de gostar de mulheres…”. E no meio de tantos pensamentos em profusão, a menina Francelina batia palmas fervorosamente à actuação de Cátia Montemor.
Mais uma vez o Clemente subiu ao palco, “meus amigos, não há palavras para esta moldura humana. Nunca se viu tanta gente assim. Provavelmente, parecido, só mesmo na procissão da Rainha Santa!”. E o povo, em delírio festivo, bateu palmas até quase acordar o São Bartolomeu que, lá mais atrás, dormia a sono solto.
“E agora, os maiores, os imponentes, os “Dixie Gringos”, prosseguiu na apresentação o presidente da junta de São Bartolomeu, e mais um a saraivada de palmadas a bater na mão contrária.
O sexteto instrumental, metendo pelo meio umas larachas à Baixa e ao comércio tradicional, agarrou bem o público presente na Praça do Comércio. Até o Adelino Paixão, um dos últimos ícones vivos da cidade, sem tirar olhos e metendo os ouvidos de prevenção, não perdia um segundo de atenção. A sua companheira, Júlia Madeira, senhora devota de boa música, num momento de rara emoção, entregou uma rosa aos músicos em agradecimento.
Viam-se vários turistas a dançar. Até a Idalina, que trabalha ali na avenida, meteu folga para ver os “Dixie” e, numa performance apurada, ali, sobre as pedras centenárias de calcário, como imbuída pelo demónio, como se estivesse a calcar aqueles que se servem dela para curarem as frustrações em casa, batia nas pedras do chão melodiosamente…
2 comentários:
Gostem ou não gostem a Junta Freguesia é um exemplo para dar vida à Baixa, este ano até os criticos destrutivos vão ter de se render
Concordo com o que escreve Jorge Neves.
Gostem ou não Gostem, esta Junta de Freguesia está de Parabéns.
Alguém escreveu nesta espaço interessante para a Cidade de Coimbra e em particular para a Baixa, que o Presidente da Junta era "Narcisista". Desculpem aí têm a resposta.
Digam lá, quantas Juntas de Freguesia, realizam eventos durante todo o ano?
Aposta da Junta de Freguesia ganha.
Disse o Sr. Presidente que dia 3 de Setembro, haveria Baile á Portuguesa na Praça do Comércio.
Lá estarei com a minha familia.
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