(IMAGEM DA WEB)
Comecei a escrever para o Diário de Coimbra, em carta ao leitor, logo a seguir ao 25 de Abril. Depois, salvo erro em 1993, quando nasceu “As Beiras”, ainda como semanário, praticamente escrevia todas as semanas –hoje, quando vou consultar textos desse tempo, farto-me de rir do meu arrojo: os erros são tantos, e as vírgulas, como anjos serafins, parecem bailar na crónica ao sabor do vento. É que, contrariamente ao que se possa pensar, a minha forma de escrever é empírica. Isto é, sou como um agricultor que progressivamente, através do hábito, foi aprendendo a consultar a lua para saber quando seria a melhor altura para semear o feijão. Assim, igualmente, à medida que ia escrevendo e lendo fui aprendendo. Sempre gostei muito de escrever, mas, por necessidade, mal acabei a então escola primária, comecei a trabalhar com ainda 10 anos.
Se os meus pais não tinham possibilidades financeiras para me colocar a estudar, muito menos eu teria acesso a um qualquer livro de literatura. Desde que comecei a trabalhar até aos 14 anos –idade com que entrei para o ensino nocturno da Escola Técnica de Jaime Cortesão, em Coimbra- os meus livros de cultura geral foram de banda desenhada. Lia tudo, desde os “Patinhas”, passando pelo “Falcão”, “Mundo de aventuras”, “Condor”, “Sandor”, “Aventuras do FBI”, etc., até aos pequenos “6 Balas”. Por volta do fim da década de 1960, uma grande maioria destes livros eram adquiridos usados, na tabacaria Sereia, na Rua Almeida Azevedo. “À borliú”, os outros livros, lia no quiosque do senhor Machado e da dona Teresa, na Praça da República. Eu e outros miúdos, sem dinheiro para os comprar, num gesto sem precedentes, este simpático casal, deixava-nos ler encostados ao velho quiosque da praça.
Aos 14 anos fui estudar então de noite para a Escola Sidónio Pais. Andei lá até aos 20 anos, e conclui o curso de Aperfeiçoamento Comercial. Equivalente hoje, de grosso modo, a um 9º ano. Em 1999 concorri ao exame “ad hoc”e entrei na Universidade.
Como o bichinho de escrever estava cá dentro, olhando para trás, vejo que foram os jornais que mantiveram e até ampliaram esta minha chama viva. O meu relacionamento com os diários foi sempre uma relação subalterna e a cair no conflito. Umas vezes publicavam as cartas outras ocasiões não. Quando não editavam os meus desabafos, tantas vezes disse para mim que nunca mais escreveria nada para lá. Ficava burro pelo facto de não publicarem e não darem sequer uma explicação. Era como se, implicitamente, dessem a parecer que, ao darem à estampa as cartas dos leitores, estavam a prestar um favor. Acontece que não é assim. Um leitor que escreve para um jornal, para além de participar na vida do periódico, é um interessado na vida política de tudo o que o rodeia. Não é igual a um outro qualquer comprador diário da gazeta. Quer intervir na participação política da polis. E este sentimento, salvo excepções, que quem está à frente destes meios de informação não entende. É como se olhassem para estes escritores de ocasião com desconfiança. A mesma suspeição com que se olha para o cigano acompanhado do burro, isto em aforismo, obviamente.
Quem escreve por gosto, intrinsecamente, precisa de ver os seus trabalhos publicados. É mais forte que o próprio escriba. É como se esse ver o Sol, entre o saltar da gaveta e ser lido, fosse a razão da sua existência. Nenhuma pessoa se poderá considerar escritor se arruma na gaveta os seus desabafos e não sentir aquela força que lhe mina a alma, assente na necessidade de ser lido, para trazer à luz do dia a expressão materializada do seu pensamento. Quem assim procede jamais será escritor, seja pequeno, médio ou grande.
Continuando, apesar de volta e meia não me publicarem textos o vício mordia, passava um tempo e, inevitavelmente, lá escrevia eu outra vez. Umas vezes barafustava em carta ao director, outras vezes ignorava. Em reciprocidade, para mal dos meus pecados, eles também sempre me estranharam –lembro-me de um percurso curto, no inicio do semanário “Beiras”, era o chefe de redacção o Diamantino Cabanas, em que senti que era estimado, talvez pela forma de participação continuada a escrever para o jornal. A partir daí, por parte dos jornais da cidade, senti sempre, mas sempre, uma distância enorme, um quase desprezo. Senti sempre uma hierarquia igual entre o tio rico e o afilhado pobre. Continuei à “porra e à massa” com as vírgulas e o ponto final.
Há três anos, estava a passar um período difícil, precisava de escrever todos os dias para exaurir as nuvens negras que galopavam a minha alma. Inscrevi-me num site da Internet e comecei a escrever. Uma mulher, uma grande mulher que já não está entre nós, reparando nos meus escritos, mandou-me uma mensagem simples mas importante: “nunca pares de escrever. Plasmas a alma nos teus textos. Deverias criar um blogue e lá descarregares tudo. Essa seria a tua gaveta interactiva, que partilharias com os teus leitores”.
Como eu não percebia nada de criação de blogues, veio de Castelo Branco, de propósito, à minha loja conceber o “sítio” e ensinar-me a postar textos. Infelizmente, esta minha orientadora, passado um ano, morreu.
A partir do momento em que adquiri este “cavalo” nunca mais deixei de o cavalgar. Como o escrever é como o andar de bicicleta, quando mais pedalava a escrever, menos pontapés na gramática dava e, com mais segurança, deixava de pontapear as vírgulas e a fazer a cama ao ponto final. Claro que não quero dizer que ainda hoje não dê erros. Continuo a aprender.
Escrevo por gosto, é um vício que se colou a mim de forma viciante, passando a redundância. Procuro ser pró-activo no que escrevo, isto é, empregar este “talento” –se posso expressar-me assim- em causas nobres e que levem ao desenvolvimento social e à inter-ajuda de quem me rodeia e, por motivos vários, não o pode fazer.
Posso quase dizer que não preciso de escrever para os jornais –pelo menos naquele sentido de que necessito de sentir que alguém leia o que escrevo-, mas, só quase. O escrever para um diário, o ver a assinatura no fim do texto, ou a foto em cima, é como sentir um clímax com a mulher que se ama. É o pegar ao colo num filho pela primeira vez e sentir que ali está a continuação da existência, mesmo para além da nossa própria vida. É o Camões na expressão “e aqueles que por obras valorosas se vão da lei da morte libertando”.
É isto que os directores de jornais não sentem quando tratam com alguma displicência e até menosprezo quem envia os seus textos para serem publicados. Não publicar uma carta de alguém é como estar a tapar-lhe a boca e não lhe dar a única oportunidade que esse leitor sente em estar vivo e poder usar a prerrogativa de liberdade. Aquela liberdade de que tanto se fala, mas que só alguns a podem expressar num pequeno texto de jornal.
3 comentários:
Este seu paragrafo amigo Luis, diz tudo, tudo mesmo. Não dão voz a uns, mas de seguida dão a outros para falar desses mesmos"uns", mesmo quando se fala ou melhor escreve erradamente, mas pior que isso,é quando esses "outros" reconhecem que erraram, enviam pedidos de desculpas para esses jornais, que por sua vez não o publicam, pois esses "uns" não são figuras publicas cá da nossa praça.
"É isto que os directores de jornais não sentem quando tratam com alguma displicência e até menosprezo quem envia os seus textos para serem publicados. Não publicar uma carta de alguém é como estar a tapar-lhe a boca e não lhe dar a única oportunidade que esse leitor sente em estar vivo e poder usar a prerrogativa de liberdade. Aquela liberdade de que tanto se fala, mas que só alguns a podem expressar num pequeno texto de jornal.
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Mas o importante é dar voz, corpo e alma a esses muitos "uns", e nisso o amigo Luis e eu vamos nos deliciando para não dizer incomodando muita gente.
Viva o amigo Luis e viva EU , tambem o amigo Marco e o Clemente á sua boa maneira.
Obrigado, Jorge. Bem sei que o amigo entende, porque sente na pele, o que expresso no texto.
Um grande abraço.
Luís,só me apetece dizer uma coisa:gostei!
Obrigado por partilhar estas «coisas» connosco,li o texto com prazer e revi-me em alguns pontos.
Força e continue a oferecer-nos estas pérolas.Obrigado ao Jorge pela menção,mas ele sim é um lutador.Apesar de estar em desacordo nalgumas ideias,reconheço-lhe uma grande vontade de contribuir para o bem de todos.E tem,igualmente,a qualidade de tentar manifestar as suas opiniões da melhor maneira e utilizar todos os meios possiveis para as divulgar.
Isto parece uma troca de galhardetes,mas o engraçado é que não conheço nenhum dos dois pessoalmente,ou seja,tem muito mais valor a minha opinião.Acho eu!
Abraço,Marco
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