sábado, 3 de julho de 2010

UM NOVO PREGOEIRO NA BAIXINHA






É a popular. Vai andar à roda! Quem quer o cinquenta e nove?”, o grito estridente, tão característico do pregão popular, ecoava hoje pelas ruas estreitas do Centro Histórico, onde o Sol, meio envergonhado, parecia ter medo de avançar e beijar o chão. Um casal ainda novo parou estático. Ela atirou com o seguinte comentário: “olha, mais um… já cá havia poucos malucos!”.
O homem, indiferente aos comentários jocosos, continua a querer entregar a outros uma sorte que não lhe calhou na rifa. É o Eduardo Martins Moreira.
Então, Eduardo, conte-me lá como é que entrou nesta nova profissão, sabendo eu que na Baixa existem apenas três cauteleiros –consigo quatro- e, infelizmente, é um mister que está em vias de desaparecimento? Interroguei. “Olhe, eu sou um bom electricista e canalizador, mas não tenho trabalho… e às vezes, no pouco que aparecia, não me pagavam. Ora eu tenho de trabalhar… você sabe como é… a nossa geração não pode estar sem fazer nada. É ou não é?! Então lembrei-me –eu já ia à Casa  Campeão buscar jogo para um amigo meu-: e se eu começasse a vender lotarias? É certo que dá pouco… mas sempre é melhor do que estar à espera sentado à sombra da bananeira… é ou não é?”, respondeu-me o Eduardo com grande certeza de que está a fazer o que deve –e quem faz o que deve, faz o que pode, enfatizava o nosso Miguel Torga.
Continuo curioso e interrogo o Martins, acerca de como estão a reagir as pessoas aos seus bem vincados pregões, tão saudosos e gravados a fogo no inconsciente dos mais velhos. “Olhe, a maioria gosta, até acham piada. Mas, claro, há sempre quem me considere mais um atrasado que anda por aí a chatear quem passa. Felizmente, embora só tivesse começado a semana passada, estou a vender bem. Isto é giro, e estou a divertir-me”. Retorque o Eduardo.
Ainda bem, digo eu. As cidades são aglomerados de gentes, de várias cores, credos e formas de pensar diferenciadas. Para além disso, nesta panela de pressão existencial, há cheiros, sabores e ruídos que, muitas vezes sendo considerados invasores de uma certa quietude, impede que tudo seja demasiadamente rotineiro e formalista.
Felicidades ao Eduardo Martins. Oxalá tenha sucesso. Assim espero –não esqueça que somos nós todos, ainda que individualmente, que detemos, através da acção de compra, a decisão da sua permanência futura. Ganhará ele, mas sobretudo a cidade ficará mais enriquecida.

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