sexta-feira, 23 de julho de 2010

A ÚLTIMA VIAGEM DO PITROLINO


(IMAGEM DA WEB)







 Certamente poucos se lembrarão do “Pitrolino”. Era um simpático vendedor que, com a carroça puxada por um burro, percorria as aldeias em redor da cidade, fazendo-se anunciar por uma estridente corneta. Poderia ou não ter um estabelecimento de porta aberta. Aqui na Baixa, por volta dos anos de 1960/70, existiu um no Largo do Romal. "Era o senhor Afonso "Carvoeiro", homem de muito trabalho, sempre com as mãos e cara encardidas e pretas do carvão. Homem com H grande. Era miúdo mas lembro-me muito bem dele e da esposa. Tinha mais duas qualidades, para além de trabalhador e sério: era adepto do C. F. União de Coimbra e do Benfica." -contribuição de Marco Pinto.
Normalmente estas lojas, sempre muito sujas e decrépitas, eram drogaria, vendiam carvão e sabão. Dos mais velhos, quem não se lembra "do “sabão azul (macaco) e do amarelo (amêndoa), ambos em barras. O azul era para a roupa e o segundo era para o chão, geralmente em madeira. (…) O homem cortava as barras depois de medir as quantidades com uma fita ou um pau. Além dos sabões vendia outros detergentes e petróleo, benzovaque (para as nódoas da roupa), álcool para assar chouriços, cera ao peso em papel vegetal e caixas de fósforos muito grandes”, retirado do blogue “Mercado de Bem-Fica”.
Com o desenvolvimento social e a evolução do comércio, progressivamente, foram desaparecendo. O último “pitrolino”que conheci, o senhor Amadeu, que se fazia acompanhar da esposa nos giros pelas aldeias, foi por volta de finais da década de 1970, morávamos então, porta-com-porta, na Rua do Clube, em Santa Clara, aqui na cidade. Embora já se fizesse transportar numa carrinha automóvel, perante os novos costumes, que se transformavam a toda a velocidade, acabou por ter de encerrar a actividade.
 Peguei neste modelo de profissão desaparecida para me servir de introdução ao que vou desenvolver acerca do comércio tradicional.
 Como todos sabemos, ontem, Quinta-feira, o Conselho de Ministros aprovou o alargamento do horário das grandes superfícies (mais de dois mil metros quadrados) ao Domingo, passando estas grandes áreas a poder funcionar todos os dias das 6 às 24 horas, embora, depois da promulgação da portaria governamental, cabendo às câmaras municipais afixar eventuais reduções de horário que se justifique.
Desde a ACOP, Associação de Consumidores de Portugal, passando por pequenas associações locais, até à Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, todos reclamam contra a medida governamental.
 Como não quero ser igual, ou seja, malhar no ferro que já está frio há muito tempo, carpir mágoas de lágrimas secas, vou seguir outro tipo de análise. Começo por dizer que, ainda que isto possa chocar, o comércio de rua está para as grandes superfícies como o “Pitrolino”, nos anos de 1970, estava para os supermercados Colmeia –referindo estes aqui em Coimbra. O que quero dizer com isto? Que, inevitavelmente, mesmo à frente dos nossos olhos as lojas de bairro vão desaparecer quase todas. Neste momento, com uma cota de mercado anunciada em cerca de 8 por cento, algumas ainda vão subsistindo, muito por força dos mais velhos não se poderem deslocar às grandes superfícies. Por muito que custe esta verdade, cada vez mais descerá a procura nos centros urbanos. E porquê? Porque a pequena unidade comercial não pode competir em preço com a gigantesca grande área.
O futuro próximo vai ser uma razia. Estas lojas, na maioria, já estão a funcionar só com uma pessoa. Nos últimos anos, o número de trabalhadores foi decaindo, decaindo, até ficar apenas o último membro da família. Um deles já teve de arranjar trabalho ou está no desemprego. E esta “decalage” tem sido contínua. Actualmente o comércio de rua já não vive, não sobrevive, simplesmente vegeta. Arrasta-se ao longo dos dias –estes, no sempre a consultar o relógio, parecem eternidades-, e os meses, que estranhamente passam a correr, são uma consumição para que estiquem e não chegue mais depressa a hora de pagar a renda, o telefone, a luz, os impostos, etc,.
E mais: quando entrar uma reforma séria no arrendamento, em que se dê uma justa retribuição ao proprietário, pelo aumento de renda, as poucas que restarem desaparecem.
Portanto, para mim, este licenciamento já nem aquece nem arrefece. Será o mesmo que lançar gás pimenta num cemitério. Podem fazer barulho à vontade, já nada dará vida a quem já morreu há muito.
Veja-se o caso de Coimbra: apesar de estar superpovoada de grandes superfícies, ainda vai abrir em Setembro a Makro em Eiras –que se transferiu do Vale das Flores; no seu lugar irá abrir outra grande superfície de bricolage e jardim; irá abrir o “El Corte Inglês”, na Casa Branca, e o “Ikea” na encosta de Santa Clara, junto ao “Fórum”.
Ora, com franqueza, digam lá que prejuízo maior poderá trazer ao comércio tradicional a abertura das grandes superfícies aos domingos todo o dia?
Aliás, será de uma grande hipocrisia se o executivo municipal não deliberar nesse sentido. Ao menos que assuma o papel de coveiro do comércio coimbrão a tempo inteiro.
Naturalmente que a ACIC –que ainda hoje vinha no Diário de Coimbra a carpir lágrimas de crocodilo- evita de vir agora armada em viúva chorosa. Assuma de uma vez por todas que, para além de folclore e uns comunicados, na última década –eu estive lá de 1998 a 2003, também tenho culpa!- não fez absolutamente nada de palpável pelos homens do comércio.
Os comerciantes, como fidalgos que não quiseram mudar hábitos de aparência abastada, que nunca se souberam unirem em torno da ACIC, contribuindo para a sua defesa individual, alterando os horários de funcionamento, batendo o pé a este Estado opressor que tem feito um holocausto na profissão, têm o que merecem.
Apesar de ter um discurso pesado e pessimista, tenho a certeza que algumas lojas sobrevirão, mas poucas. Sobretudo aquelas que conseguirem ter um comércio diferente da maioria, e, acima de tudo, que se virarem para a hotelaria. Aqui, neste ramo de negócio, residirá o futuro dos outrora centros comerciais a céu aberto.

3 comentários:

Anónimo disse...

Luís,só para o seu texto ficar mais completo,deixe-me fazer uma homenagem.O petrolino do largo do romal era o Afonso «carvoeiro»,homem de muito trabalho,sempre com as mãos e cara encardidas e pretas do carvão.Homem com H grande.Era miudo mas lembro-me muito bem dele e esposa.Tinha mais duas qualidades,para além de trabalhador e sério,era adepto do C.F.União de Coimbra e benfiquista.
Marco

Jorge Neves disse...

Eu espero que quem aprovou este horário se lembre de abrir instituições de educação (infantários, creches, etc.) nos mesmo horários e já agora ensino gratuito, depois não se queixem que a natalidade é baixa e têm de andar a inventar subsídios para se fazerem bebes. Onde vão ficar os filhos dos funcionários que têm de levar com estes horários para o zé-povinho ir passear para o hipermercado ao domingo à tarde...principalmente se estiver tempo de chuva!

Jorge Neves disse...

Conheci o " carvoeiro", nasci na rua das azeiteiras, fui muitas vezes mais os amigos da altura enfarruscar a cara para brincar as escondidas e aos policias e ladrões. Meus pais compraram lá alguns litros de petroleo para para levar-mos para a aldeia de chelo, pois esta ainda não tinha luz electrica. Velhos tempos.