(IMAGEM DA WEB)
Olá…então como é que vai isso? Você está com careta de cansada. Ai isso está! Você, não sei se sabe, mas eu sou técnico fisionomista. Não sabe o que é? Calma que eu explico, é assim: os sobredotados como eu –modéstia à parte, que não interessa nada para aqui-, que são muito poucos, devo esclarecer, olham para um rosto, seja lá de quem for, mesmo até através de uma fotografia, e tiram o retrato todo. Quem foram na infância, o que sofreram, como vão os seus amores “destrambilhados”, e como são no dia-a-dia. Por exemplo, num frente-a-frente, olhando para a menina dos seus olhos, consegue-se ler tudo, como se fosse um livro aberto. É como se se entrasse nas profundezas da alma. Vê-se tudo, tudo, até como estão de força anímica.
Bem sei que você está curioso e pelo brilho dos seus olhos, de "por amor de Deus conte-me", que mais parece a “Alexandrina Romena”, que está a pedir junto à Igreja de Santa Cruz, rogam por tudo que eu lhe explique. Mas, compreenda, só se pode explicar aquilo que se entende, isto é, aquilo que entra na racionalidade. Ora se eu não entendo nada disto, diga-me lá, como é que quer que eu me explique? Pois…já entendeu então? Ainda bem. Isto é de família, é genético, ou melhor, se calhar é hereditário. Já o meu bisavô, o Arquimedes “leitor-das-estrelas”, não sei se conheceu, penso que não, era muito famoso lá na minha aldeia, era um tipo sobredotado como ó “caraças”. Eu gostava muito dele, palavra, olhe que quase cheguei a andar com ele ao colo. Era mesmo um tipo baril. Ele sabia tudo. Parece-me estar a vê-lo com aquele turbante enfiado na cabeça…ai que saudade! –desculpe lá, só um momento, não desligue, que tenho de ir buscar um lenço. Com as recordações, um raio de uma lágrima rebelde devia ter-se soltado do rebanho e deu-me em cair pelas maçãs do rosto abaixo.
…Então, como ia dizendo, estou a ver-me no escritório do meu bisavô “leitor-das-estrelas”, está ele a enfiar a túnica, lá vai dizendo: “meu filho, tu podes vender todas as ideias do mundo, desde que acredites naquilo que pregas. Quanto mais exagerares mais as pessoas acreditam”. E lá ia pondo o rímel e a pomada negra de "colargol" por cima dos olhos. “Não esqueças, é importante o aspecto, quanto mais esotérico melhor. As pessoas temem sempre aquilo que não compreendem e foge à norma humana”, e, calmamente colocava o turbante na cabeça.
Lá fora, na pequena saleta improvisada com uns bancos corridos, com uma tábua na horizontal, e sob a vigia tenta da imagem do Redentor, já se ouviam umas vozes femininas em ebulição.
Numa última “pestanada”, no grande espelho do pequeno cubículo, onde várias velas acesas, embrulhadas em incenso, empestavam um clima metafísico, Arquimedes, o meu Bisavô, puxava a frente da túnica roxa, olhava para mim e exclamava: “vamos a elas, rapaz!”. Eu sentava-me ao seu lado, sempre no mesmo lugar, num pequeno mocho, um banco de três pernas, do lado esquerdo. A seguir abria a porta e entrava a primeira cliente do dia.
Era a Esmeralda, uma cota boazona, para aí com quarenta e picos. Ela morava do outro lado da povoação. Contava-se que ela era mais quente que o núcleo do astro-rei. A verdade é que os homens não aguentavam uma fornalha daquelas, e, naturalmente, pelo desacerto na assistência à combustão, acabavam por partir para longe. Não sei se seria pela vergonha, mas, como cães rafeiros com os rabos entre as pernas, nunca mais voltavam. O ser humano é terrível: convive muito mal com o falhanço.
Claro que o meu bisavô Arquimedes sabia disto tudo. Assim que ela entrou, mandou-a sentar em frente à pequena secretária aparelhada por muitas imagens de santinhos. Começou por lhe tomar as mãos, a seguir varreu o tronco da mulher, que era emoldurado por duas montanhas erectas, que pareciam desafiar o São Sebastião, que estava atrás num retábulo, coitadinho, com ar de aflito, todo atravessadinho pelas flechas dos romanos –eu que não percebia nada do assunto, achei que talvez gostasse de lá pousar a cabeça a descansar- e, olhando os seus olhos profundamente, enfatizou: “ não precisas de dizer o que te traz cá, o teu homem deu à sola!”. A rapariga, de olhos esbugalhados, meio a “tremilicar”, exclamou: “ai, mestre Arquimedes, como é que adivinhou?”. O meu bisavô, num relance fugaz olhou para mim, fitando novamente os olhos da mulher, disse: “eu sei tudo! Isto é um dom que já vem do meu bisavô…não sei se conheceste…se calhar não!”…
1 comentário:
E agora é só passar o "dom" ao netinho!!! ;)
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