(FOTO DE LEONARDO BRAGA PINHEIRO)
Ontem, quem esteve presente no jantar reivindicativo dos comerciantes, se tomou atenção, verificou que um dado ficou latente: aquelas cerca de seis dezenas de pessoas sabem o que querem. Sabem que aspiram a venderem mais de modo a que possam continuar na Baixa com os seus negócios. Sabem que, se for preciso, pela força, lutarão contra um poder omnipotente que lhes retirou tudo: a sua vida desafogada e até a força anímica.
Há porém um pormenor importante que ressalta: este pequeno exército não sabe como chegar ao destino que procura. Todos têm armas de argumentação que individualmente esgrimem, como D. Quixote a lutar contra o vento. É notório que a sua força argumentativa se perde no individualismo e na necessidade obsessiva de cada um se fazer ouvir a pugnar por medidas incoerentes, desconexas e sem contexto para o momento aflitivo que vive o Centro Histórico.
Uns, com grande convicção, defendem o estacionamento gratuito na Baixa. Errado. Sabe-se bem que o onerar os automóveis é a única forma possível de evitar que estejam parados naquele lugar de manhã até à noite. Para além de mais –concorde-se ou não-, os investidores privados investiram nos parques de estacionamento, logicamente que têm todo o direito legítimo a serem ressarcidos com lucro.
Outros referem, com grande indignação, a não intervenção da autarquia na implantação de lojas chinesas. Errado. A câmara nada pode fazer contra o comércio chinês. Se a Comunidade Europeia subscreveu e ratificou o Tratado da Organização Mundial de Comércio, na livre circulação global, o que pode uma pequena autarquia fazer? Nada vezes nada. Se Bruxelas não sabe defender os interesses dos seus 27 países…isso é outra coisa.
Outros ainda: o licenciamento exagerado de grandes superfícies na periferia da cidade. Aqui, não direi totalmente errado. Responderei antes com uma pergunta a mim próprio: se eu fosse presidente da câmara, o que faria perante a possibilidade de desenvolver a cidade? Sim, porque não se pode escamotear a questão: por muito que se seja contra, as grandes superfícies vieram dar uma nova dinâmica ao comércio e às cidades nos últimos 20 anos. Se os governos nacionais, enquanto árbitros necessários numa economia de livre mercado, optaram pelo “laissez faire, laissez passez” e não cumpriram com as funções para que estavam obrigados na defesa dos pequenos industriais, pequenos comerciantes e produtos endógenos associados, isso é outra questão. Não se pode misturar tudo no mesmo saco.
Se a APEC, Associação dos centros comerciais, enquanto parte interessada, defende os interesses dos seus associados de uma forma unida, coisa que, por exemplo, os comerciantes de rua não conseguem, pode invocar-se aqui má fé? Sempre se ouviu dizer que quando um não quer, há dois que querem muito.
Outros comerciantes ratificam ainda que nas ruas estreitas, como, por exemplo, a Eduardo Coelho, devem passar automóveis. Isto é a loucura completa. E mais: que a Praça do Comércio deve ser destinada a estacionamento diário de automóveis gratuitamente. Defender estas medidas é como pegar numa espingarda e apontar para o ar à espera que um tiro, por acaso, acerte num pardal.
Outros ainda a defenderem acerrimamente o urbanismo comercial, na vertente de ser possível ao comércio impor um “numerus clausus” na implantação de novos investidores. Temos por aí tantos maus exemplos que nem vou nomear. Toda a gente sabe que estes procedimentos conduzem inevitavelmente a comportamentos corporativos em que predomina a discriminação e o coarctar da liberdade de cada um, desde que reúna condições, escolher o que quer fazer da sua vida.
Defender o apagamento de montras comerciais durante o período nocturno como meio de poupar energia. Outro erro crasso. Um comerciante que vive da rua, de quem lá passa, e não pode dar um pouco de luz para que o transeunte possa admirar um artigo na sua montra, está a fazer o quê no comércio?
Defender a vinda de um ou dois cinemas para a Baixa. Como é que se pode? O cinema independente –aliás como tudo o que é autónomo- atravessa uma profunda crise. Hoje a arte de Lumière está praticamente na mão de duas grandes distribuidoras. O cinema independente não pode competir com estes dois grandes grupos. Está errado? Claro que está, mas, se mais uma vez o Estado não defendeu com equidade os mais pequenos, de quem é a culpa? Serão os dois grandes grupos económicos? Basta lembrar que o último cinema da Baixa encerrou no Centro Comercial Avenida há cerca de dois anos. Pertencia a Paulo Branco e, segundo os jornais à época, afogado em dívidas. Como é que se pode defender o cinema independente nestas condições? Está tudo num caos? A ordem está subvertida? Claro que está! Mas, sendo responsável, não se pode defender o suicídio como fim em si mesmo. No limite, pode ser um meio para atingir qualquer objectivo, nem que seja acabar com uma vida de martírio.
Claro que saíram deste jantar de comerciantes muitas e boas ideias. Isso não há dúvida. Mas o que ficou sublinhado é que este exército dos mercadores não tem um general a que reconheçam obediência. Talvez por isso se compreenda melhor a situação caótica em que se encontra o comércio tradicional.
1 comentário:
Após ler e reler este artigo “SABER O QUE SE QUER SEM SABER COMO LÁ CHEGAR”, e de reflectir sobre as sugestões que foram sendo ditas, umas mais radicais, outras com quais estou de acordo e outras de total desacordo, não deixam de ser opiniões válidas, que devem servir de ponto de partida para dar um futuro ao comércio da Baixa de Coimbra. Futuro esse que depende muita das iniciativas dos comerciantes, da sua criatividade, profundas mudanças de mentalidade, uma rápida mudança de estratégias, de adaptabilidade à nova forma de viver da sociedade e de uma boa articulação com a Câmara Municipal de Coimbra.
Vou deixar a minha humilde opinião, das sugestões que achei mais importantes;
“Defendem o estacionamento gratuito na Baixa”
Também defendo o estacionamento gratuito na Baixa, mas com regras, ou seja, gratuito no período das 12.30 às 14h30 e das 17h30 às 19h00 de Segunda a Sexta-feira e gratuito durante o Sábado e em épocas especiais, como Páscoa, Natal.
“a não intervenção da autarquia na implantação de lojas chinesas”
As lojas chinesas são um mal necessário da sociedade Ocidental, em tempo de crise bem tem ajudado quem mais fracos rendimentos possui. Penso que é preferível ter a Baixa cheia de lojas chinesas que ver as ruas com as lojas todas encerradas. Defendo que está na altura dos comerciantes da baixa seguirem o exemplo de alguns comerciantes chineses, associarem-se nas compras e na adaptação dos horários alargados.
“o licenciamento exagerado de grandes superfícies na periferia da cidade”
Neste ponto concordo que o licenciamento tem sido exagerado, mas é um fenómeno que se verifica a nível Mundial, é necessárias contrapartidas para o comércio tradicional (isenção de taxas, linha credito para obras, publicidade) por cada licenciamento para grandes superfícies.
“nas ruas estreitas, como, por exemplo, a Eduardo Coelho, deve passar automóveis.”
Esta sugestão só iria retirar mais pessoas à Baixa, para além de aumentar os níveis de poluição e de insegurança para quem circulava a pé. Mas defendo que poderia haver vários pontos na cidade com bicicletas para se poder circular nas ruas da baixa e até mesmo bicicletas conduzidas por pessoas credenciadas pela Câmara Municipal de Coimbra, que transportem duas pessoas.
“o urbanismo comercial, na vertente de ser possível ao comércio impor um “numerus clausus” na implantação de novos investidores”
Quantos mais investidores neste momento, melhor. A selecção de investidores é um luxo a que a Baixa não se pode dar neste momento. Volto a afirmar que os comerciantes se deveriam agrupar, para apostarem na qualidade.
“Defender o apagamento de montras comerciais durante o período nocturno como meio de poupar energia.”
Esta medida traduz-se numa poupança insignificante, aumenta a insegurança, logo leva ao aumento de roubos e vandalismo. Muita gente, embora já não tanta como se gostaria, aproveita o fim do dia para dar um passeio pelas ruas e ver as montras, se estiverem apagadas, só vai incentivar à diminuição de pessoas á noite na Baixa e aos riscos que daí advêm.
Em suma, defendo que os comerciantes devem ser mais criativos e unidos nas ideias e na defesa da Baixa. Manter um diálogo saudável com a Câmara Municipal de Coimbra.
Jorge Neves
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