terça-feira, 27 de abril de 2010

PARTICIPAÇÃO POLÍTICA, COMO?




Era bom que viessem mais cidadãos à Assembleia Municipal (AM) falar dos seus problemas. Devemos fazer tudo para desenvolver esta vontade dos munícipes” –desabafo de Eliana Pinto, deputada do Partido Socialista, ontem na AM.
 Por sua vez, desde o grupo de deputados do Bloco de Esquerda até à própria coligação todos elogiaram a minha prestação de cidadania, na necessidade de serem inquiridos os pressupostos no desempenho das câmaras de videovigilância. “Muito bem, parabéns!”, parece você pensar.
 Acontece que nem o leitor nem os deputados municipais imaginam o que é preciso para chegar ao pódio daquele plenário. Bem sei que, desde sempre se tem apregoado a participação política dos cidadãos muito para além da lei plasmada na Constituição, e mais agora nas palavras de Eliana Pinto. Porém, provavelmente, nem a deputada socialista nem você leitor imagina o que se passa para lá chegar. Para mim, que já lá fui várias vezes, perante os obstáculos, até sorrio, mas se fosse um munícipe com carências várias, isto é, que não fosse tão desavergonhado como eu conseguiria passar pelos meandros labirínticos da burocracia? Antes de tecer mais considerações, vou contar todos os passos que dei ontem na autarquia para chegar então à intervenção na Assembleia Municipal da autarquia de Coimbra.
 Cerca das 9H30, à entrada da câmara, interpelei o segurança –que por acaso era um agente da Polícia Municipal- acerca da realização da Assembleia Municipal. O funcionário não sabia que iria haver plenário. Ligou para o gabinete de apoio à assembleia, no primeiro andar, mas ninguém atendeu. Educadamente, disse-me: “desculpe, mas como não está ninguém, não posso fazer nada, terá de vir cá mais tarde”.
 Cerca das 11H00, voltei à câmara e falei novamente com o senhor. Voltou a ligar para o gabinete de apoio à assembleia e atendeu a funcionária encarregue de gerir os trâmites necessários ao bom funcionamento da reunião de vereadores. A senhora, pelo telefone, disse ao agente para me passar o auscultador.
-Bom dia, dona (…) –cumprimentei a pessoa do outro lado do fio, porque já a conheço de outras viagens parecidas. Se me permitisse, precisava de intervir na Assembleia Municipal…
-E qual é o assunto? Inquiriu a funcionária.
-As câmaras de videovigilância da Baixa, invoquei.
-Muito bem, mas olhe que são só 5 minutos de tempo. Não pode ser mais. Há outros munícipes para intervir.
Escreva o assunto e deixe aí…
-Muito bem, dona (…)! Bom dia e obrigada.
Entreguei o telefone ao agente de serviço, e pedi-lhe uma folha de papel para deixar o assunto que me levaria à assembleia.
-Não, isso não é comigo. Eu aqui não recebo documentos. O senhor vai ter de ir ao atendimento ao munícipe, aqui ao lado, é lá que deixa o assunto.
Fui para a secção indicada e retirei uma senha de atendimento. Havia cerca de dez secções, mas só três estavam a atender.
Passados 15 minutos chegou a minha vez. Expus o que me levara ali. Diz o funcionário de atendimento: “não, isso não é aqui, isso é no primeiro andar, no gabinete de apoio à Assembleia Municipal. Sabe onde é?”.
E lá voltei ao segurança, Olhe que afinal é no primeiro-andar, disse.
-Ai é? Não sabia. Então suba, é à direita, ao cimo das escadas. Sabe onde é?
Subi e bati à porta da encarregada do apoio logístico à assembleia. Mandou-me entrar. Estava ao telefone. Esperei um pouco e, como estava ao lado, não pude de deixar de ouvir: “pois, senhor professor, o assunto é relativo às câmaras de videovigilância…muito bem, senhor professor...”.
 Desligou o telefone. Eu argui:
-Desculpe dona (…), mas mandou-me lá deixar em baixo o assunto que me leva à assembleia, acontece que ninguém sabe de nada…
Puxa de uma folha branca e diz: “faça aí um requerimento ao presidente da Assembleia Municipal!”.
E eu, como tenho alguma experiência sobre o assunto, fiz o requerimento e entreguei-o à senhora para ler. Já estava outra vez ao telefone. Mesmo assim leu, e, sem responder verbalmente, levantou o polegar em sinal de assentimento.
 O que estou aqui a transcrever foi exactamente o que se passou, ontem, comigo.
 Agora faço quatro perguntas:
-Quem aguenta passar por isto?
-Quantos de nós estão habituados a fazer requerimentos?
-Não deveria haver uma norma já feita para simplificar o acesso dos cidadãos à Assembleia Municipal?
-Será que, verdadeiramente, alguém estará interessado em levar os cidadão a queixar-se na Assembleia Municipal? E, saliento, este impedimento, no que toca à municipalidade e participação cívica, não é só de agora e nem só desta Assembleia Municipal de Coimbra. Há outras que se gerem pelo mesmo pressuposto.
Ficam as questões no ar, provavelmente, irei fazer chegar este texto à deputada municipal Eliana Pinto. Sempre quero ver se as palavras ontem deixadas por si no plenário conseguirão ser materializadas em vontade política.


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