(Imagem roubadita num assalto de carjacking sem violência por aqui)
“Fico a pensar que podia ter aceitado os 200 mil euros!”, esta exclamação, proferida por José Sá Fernandes e plasmada no Diário de Notícias, é demasiado grave para que passemos por cima e ao de leve –só para lembrar, o empresário Domingos Névoa, da firma Bragaparques, foi julgado em primeira instância, por tentativa de corrupção activa na pessoa de Sá Fernandes, e condenado numa multa de 5 mil euros. Apresentado recurso para o Tribunal da Relação por parte do Ministério Público, vem aquele órgão superior julgar improcedente a demanda por parte do Estado. Está lançada a confusão. Para uns, com a apresentação deste caso, vem provar que os órgãos judiciais “estão feitos” com os corruptores. Para outros, será a porcaria do costume, em que o crime compensa num país sem “lei nem roque”. Para outros ainda, e aqui muito mais grave, neste caso os denunciadores de corrupção, como é o caso de Sá Fernandes, não são protegidos pelo Estado.
Quem viu, há dois dias atrás, o programa da SIC, em que eram entrevistadas vários “denunciadores”, certamente, como eu, ficou com um aperto na barriga. Aqui sim, neste abandono de pessoas que visam contribuir para uma democracia mais limpa e justa, através da cidadania, o Estado não cumpre as suas obrigações. Para todos nós, este ponto é gravíssimo. E, perante este caso concreto, como classificar então esta absolvição do empresário de Baga? Interroga você. Ora bem, vamos por partes. A aplicação do direito não é um universo maniqueísta, dividido entre o preto e o branco, em que a verdade surge como absoluta. Primeiro não há verdades incontestáveis, quanto muito haverá algumas relativas. O que quero dizer com isto? Quero dizer que, para salvaguarda de todos nós, para se condenar alguém é preciso provar “ipsis verbis” na sala do tribunal a culpabilidade do réu ou arguido. E esta premissa, ainda que muito contestada, é demasiado e exponencialmente valorativa. É de importância fundamental para um Estado de direito. Diria até que é a linha de fronteira que divide as sociedades centralizadas das descentralizadas e aplicadoras dos Direitos do Homem. Porque tudo está bem quando os assuntos dizem respeito aos outros. O problema é quando se passa connosco. Claro que se poderá invocar que a nossa justiça não funciona ou opera pessimamente . Admito que seja assim. Mas de quem será a culpa? Será dos tribunais? Será dos juízes? Será do sistema, que é demasiado garantístico para os prevaricadores? Será das leis que são criadas por um legislador, muitas das vezes, sem qualquer conhecimento do “modus operandi” da vida do dia-a-dia? De um legislador que muitas vezes faz a lei a pensar em casos concretos que tem em mãos? –sim porque isto não será tão absurdo de conceber, muitas das leis em vigor são criadas por grandes gabinetes de advogados em Lisboa. Pessoalmente, penso que o emaranhado da justiça recai por inteiro nas leis incompreensíveis para a maioria –um paradoxo se nos classificamos de sociedade moderna e de conhecimento- e apenas entendíveis por uma minoria esclarecida. Já se sabe que qualquer lei terá sempre de ser abstracta e geral. Ou seja, não se pretende que contemple casos concretos e específicos. O problema é que, na sua abstracção, caindo no esotérico, acaba por pretender dirimir conflitos dos marcianos. É de tal maneira vaga que, na sua imprecisão, não é aplicável aos terráqueos, e acaba por ser colocada de lado por todos. Vivemos num tempo em que o legislador, como praga infernal, quer invadir toda a nossa esfera, pública e privada. Chega a entrar dentro da nossa casa. E ainda estaremos no princípio. O pior estará para vir. Provavelmente cairemos mesmo na profecia de Geoge Orwel, em “1984”. Continua-se a esticar acorda, sem ter em conta, que a sua funcionalidade e eficácia reside na sua distensão de liberdade deixada aos cidadãos com alguma discricionariedade.
Os homens devem ser educados para o direito e não o contrário como acontece: o direito é que educa (através da força sancionatória) os cidadãos. Está profundamente errado. Enquanto não se inverter todo este sistema tudo vai continuar para pior. Voltando ao caso em apreço, uma pergunta surge: porque terão os cidadãos portugueses necessidade de recorrer à corrupção? Tão simples como isto: porque as regras não são claras. São constituídas por regulamentos ultrapassados, burocráticos, pesados, de custos financeiros, para quem quer cumprir, impensáveis. São normas incentivadoras de um “poderzinho” individual, que a quem as aplica faz aumentar o seu ego e, como metástase burocrática, precisamente para aumentar essa migalha de poder que lhe cabe em função, complica a vida ao cidadão comum. As intenções de equidade, se as houver, perdem-se nas tais leis “concursais” que foram pensadas para servir alguém em especial.
Voltando ao caso do empresário Névoa e Sá Fernandes, que culpa tem o Tribunal da Relação de alguns magistrados do Ministério Público não saibam interpretar a lei? Que culpa terá a Relação se a lei está feita para não condenar ninguém? Por muito que nos custe a todos –essencialmente porque é difícil de entender-, ainda bem que se absolvem pessoas. É o nosso futuro individual que está em causa. Significa que o Direito, apesar das vicissitudes que apontei, continua a funcionar. Claro que melhor para uns do que para outros, mas, afinal, não passamos de simplesmente humanos. Tenhamos esperança num futuro em que a lei seja simples de entender e a justiça seja mais justa.
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