quinta-feira, 4 de dezembro de 2008
NINHARIAS
Era uma velhinha baixinha,
e trajada
com simplicidade;
Corria a cidade
com medo da lata
que mata
sem dó nem piedade;
Andava na Baixa
em ruas com faixa,
para se passear
dum lado para o outro, a andar;
E a boa da velha,
coitada,
pensava passar dum lado para o outro,
a andar,
na faixa da Baixa;
Ao ver automóveis
a cruzar a rua,
negra, feia, crua,
feita de alcatrão,
viu-se então medrosa,
olhou cautelosa
para um lado, para o outro e para o chão;
E atravessou a rua,
chuvosa, lisa e listrada de branco,
sempre receosa;
Mas antes do acto,
pacato e sensato,
que qualquer mortal
supõe ser banal,
a velhinha velha,
com medo que a vida querida fugisse de vez nalgum automóvel,
rezou o seu credo, fez cruzes três vezes com a mão à socapa,
olhando três vezes para a luva e para a capa do guarda
que guarda as velhinhas, pacatas, medrosas, brejeiras
e serigaiteiras, de manguito branco,
com luva de linho e aquela carranca de penca bem adunca,
feia como tranca que pode cair, ferir e matar, a multar
quem não respeitar as velhas brejeiras e serigaiteiras
que vão pelas ruas com faixa nos cruzamentos da Baixa.
(um texto encontrado no fundo de uma arca antiga. Escrito, provavelmente há cerca de quatro décadas, por R. Salgueiro, com grande amizade, “à Sª D. Ilda para lhe recordar que daqui a 80 anos lhe pode acontecer o mesmo”)
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