quinta-feira, 4 de dezembro de 2008
CARTA AO MENINO JESUS
Não preciso de te dizer quem sou. Tu conheces-me bem. Deves saber que nos últimos dias, deste começo de Dezembro, tenho travado contigo grandes monólogos. Sim, monólogos, porque nunca me respondes. Talvez porque entenda que deves ter muitos meninos como eu a pedir-te coisas, e deva ser-te difícil identificar todos, vou ajudar-te: sou aquele miúdo de onze anos, que mora nos arredores da cidade –já estás a ver, não estás?
Diz-me, Menino, porque nunca me respondes, e me obrigas a contactar-te por carta? É por eu, nos últimos tempos, me ter tornado agressivo na escola? Se é por isso, até tens razão, os stôres nem merecem, até são bué de fixes. Mesmo com os problemas deles, com essa coisa da avaliação, a verdade é que estão sempre preocupados comigo. Ou tem a ver com o facto de eu me tornar cada vez mais fechado e triste? Que queres, não tenho alegria?! Ou será por este ano, lá em casa, ninguém fazer o presépio e tu continuares arrumado no baú da entrada? Também sabes que eu não posso fazer nada. Aquela minha casa, outrora um jardim florido, hoje está transformada num campo de batalha entre os meus pais.
Apesar de tudo isto, sabes muito bem que sempre que posso abro a arca, pego-te ao colo e falo contigo. Sabes que és o meu melhor amigo mais porreiro? Então porque nunca me respondes? Por muito menos cortei com o Outro. Sim, esse! Estamos a falar de Deus. Andei tantos anos na catequese, procurei ser sempre cumpridor das minhas obrigações para com Ele. Conforme as recomendações do senhor padre eu ia sempre à missa e até ajudava no ofertório. Fazia tudo direitinho para ser um bom menino. Quando a minha vizinha, a Dona Ermelinda, aquela velhota da porta ao lado, do 31, queria atravessar a rua eu sempre fui a correr para ajudá-la. Pois! Mas quando eu precisei Dele não me ligou nenhuma. Tanto lhe pedi que ajudasse os meus pais e os mantivesse unidos. Lá se importou Ele com os meus pedidos e que eles se tivessem divorciado há menos de meio ano! Não mexeu uma palha!
Agora, lá em casa, é a bagunça que tu sabes. Mas vais ajudar-me, não vais Menino? Vais fazer regressar a paz à minha casa, não vais? És a única esperança que me resta. Se fizeres como o Outro não sei o que farei. Eu já não aguento mais. Reparaste há dias o que aconteceu quando o meu pai, para provocar, levou lá a casa a sua nova namorada? Viste o que fez a minha mãe? Embrulharam-se as duas à pancada, veio a polícia, foi um escândalo lá na rua. Mas, vê lá, se isto dos meus pais, depois de divorciados, ficarem a morar na mesma casa faz algum sentido?! Ainda por cima com o argumento de que ambos ficavam a cuidar da minha educação, enquanto mais novo, porque os meus dois outros irmãos já se desenrascam bem.
Uma treta, amigão! Eles nunca quiseram divorciar-se e então, quando viram que o processo da papelada já era irreversível, jogaram então com a minha educação para os manter juntos de coração.
Ajuda-me a compreender estes adultos. Estiveram casados 22 anos. Sempre se amaram e deram bem, de repente, como aquele terramoto que varreu a Ásia, tudo se alterou. Tudo ficou de patas para o ar. Faço tantas vezes a pergunta: o que aconteceu para duas pessoas que mal respiravam uma sem a outra se tornarem inimigas? Se calhar fui eu o culpado. Tantas vezes penso nisso, Menino! E para mais, agora que estão desavindos, chegam a parecer que não gostam de mim. A minha mãe nunca mais me deu beijinhos quando vou para a cama e o meu pai também não, porque nunca está em casa a essa hora.
Não encontro explicação. Há dias vi um programa na televisão –sei o que vais dizer: que eu passo muitas horas na televisão e no computador, mas que queres, são a minha companhia?! –que dizia que os adultos depois dos quarenta anos, julgando-se velhos precoces, querem fazer tudo aquilo que não puderam fazer. Será isso?
Faço tanta pergunta e não tenho nenhuma resposta. Nunca houve lá em casa aquela coisa de que tanto se fala: a violência doméstica. Pelo menos até há poucos meses eu não sabia o que era isso. Agora conheço-a bem demais: veio atrasada, mas com juros. Começam por se agredir em palavras e depois vem a pancada. Mas, para o caso, tanto é um como outro, são iguais.
Mas uma coisa sei, Menino: eles amam-se e precisam tanto um do outro! Só um milagre pode evitar que se destruam mutuamente, e, como bola de pingue-pongue, me arrastem com eles.
Será que podes ajudá-los? Se o fizeres, palavra de honra, prometo-te que farei as pazes com o teu Pai.
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