sábado, 20 de dezembro de 2008

A LOJA TRADICIONAL E A CRISE QUE ANDA NO AR




Nos dias que correm só se ouve falar da crise económica e das suas consequências. No que se vê e ouve, esta recessão (ou depressão), metaforicamente, é assim uma espécie de basófias –assim era designado o rio Mondego no tempo das grandes cheias- nos seus velhos tempos de grandes enchentes em que a força das águas levava tudo à frente. Só quem estava mais preparado, pelo costume dos anos antecedentes, pondo a salvo os seus haveres, transferindo-os para zonas altas, conseguia fazer face à intempérie da natureza. Claro que muito se perdia e, depois da tempestade vinha a bonança, isto é, segundo as crenças populares, os campos do Mondego ficavam muito mais fertilizados e produtivos. Há quem diga que a degeneração destes celeiros agrícolas, conjuntamente com o abandono dos campos, ocorreram também devido ao “desvio da natureza”, sobretudo, depois da construção da barragem da Aguieira e do controlo do caudal do rio. Claro que, por volta dos anos de 1960, com as ruas completamente alagadas, havia sempre alguém a espreitar o furo, como quem diz, ganhar dinheiro à custa de uma nova necessidade criada em torno da locomoção. Era assim que surgiam sempre, por esta altura, os barqueiros a transportar as pessoas de uma rua para um qualquer largo na zona da Baixa.
Por analogia, se hoje nesta crise continuam a haver alguns “barqueiros”, no dia-a-dia, há muito mais colectivamente. Ou seja, o consumidor, sempre atento às notícias, que duma forma obsessiva matraqueia o mais duro de ouvido, aproveitando bem esta maré depressiva, está transformado num sádico empedernido, que, sem peias de sensibilidade, não se importa de “calcar” um qualquer vendedor.
Então no comércio tradicional é de mais. Como as notícias que se ouvem, de que o comércio está muito mal e em desaparecimento, o comportamento do consumidor, nos pequenos estabelecimentos, hipoteticamente, tem o mesmo efeito devastador de um conhecimento prévio no Japão, antes de serem largadas as bombas atómicas: vender antes que desapareça tudo. Alguns clientes do comércio de rua, entram numa loja, e sem disfarçar, olham para o comerciante como o coitadinho, o indigente futurista. Chegam a perguntar, num tom de voz misturado entre a “caridadezinha” e o sádico: “o senhor não vende nada, pois não? “. Para logo a seguir, interessando-se por um qualquer artigo, oferecer metade do que estiver marcado e rematar: “sabe que não há dinheiro, isto está muito mau?!". Como se o profissional do comércio de rua não soubesse como está a economia. Há casos pouco agradáveis de descrever. E se o conto aqui é porque tenho conversado com comerciantes que me dizem exactamente a mesma coisa. “Às vezes tenho mesmo de ser desagradável. Tenho de dizer que para hoje ainda tenho para o jantar, volte amanhã, porque pode ser que, nessa altura, esteja mesmo cheio de fome e, nesse caso, já vendo a qualquer preço “, exemplifica um comerciante.

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