segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

DOIS COMENTÁRIOS RECEBIDOS E UMA RESPOSTA DO EDITOR...

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)


António Horta Pinto deixou um novo comentário na sua mensagem "UMA CARTA PARA OS JUSTOS REFLETIREM":


O idoso pagava uma renda de 69 euros e o senhorio exigia-lhe 600 quando a pensão dele era apenas de 390.
Quem tem pensões milionárias vive normalmente em casa própria.
Quanto à pessoa que refere, muita sorte tem ela por ter herdado um prédio; poucos têm esse privilégio.
Os senhorios não são todos maus nem muito menos fascistas, nem os inquilinos são todos bonzinhos ou coitadinhos. Mas é absolutamente desumano, seja em que circunstâncias for, pôr na rua um velho de 80 anos, exigindo-lhe uma renda superior ao montante da sua pensão.




Unknown deixou um novo comentário na sua mensagem "UMA CARTA PARA OS JUSTOS REFLETIREM":



O sr. António Horta tem toda a razão quando diz «Os senhorios não são todos maus nem muito menos fascistas, nem os inquilinos são todos bonzinhos ou coitadinhos.». Quando dei a minha opinião não foi acerca do inquilino idoso referido na noticia, a leitura da noticia é que teve como consequência aquele pensamento em relação a este tema em geral, em abstrato e não no caso em concreto.
Mas desde já lhe digo que tenho quase a certeza que não é proprietário, nem recebe um arrendamento de 69 euros! Esta quantia quase não dá para pagar as despesas de electricidade e água, quanto mais de uma renda!
Quanto à sua afirmação que se é um privilegiado em receber uma herança destas... que sorte! Um comerciante falido receber em mãos uma carga de trabalhos destas...
Abraço, Marco Pinto



RESPOSTA DO EDITOR

Antes de entrar no caso aflorado, começo com uma ressalva: vou exercer o contraditório a favor do que considero injusto. Isto é, vou argumentar no sentido de dar uma opinião sobre um texto apresentado por Marco Pinto. Ao fazê-lo, procurarei ser justo, não por estes ganharem o reino dos céus, mas porque qualquer cidadão comum, como eu, independentemente de ser de direita, centro, ou de esquerda, ou de ter frequentado qualquer faculdade de direito -mesmo tendo ou não concluído o curso-, facilmente consegue destrinçar o correcto do indigno. O princípio da Justitia nasce no interior, na alma de cada um de nós e, como água límpida e pura saída de nascente, brota o seu espírito de equidade de dentro para fora no indivíduo. Ou seja, a justiça é um sentimento individual imanente que radica na intuição e na convicção de que, em sentido restrito, cumpre a lei. Por sua vez, em complemento de universalidade, em sentido lato, que realiza a igualdade entre os homens, é um direito natural que fundamenta a sua aplicação no bom-senso, na equidade e no pragmatismo, na prática do dia-a-dia. O seu propósito é avalizar a razão e encaminhar o humano para o bem -o direito positivado (escrito) apenas o corrobora e afirma. Por sua vez o direito escrito assenta em três preceitos:

Viver honestamente, não ofender ninguém, dar a cada um o que lhe pertence
(Ulpianus, jurisconsulto romano, 150-223, depois de Cristo)

E então, agora, vamos ao caso concreto, em que foi noticiado pelo Correio da Manhã (CM) o acontecimento de um idoso que, recebendo de reforma 390 euros e pagando de renda 69 euros -valor alegado por António Horta Pinto-, foi despejado pelo tribunal depois do seu senhorio ter reivindicado 600 euros.
Para melhor compreender, pegando nas partes em conflito, proprietário e inquilino, incidindo em cada um deles, vamos aplicar os três preceitos do direito na ocorrência publicitada pelo CM.
Comecemos pelo inquilino:
Vive honestamente?
Partimos do pressuposto de que sim.
O sucedido ofende alguém?
Sim, ofende a chamada moral social -mas nem sempre a moral caminha ao lado da lei. Em justificação, é inconcebível que um cidadão aufira uma reforma tão baixa, de 390 euros. Se há ofensa, naturalmente, há agressor. Quem é? Antes de apontar um culpado, temos de dizer que o organizativo de pensões assenta num sistema de descontos cumulativo. Porém, a aposentação só foi levada a sério a partir de 1970 -por Marcelo Caetano-, mas apenas para algumas profissões. Embora já antes os descontos para a antiga Caixa de Previdência e Abono de Família fossem obrigatórios em algumas classes nem sempre eram executados. Só passou a ser geral e com direito a reforma para todas as classes trabalhadoras em 1976 com a promulgação da Constituição da Republica Portuguesa, e com a implementação, ainda que ténue, do Estado Social de Bem-estar. Portanto, sendo justos, apesar de haver actualmente um Complemento de Reforma para Idoso, os cidadãos de vetusta idade continuam a ser prejudicados em comparação com os mais novos.
Mas não é caso único! Há milhares de portugueses no mesmo escalão. Só para melhor exemplificar, e apenas por isso, o redactor, agora com 61 anos, trabalha desde os 10 anos, por conseguinte há 51 anos, e tem 48 anos de descontos efectivos para a Segurança Social. Pediu agora a reforma. Quanto vai receber? A verba de 441 euros.
A este idoso noticiado no CM, está a ser-lhe dado o que lhe pertence?
Perante a lei, no sistema de proteção que vigora, imagino, está a ser-lhe atribuído o que tem direito. No entanto, pela prerrogativa de ter começado a descontar tarde, não tenho dúvida de que está a ser prejudicado. Sabendo nós que entre tantos milhões desbaratados para apoiar a banca e outros sectores que deveriam responder por si, o Estado, criando leis que lhe dão jeito e sempre visando resultados eleitorais, continua a ser uma entidade abstracta de pouca credibilidade e pouco preocupada com os mínimos de bem-estar para os cidadãos mais carenciados.
Claro que, embora não escrito, há um princípio de defesa na velhice que deve acompanhar todos enquanto são novos: trabalhar esforçadamente e poupando o máximo para prevenir um eventual fim de vida não acompanhado pela Segurança Social.
E, utilizando o mesmo método de análise, passemos para o senhorio:
Vive honestamente?
Partimos do pressuposto que sim.
O sucedido, ou seja, ter pedido um aumento de renda de 600 euros, ofende alguém?
Enquanto proprietário de um imóvel, a lei confere-lhe o direito de, independentemente dos rendimentos do inquilino, pedir uma actualização com base no valor fiscal do edifício. O aumento foi legal? Foi especulativo? Como não possuímos dados, não sabemos. Cabe ao inquilino contrapor o valor através das instâncias judiciais. Se o processo não foi acompanhado de perto por desleixo do arrendatário -que, como se sabe o desconhecimento da lei não escusa- e inoperância da Segurança Social e prescreveu o direito de contestação, a culpa não pode ser nunca atribuída ao senhorio. Portanto, à luz da lei, que é o que interessa aqui, a ofensa é considerada improcedente.
Acrescenta-se ainda que, por obrigação do princípio Social de Bem-estar mínimo, cabe ao Estado, através da boa distribuição e justa aplicação dos impostos, assegurar o constitucional direito a uma habitação. Por conseguinte, querer passar a obrigação para os privados, como no caso, só por má-fé ou má interpretação da lei se pode aceitar. Compreendem-se certas posições extremadas porque este processo está inquinado por uma apreciação ideológica por parte do cidadão comum, mal formado, e muito profissional, funcionário ou técnico independente da justiça, injusto. Por parte da classe política partidária, interessada apenas na sua eleição, nem vale a pena falar.
Segundo dados oficiais das Finanças, existem 115,828 contratos de arrendamento antigos, anteriores a 1990. A levar em conta a posição de tantos, só quando estes arrendatários morrerem- ou os edifícios caírem de velhos- se resolverá este cancro social que continua a minar o desenvolvimento das cidades, vilas e aldeias do país.
Está a ser dado ao proprietário o que lhe pertence?
Sem dúvida alguma! Se o o direito à impugnação não foi exercido pelo inquilino e a prescrição extinguiu o processo de contraditório, como foi dito em cima, naturalmente que a devolução do locado ao seu legítimo proprietário é meramente uma justa retribuição.
É certo que o procedimento por parte da Segurança Social, ao demorar seis meses para responder ao pedido de assistência jurídica ao inquilino, é a todos os níveis escandaloso, reprovável e condenatório e, pelo menos nos que defendem a justiça justa, igual, para pobres e ricos, não pode deixar ninguém insensível. Mas, atenção, essa responsabilidade apenas terá de ser assacada à instituição social e não às partes em confronto. Por uma questão partidária, de cor política, sendo sério, não se devem misturar alhos com bugalhos.

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