terça-feira, 2 de janeiro de 2018

COMÉRCIO: CONSTATAÇÕES E PARADOXOS






Para os mais atentos e que se preocupam com questões de cidadania local, este final do mês de Dezembro, do ano transacto, diferindo um pouco dos anteriores finais de ano, ficou marcado por uma manifestação pública de cerca de quatro dezenas de comerciantes em frente à Câmara Municipal de Coimbra, no dia 20, a pugnarem por uma intervenção, ou seja, um outro olhar camarário sobre o estado decadente da Baixa comercial.
Por parte do executivo, em constatação, parece que nada aconteceu na cidade. Isto é, usando o ostracismo, o desprezo, como arma política, os vereadores do executivo, com pelouro, fazem de conta que tudo continua na modorra e na paz dos anjos de sempre. Assim como se o que tivesse de encerrar encerrasse de vez e já estancasse a sangria. Acontece que não é assim.
Em paradoxo, o executivo, fingindo que não vê, não ouve, não pressente, está a fugir à sua responsabilidade. Porque vejamos, em metáfora, se uma árvore no Parque Manuel Braga adoecer e morrer, em princípio, não será assunto a ser discutido em reunião camarária, mas, continuemos a imaginar, se todas as plantas do parque público, uma atrás de outras, começarem a apresentar indícios de maleita e a morrer já é obrigação do governo local tomar providências para acautelar a calamidade.
Agora passemos para a realidade comercial. Nos últimos tempos, sobretudo na meia dúzia de anos que passou, praticamente assistimos a uma razia no desaparecimento de lojas comerciais mais antigas. Especulando, é de antever que o seu universo, na actualidade, nesta zona velha teria passado de cinco para cerca de três centenas, pergunta-se:
-Sabendo a importância que estes pontos de venda têm na vivência da urbe e que fazem parte da atracção turística, é possível compreender a quietude do órgão municipal?
-Mais: sabendo nós que as Ruas Visconde da Luz e Ferreira Borges, sendo as artérias principais da Baixa, têm neste momento 17 estabelecimentos comerciais encerrados (incluindo três entradas de porta que foram, durante muitos anos, negócios) e que outros estão em linha, não será assunto para ser debatido pelo governo local?
-E percebermos que a Rua da Sofia, uma notável antiga artéria de colégios que, pela sua longa historicidade, deu aso a ser classificada pela UNESCO como Património da Humanidade, tem 8 estabelecimentos encerrados, não deveria gerar preocupação?
-Se considerarmos que a Rua Adelino Veiga, outrora uma das mais importantes para o comércio, hoje tem 18 lojas encerradas -há poucos dias encerrou uma ourivesaria-, isto não deveria constituir um ponto na ordem de trabalhos dos dirigentes pela (des)ordem pública?
-Se entendermos que a Rua Eduardo Coelho, até há poucos anos uma das vias estreitas com mais movimento de transeuntes, hoje está desertificada e tem 8 lojas encerradas, isto não será tema para quem manda?
Enquanto eleitos por sufrágio popular, fosse por escassa ou larga margem, estas pessoas com assento parlamentar são os representantes dos eleitores. Esperando que a sua insensibilidade não seja para lamentar -resta sempre uma vã esperança de intervenção-, são elas que têm obrigação de analisar o que está acontecer e tomar medidas para contrapor a devastação. A lamentação de que os comerciantes são assim ou assado, não se entendem, ou não têm quem os represente são simplesmente desculpas esfarrapadas para se manterem quietos e calados. Questões internas de associação, se é certo que os fragilizam, apenas dizem respeito aos intervenientes. O que deve prevalecer é a defesa da cidade, da sua segurança -um encerramento contribui fortemente para a sensação psicológica de temor de quem cá permanece ou simplesmente passeia- da sua vitalidade, do seu futuro. Uma urbe, como catalizador, deve gerar vários movimentos de regeneração -e até sentimentos- entre emprego, prazer de viver, orgulho citadino, e, acima de tudo, deve ser um polo gerador de riqueza -que, tendo governantes justos, a devem distribuir com equidade e tomando atenção aos mais frágeis. Um lugar habitado sem vida é um poço de doenças sociais.

E A OPOSIÇÃO? COMO É QUE SE APRESENTA?

Nem sei se estas palavras serão minhas, mas costumo dizer que a oposição só governa bem quando está no lado oposto da barricada. Para perceber melhor, basta ver que a Baixa caiu muito mais a partir de 2013, ano em que o Partido Socialista (PS) tomou conta dos destinos da cidade. Com a Coligação PSD e CDS no poder, entre 2001 e 2013, a Junta de Freguesia de São Bartolomeu, com Carlos Clemente a liderar, elevou sempre a Baixa bem alto na Assembleia Municipal. Nessa altura, Clemente era o rosto visível da oposição no terreno. Já a Junta de Santa Cruz, com representante eleito nas cores do então executivo, nem por isso dava nas vistas. Hoje, com Clemente a ser “comido” pelo poder -é adjunto da presidência-, o Centro Histórico está afónico, sem voz e sem representantes que se notem. É certo que a agregação das juntas de freguesia pelo país fora concorreu para isso, e, neste caso, em que se transferiu a sede da União de Freguesias de Coimbra para os Arcos do Jardim, juntando as duas premissas, tudo concorreu para a Baixa continuar órfã, sem voz no hemiciclo. É certo que os novos eleitos só há pouco tomaram posse e, sendo justo, sobre a sua posição e sobre o que vão fazer ao longo dos próximos quatro anos, mantém-se a dúvida. Com justiça, não é fácil de mostrar ao público o seu trabalho já que os jornais locais pouca importância dão à oposição.
Portanto, em constatação, verifica-se que, pela passividade, a forma de estar da oposição sobre a decadência do comércio local é algo oportunista. E, pelo desaire, incomodativa. Pelo nada fazer, é como se esperasse que caia ainda mais no charco para ver o que acontece e só depois agir. É verdade que os manifestantes, até certo ponto numa certa inocência -ou arrogância?-, até repudiaram o seu papel, mas, tendo em conta o interesse público, cabe a esta mesma oposição escolher, com bom-senso, entre os valores menor e maior.
Em paradoxo, salta à vista o lugar escolhido, cómodo, de nada fazer, pela oposição. Sabe-se que o seu desempenho instrumental, perante os eleitores, deve resultar sempre da inoperância do partido que ocupa o poder, no preenchimento de lacunas governativas, e mostrar que é uma alternativa. Ora, ao não aproveitar as notórias deficiências da vereação PS, parece que os eleitos pelo contra, tal como os seus congéneres, estão a dormir em serviço.

E OS COMERCIANTES? ESTARÃO MESMO EM CRISE?

Já nem pego nas milhares de frases e orações que tenho escrito nos últimos anos acerca da depressão continuada que atravessa o comércio tradicional, mas basta olhar para o clima, pesado e de apelo, lamentoso nas redes sociais, e sem esquecer o protesto no passado dia 20 para a constatação de que o comércio de proximidade está atravessar a sua pior fase. Já muito escrevi sobre as várias ameaças que saltam de todo o lado, desde o comércio electrónico até à continuada proliferação de grandes áreas comerciais, tudo parece indicar que os tempos que se avizinham serão de muita preocupação.
Em paradoxo, como entender que hoje, terça-feira, somente cerca de trinta por cento das lojas da Baixa se encontrem abertas? Afinal, estamos em crise ou não? Se calhar só alguns a sentem, poucos, como eu.
Para ilustrar, os meus desaparecidos pais, nas décadas de 1950 e seguintes, trabalharam sempre durante todos os dias da semana, incluindo Domingos e feriados. Porquê? Porque eram muito pobres e só assim evitaram que a fome entrasse na nossa casa. Apesar de nem um nem outro saber ler, pelo bom-senso, pela sua experiência de vida, sabiam que de pouco valeria pregar ajuda ao povo do lugar que eram necessitados se o seu comportamento não fosse consequente.
Os mais velhos, com toda a sua ignorância, querendo nós ver, ensinam-nos muito. O problema reside quando os mais novos não querem saber. Claro que nunca pensaram que mudando-se os tempos, tão marcadamente, se mudariam os procedimentos e as vontades.

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