sábado, 20 de janeiro de 2018

BAIXA: AS RUAS TAMBÉM MORREM

(Imagem da Web)




Para reflexão de um calmo Sábado à tarde, podemos começar por interrogar: o que leva uma(s) rua(s) da cidade a morrer?
Contrariando, para tornar o pensamento sustentável, apresentando as variáveis que lhe dão vida, sem certeza na hierarquia, poderemos adiantar que a primeira será o meio de ligação mais curto. Ou seja, a distância entre uma saída, a montante, e uma entrada, a jusante, que leva menos tempo a percorrer. Por conseguinte, a lonjura entre as duas cambiantes, como economia de tempo, é pensado antecipadamente como um plano de viagem a pé de modo a ser o mais rápido possível.
Outra variável que dará movimento a uma artéria -ou a condenará a morte certa- será, por exemplo, a troca de uma rotina diária. Por exemplo, entre outros, mudar uma paragem de transportes colectivos. Para outro local.
Outra ainda, será o desaparecimento da génese corporativa. Exemplificando, uma via que historicamente e na sua identificação sempre foi encarada num determinado ramo de comércio perder a alma que lhe deu espírito durante mais de um século Coimbra, no centro histórico, tem muitas muitas ruelas que ligavam às corporações de artífices: Rua da Louça, Rua das Padeiras, Largo das Olarias, Rua dos Esteireiros, etc.
Outra mais ainda, será a deslocalização/desertificação, esta a concorrer para agudizar as três enunciadas. Isto é, à medida que a urbe alarga pela criação de novas centralidades e o coração da cidade vai ficando mais vazio o fluxo de transeuntes diminui. Aqui, naturalmente, está incluída a perda de empregos quer no comércio, quer na indústria, quer na função pública, esta, com a deslocalização de direcções gerais para outras cidades -ocorreu sobretudo no magistério do governo de José Sócrates-, assim como serviços transferidos para outras áreas da cidade. Como é óbvio, também a falta de políticas de rejuvenescimento habitacional das últimas décadas, que conduziram a um esvaziamento de moradores.

II

Lembrei-me de escrever sobre este assunto porque, como uma calamidade atmosférica que se bate sobe uma determinada região e, aos poucos, a torna desértica, na Baixa, sem que aparentemente haja alguém que se preocupe com este facto, paulatinamente, estamos a constatar este fenómeno em algumas artérias que, em outros tempos, foram grandes vias habitacionais e comerciais e hoje, perante os nossos olhos e sem que nada se faça para o impedir, estão em coma profundo.
Iniciemos pelas mais notórias, onde a falta de transeuntes, pede uma profunda intervenção de revitalização social:
Rua Adelino Veiga -este homenageado em placa toponímica na antiga Rua das Solas foi um grande poeta operário e, para além disso, grande benemérito e filantropo na cidade. Nasceu a 18 de Novembro de 1848, na Rua das Solas e faleceu a 8 de Março de 1887, no Largo do Romal. Esta via, numa extensão de cerca de pouco mais de de uma centena de metros, liga o Largo das Ameias à Praça do Comércio, se durante o século XIX albergava vários ofícios, já em meados da centúria seguinte foi conhecida pelos muitos bazares de brinquedos. Por altura de 1980, já em profunda mudança, com estas populares casas a encerrarem umas atrás de outras, detinha muitas casas de pronto-a-vestir. Na década de 1990, foram feitas duas mudanças que contribuíram para a total transformação da rua do poeta morto: até aí, a saída de passageiros da Estação Nova era unicamente feita pela porta principal. No escoamento dos comboios, para aceder a outras partes da cidade, a via mais próxima era a Rua Adelino Veiga. Sempre que chegava um trem aquela via enchia com centenas de pessoas a cruzarem-se. Sem se saber a razão, mais que certo para facilitar a desconcentração de passageiros, eis então que foi aberto um portão lateral que dá para a Rua António Granjo e que fica em linha recta com a Rua das Padeiras. Ao mesmo tempo, foi também mudada uma paragem dos autocarros dos SMTUC. Saiu do Largo das Ameias para a Rua António Granjo. Resultado destas alterações: a Rua Adelino Veiga começou a ficar deserta de passantes. Em consequência, paulatinamente, foram encerrando as grandes casas de comércio, Fetal, Saul Morgado, Modas Veiga, Eldorado. Hoje é uma artéria em morte clínica. Com quase uma vintena de estabelecimentos encerrados.
Rua do Corvo -conhecida assim por a meio ter um corvo preto por cima de um antigo estabelecimento de mercearia. Esta artéria, que liga a Praça 8 de Maio até ao Largo da Maracha, durante o último século, sobretudo a partir de meados, foi conhecida pela rua dos tecidos a metro -as lojas, numa identidade muito própria, penduravam os tecidos de várias cores por cima das portas. Hoje, apenas com duas que ainda praticam este género de negócio e com amostras penduradas, com alguns encerramentos, é uma rua solitária que busca uma nova identidade.
Rua Eduardo Coelho – conhecida ainda hoje por rua dos sapateiros, por albergar muitos artífices da arte de coser e cortar cabedal para os pés ao longo dos séculos XIX e XX. No início de XX passou a chamar-se Eduardo Coelho em homenagem ao fundador do Diário de Notícias, que nasceu nesta ruela.
Por volta de 1970, o artífice manual já tinha dado lugar à venda de artigos prontos para os pés. Embora existissem também duas ourivesarias, era composta essencialmente por estabelecimentos com venda de sapatos. Há cerca de uma década detinha em funcionamento 13 sapatarias. Hoje, em memória do passado, restam apenas quatro em funcionamento. Ao longo das suas cerca de oito dezenas de metros, neste momento tem 8 lojas encerradas
Valerá a pena pensar nisto? Estas linhas servirão para alguma coisa?

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