quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

MEU LIVRO, MEU COMPANHEIRO, MEU AMIGO




 Desde Segunda-feira que, segundo um vizinho que pediu o anonimato, “duas camionetas de caixa-aberta, fazendo duas viagens, entre as 07 e as 10h00 da manhã, saem carregadas de livros antigos e recentes, presumivelmente, propriedade da Livraria Almedina”. Muito indignada esta testemunha contou o que ouviu ontem a um dos transportadores, ao telefone com alguém do seu conhecimento, dizer: “venha já! Já mandei 10 camiões para o lixo!”
Disse ainda este depoente: “isto é uma coisa sem nome. Não se admite mandarem livros antigos e recentes para o lixo. Alguns de 1950 eu vi lá no meio do entulho. Entre eles muitos livros jurídicos. Desde Segunda-feira, de manhã, que tem sido aqui um corrupio de pessoas a retirarem os livros das carrinhas. É uma coisa louca! Olhe que entram pela porta dentro e parecem querer pôr mão a tudo, como se tudo o que vêem fosse para mandar para o lixo. É um acto inconcebível o que tenho visto nestes dias. Se o velho Joaquim Machado –proprietário da Almedina, já desaparecido de entre os vivos- viesse cá e visse o que está acontecer, tenho a certeza, porque o conheci bem, preferiria morrer outra vez. Estou simplesmente indignado!” –enfatizou a minha testemunha.
Hoje, cerca das 9h30, falei com o encarregado da carga. Ao ser questionado pelo destino dos livros, disse o seguinte: “estes livros vão para Soure, para a reciclagem, tudo está a ser feito de acordo com as normas do Ministério do Ambiente”.
Não vou fazer aqui mais considerações. As reflexões ficarão para quem ler este texto.


APRESENTADA PARTICIPAÇÃO NO DIAP

Exmo. Senhor

Procurador-adjunto do Ministério Público



PARTICIPAÇÃO E PEDIDO DE AVERIGUAÇÃO

Luís Fernandes, casado, portador do B.I. nº …., de …, comerciante de artigos decorativos, velharias e antiguidades, nesta cidade de Coimbra, tendo constatado que, desde a última Segunda-feira, diariamente, 2 camiões, efectuando mais do que uma viagem, carregam livros antigos e recentes, provavelmente, propriedade da livraria Almedina para, presumivelmente, a reciclagem.
Em conversa com um vizinho que pediu o anonimato, este, confidenciou que ontem ouviu um dos transportadores ao telefone a contactar alguém, seu conhecido, e onde teria dito: “venha já! Já mandei 10 camiões para o lixo!”. Foi afirmado também por esta testemunha ocular que, desde Segunda-feira, “são 4 camiões diários a transportar parte da nossa cultura”.

SUSTENTÁCULO PARA ESTA PARTICIPAÇÃO

1-O aqui participante não tem conhecimentos de direito. Logo não sabe se este acto poderá ser apreciado sob a óptica penal. Porém, com base no artigo 78º da Constituição da República Portuguesa, que plasma o seguinte

“1. Todos têm direito à fruição e criação cultural, bem como o dever de preservar, defender e valorizar o património cultural

2. Incumbe ao Estado, em colaboração com todos os agentes culturais:

c) Promover a salvaguarda e a valorização do património cultural, tornando-o elemento vivificador da identidade cultural comum”

solicita o aqui expoente que este facto seja sujeito a apreciação  por V. Ex.ª e averigúe se este acto pode consubstanciar acção penal.

2-O aqui arguente não conhece nenhuns dos presumíveis autores. Mais ainda, afirma solenemente que nada o move contra a livraria Almedina.

3-O que o deixa apreensivo é esta “destruição” massiva de livros, mesmo tendo em conta o reconhecido legítimo direito à propriedade dos autores.
Entende aqui o arguente que, mesmo que os livros antigos e recentes tenham por destino a reciclagem e consequente defesa ambiental, estamos perante um acto factual de lesa-cultura, de aniquilação de património comum, que, num tempo em que se apela à poupança e preservação de bens, deveria indignar qualquer cidadão comum e que se preocupe com a defesa dos valores culturais e da cidadania.

Coimbra, 15 de Dezembro de 2011

(Luís Fernandes)

3 comentários:

LIliana Azevedo disse...

Entendo o seu pesar, porque também eu sinto um aperto no coração ao ver tantos livros deitados ao lixo! Eu mesmo fui lá buscar uns quantos. No entanto, julgo que existe uma coisa chamada Direitos de autor ou ISBN e, segundo dizem, não é possível doar livros neste caso. Não sei como essas coisas se processam, nem tão pouco se é bem assim, mas a verdade é que ouvi na rádio qualquer coisa do género. Ouvi uma vez na rádio alguém que sabe das leis dizer isso, agora não sei se a lei já mudou!
No entanto, e seja como for era preferível vende-los a preços simbólicos e depois, porque não, doar esse dinheiro a alguma instituição. Agora deita-los assim ao lixo? É de facto lamentável, deplorável, um crime!

Jorge Neves disse...

Podiam doar os livros aos Bombeiros Voluntarios para depois os venderem a um preço simbolico.

Marta Amaral disse...

Bom dia. Quando li no Diário de Coimbra esta notícia também fiquei algo indignada. Realmente deitar livros para a reclicagem é algo que me deixa sem palavras. E mais uma vez penso que a tão falada Crise, não é apenas e somente crise a nivel financeiro mas essencialmente Crise de Valores. Mas meus caros por enquanto os valores ainda não pagam impostos, por isso não os justem ao molho de livros que estão a seguir em camiões para Soure.
Não conheço as leis, mas sou da opinião que há muita lei que está incorrecta, então neste caso muito específico ok não é possível doar os livros, isto faz sentido se a resposta for não então mudem a lei se faz favor. E concordo com a Liliana que os livros poderia ser postos à venda por um preço muito simbólico, ou então podiam ser colocados numa banca e quem quisesse podia pegar e levar, mas se calhar também isto não seria permitido por lei. Enfim, é o que temos muitas muitas leis, que não são nada funcionais, mas quem sou eu para questionar as leis que nem as conheço? :-) (o sorriso é porque quando as situações são demasiado ridículas precisamos de nos rir e claro fazer o ligeiro abanar de cabeça).