Inevitavelmente, há sempre duas formas de avaliar uma acção. Para uns será a manifestação da total concordância com o acto, para outros, sempre em minoria, como balança de dois pratos, pesarão os prós e os contra e discordarão.
Comecei
com esta introdução para dizer que fechou há pouco a pensão do
senhor Salgado, na Rua Adelino Veiga. Retornando à inserção
anterior, para uns era um antro de perdição, para outros, os seus
clientes furtivos e de ocasião, era um paraíso, e o seu fecho será
sempre uma pena, uma decisão inqualificável.
Há
dois anos entrei lá e escrevi este texto. Leia aqui. Chamei-lhe
o “Sol da meia-noite”. Durante muitos anos,
décadas, foi uma pensão que alugava quartos às “meninas”
que vagueiam por ali a emprestar o corpo e a vender a alma em negócio
não regulamentado nem reconhecido pela lei. Bem sei que dito assim,
para muitos, é uma violência, mas para que raio vou eu estar a
alindar e a aligeirar uma verdade perceptível, palpável e notória
aos olhos de todos?
Só
ontem me dei conta deste encerramento, aparentemente e segundo se
consta, realizado pela ASAE. Em nome da justiça dos homens dito
justos, em nome da salubridade necessária, em nome de muitas
famílias, naturalmente que não pode haver contestação. Ou pode?
Agora,
que esta casa de “desenrascanço” fechou, para onde
irão estas mulheres da vida levar os seus clientes? É
óbvio que se calhar estou a preocupar-me com assuntos que nem
merecem um segundo de atenção para a maioria. Não sei se merecem
ou não. Pelo menos para mim, sobretudo porque lá entrei há dois
anos e fiquei sempre a pensar na função social que aquela casa
prestava, merece uns minutos de reflexão.
Ontem,
na Rua Adelino Veiga, ao aperceber-me da porta fechada, tentei falar
com uma prostituta para me dizer o que significava este cortar de
acesso a um quarto, decrépito e sujo, mas onde haveria um bidé e
água corrente. Ela, como não me reconheceu, tratou o caso com
evasivas. Depois veio outra que me conhece bem daqui da Baixa –não
por ser seu cliente, que, diga-se, poderia perfeitamente ser, mas por
outros motivos. Estas mulheres merecem todo o nosso respeito. Andam
na rua porque os homens como eu, como você, como outros procuram os
seus serviços. Conhece-me porque há dois anos amparei uma
prostituta que tinha sido assaltada e, entre todas, a acção correu
célere. Passei a ser reconhecido como se fosse alguém que não faz
mal e lhes quer bem. Dizia eu então que quando veio a outra mulher,
que me reconheceu, já a outra se “abriu”. Quando lhe
perguntei como é que era agora? Ou seja, encerrando a pensão do
senhor Salgado para onde levavam agora os clientes? Respondeu que
“olhe, levo para onde calhar. Se preciso for vou para a
estrada e é na mata que faço o serviço. Já sou velha mas tenho de
continuar a ganhar a vida!”.
A
outra, aquela que me reconheceu, foi um pouco mais comedida, “olhe,
foi pena. O senhor Salgado era muito boa pessoa. Muitos dos que lá
estavam não lhe pagavam e, pode crer, foram estes mesmos que foram
fazer queixa dele à ASAE. A vida é muito ingrata, não é? Mas
olhe, não faltam aqui pensões na Baixa que nos amparam. Não é
preciso ir para a estrada. Acredite…”
1 comentário:
Está mais que na hora de legalizar a prostituição e os estabelecimentos que as acolhem para o negócio do sexo. Pagar impostos é um dever de todos
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