DESFILE DE PAIS NATAL COBERTOS PELA ROSETE "SEMPRE EM CIMA"

 Ontem recebi ordens do chefe do blogue, o Luís Fernandes -não devem conhecer, e ainda bem, assim pelo menos não correm o risco dele vos pedir dinheiro e depois não pagar-, como sempre, sobretudo ultimamente, com palavras secas como as folhas outonais que atapetam o chão: “amanhã, pelas 10 de Santa Cruz, esteja à porta da Câmara Municipal para fazer a reportagem sobre um cortejo de Pais Natal que irá desfilar pelas ruas da Baixa. É promovido pela APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra, e pela Associação Integrar. Leve consigo um pacote de café e um quilo de açúcar para estas duas instituições oferecerem aos sem-abrigo”.

Ainda argumentei que não havia açúcar nas prateleiras dos supermercados, a ver se me escapava, mas, qual quê, o “mastronço” estava irredutível.

Hoje, eram sete da matina despertou o relógio. Ai, se me custou largar o quentinho dos meus lençóis de flanela. Mas tinha de ser, e quem tem obrigações não olha a contemplações. Eu demoro sempre duas horas e meia a arranjar-me. Para manter um corpinho destes e uma cara de boneca de porcelana tem seus custos.

Começo por entrar dentro da banheira para tomar banho. Como sempre, já sei que, perante o meu corpo escultural, o chuveiro vai arreganhar a fateixa, mas não ligo. Eu tenho lá culpa de ser melhor que a ex-namorada do Ronaldo, a modelo russa Irina Shayk? 
Enquanto seco os meus longos cabelos compridos negros vou olhando a minha imagem reflectida no espelho. De vez em quando desligo o secador e aprecio esta extraordinária obra da natureza humana. A Vénus de Milo ao pé de mim é simplesmente uma cópia rasca. Eu é que sou a verdadeira Afrodite, deusa do amor. Mais uma escovadela e olho outra vez a minha imagem reflectida. Às vezes chego a pensar que sou narcisista, mas claro que não. É normal uma pessoa gostar de si e sentir o alvoroço que causa no género masculino.

Agora estou perdida nas sombras. Qual cor devo colocar nas pálpebras, por cima dos meus olhos verdes? Como vou vestida de mãe Natal, se calhar, vou pintar de roxo. É isso mesmo. Estico as pestanas. Sempre que faço isto lembro-me da Esmeralda, uma gata persa que tive há uns anos e que me desapareceu embrulhada num romance com o Adónis, um gatão, engatatão, aqui do meu vizinho do lado. Vou disfarçar estas olheiras profundas. Acho que ando a dormir mal. Desde que o chefe me abandonou nunca mais dormi como deve ser. Sonho, sonho e volto a sonhar. Faz-me falta aquele abraço de calor envolvente. Se calhar estou a ficar insegura. Também pode ser da quadra. Há quem diga que o Natal deprime, e, quanto a mim, até existem razões objectivas para isso. Aquela visão do nascimento num estábulo, aquilo faz algum sentido? Sinceramente! Já deviam ter substituído aquelas personagens históricas. E, no mínimo, vestirem-nas como deve ser. Bolas, aquele nascimento foi há mais de dois mil anos. Continuar tudo na mesma não será o paroxismo do pacovismo?

Por exemplo, Maria deveria largar aquelas vestimentas de doméstica de trazer por casa e de ar humilde. Deveria ser substituída, sei lá, por exemplo, pelo estilo da Ana Gomes, com aquele ar de bulldozer, como dizia a diplomacia norte-americana. O carpinteiro José já há muito que deveria ter largado aquela tristeza toda de profissão, uma vez que está em desaparecimento. Deveria ser substituído, sei lá, assim pelo jeito do Carlos Encarnação, que agora até está reformado da política e até conserva aquele ar dolente de quem não quebra um prato. Além de mais sempre lá poderia continuar a tomar conta dos netos.

Manter os Reis Magos, o Belchior, o Baltazar e o Gaspar, naquela figura, a tentarem corromper o menino, a oferecerem ouro incenso e mirra, nos nossos dias, em que se fala tanto de lutar contra a corrupção, faz algum sentido? Claro que não, vá lá, que se mantivesse o incenso e a mirra, no máximo. No lugar do ouro deveriam permitir apenas um jogo de computador, uma chupeta, sei lá.

E continuarem com os animais próximo do menino, quase em cima dele, está errado. Sabe-se lá as doenças que ele pode apanhar? Pulgas e outras coisas mais? Porque, aposto, que o gado nem sequer está vacinado. Estive a ver no átrio da autarquia, no presépio, e não tinham brinco. Admite-se?

Estou completamente produzida. O tempo passou a correr. Vou mas é vestir esta minissaia vermelha, acompanhado de um casaco justo, enfiar o “garruço”, e lá vou eu para a Praça 8 de Maio, que falta um quarto de hora para as 10 horas.