quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

UMA ESCUTA MISTERIOSA

(IMAGEM DA WEB)



  Hoje, à hora do almoço, o nosso satélite espião Questões Transcendentais começou a debitar extractos de uma conversa entre dois homens. Fosse lá porque chovia torrencialmente ou não, a verdade é que sempre que eram nomeados os seus nomes aparecia um ruído de fundo em espasmos intervalados. Era assim como se fosse um gato a arranhar na madeira. Raramente conseguimos apanhar as primeiras sílabas. Por isso, as nossas desculpas por sermos tão imprecisos, mas, como devem calcular, as culpas não nos devem ser atribuídas.
Vamos então à transcrição de fragmentos do diálogo. Peço que considerem o “trrran…trrran” como o ruído abafador não identificado:

-Alô, é o Car…“tran”…”trrran”? Estás bom, pá?


-Ora viva, “Zé…”trrran”! Como é que vais?


-Muito bem, mesmo bem, felizmente!
Ó pá, não te tenho telefonado porque, sei lá, não fosse alguém escutar as nossas conversas…


-Não te preocupes. Eu calculei. Fizeste bem. Sabes que por aqui há mais ouvidos que pessoas. Andam sempre de orelha no ar, constantemente, a ver se escutam conversas indiscretas. Mas também não precisavas de me ligar…está tudo a correr conforme o combinado. Fogo, estava a ver que o tempo nunca mais passava, fod…”trrran”!


-Ó pá!, acabaste por ter muita sorte. Esta coisa do metro veio mesmo a calhar…


-Achas? Sei lá! Às vezes penso que estes gajos aqui na cidade podem não engolir a minha história…


-Qual quê, pá?! Esse pessoal aí é completamente atávico…


-É o quê? “Atávico”, o que é isso? Não podes falar português? Desde que foste para Bruxelas tornaste-te fino…


-Ó pá, não exageres, “atávico” significa o atraso das pessoas…não sei se estás a ver…é vermos pessoas todas modernas, todas intelectuais, mas com os defeitos de carácter dos seus antepassados…estás a compreender?


-Ah…não sabia. Continua então. Estavas a dizer que este povo é atávico..


-Ó pá, atávico é pouco. São é uns tansos. Mas ainda bem…se não fosse assim como é que eu, tu, que, por acaso, nem somos nenhumas sumidades de inteligência, nos safávamos?


-É verdade, pá. Diz-me uma coisa, ainda não te arrependeste de teres abandonado o país e atraiçoado quem votou em ti?


-Quê? Arrepender? Estás maluco? Isso de arrependimento é dos fracos. Os fortes não têm consciência.
Foi a melhor jogada da minha vida. Olha se eu tivesse ficado aí. Acontecia-me o mesmo que vai acontecer ao Sócrates, ainda o hão de correr à pedrada. Os portugueses para além de mal agradecidos são ingovernáveis. Quem é que aguenta isso?


-Sei lá, e, um dia, quando voltares?


-Ó pá, quando eu voltar não preciso nada disso. Eu quero lá saber dessa carneirada. E se precisar vou para as Nações Unidas.
Isso aí não dá pão a ninguém…


-Achas mesmo?


-Claro, Car…”trrran”. Mas vamos ao que interessa –que foi para isso que te liguei. Já fizeste as malas? Eu tenho acompanhado tudo daqui de Bruxelas. Ó pá, vi aquela tua entrevista ao Mário Crespo…fantástico, pá! Se eu não soubesse o que se estava a passar, acredita, tinha engolido completamente a tua história. Ó pá, tu tens mesmo jeito para o teatro…fiquei banzado!


-Tenho tudo pronto. Levo só três malas…


-Ainda bem, pá! Já tenho o teu gabinete apto, conforme tínhamos combinado antes das eleições. Aqui é que vais ver a diferença. Isto aqui é como um grande casino, não sei me entendes. Aqui joga-se nota grande, não é como aí. Isso é uma parvónia, pá! Aí joga-se a feijões…


-Ó Zé…”trrran”, nem me fales nisso! Custou-me muito aguentar, sobretudo este último ano, depois das eleições. Os outros dois mandatos de oito anos, olha, até passei bem. Sempre tive para aqui uns gajos que me tiravam o sono. Não sei se te lembras mas tive o Pra…”trrran”, ó pá, nem te conto, esse gajo ia dando comigo em doido! Tive depois esse gajo da Académica…foi um problema…mas acabou tudo em bem. Safei-me, e isso é que interessa. Agora este último ano, isto era mesmo uma pasmaceira. Não havia nada que me tirasse o sono…


-Nem o metro de superfície?


-Qual metro, qual carapuça? Ó pá, eu já sabia, desde 2005, quando estes gajos anularam o concurso internacional, que não ia haver metro para ninguém…


-Só que fizeste de conta que não tinhas percebido…


-Claro! Achas que eu sou estúpido? Eu já cá ando há muitos anos. Quando estes gajos nasceram eu já comia broa. Fui-lhes dando corda…não sei se estás a perceber?


-Ai não?! Pensas que não te conheço?! Olha se conheço a bisca!


-Ó pá, mas estou um bocadito preocupado…estes gajos, quando souberem que larguei a câmara para ir para Bruxelas, vão-me incinerar vivo…


-Qual quê? Isso é o que tu pensas. Piras-te daí e não te despedes de ninguém. Daqui por um tempo já ninguém se lembra. Essa cambada tem uma memória mais fraca que o meu primeiro computador…


-Achas?


-Claro, pá. Confia em mim. O mundo sempre foi dos espertos. Por alguma razão eu sou o patrão da Europa…


-Quando é que queres que eu embarque?


-Quando tu quiseres. Isso agora é contigo. Eu tenho tudo pronto à tua espera. Ó pá, tens aqui um gabinete que até manda ventarolas…até vais estranhar.


-Ainda bem, pá. Sabes que a minha saúde já não é o que era…


-Deixa-te disso. Não estás a falar para o Crespo. Acorda, homem, sou eu…o teu chefe…ouviste? “trrran…trrran….trrran…trrran…trrran…trrran….trrran…trrran…trrran…trrran…trrran”

3 comentários:

Jorge Neves disse...

A escuta foi desencriptada entre o Durão Barroso e o Carlos Encarnação. Vai ser o fim dos dois.

Sónia da Veiga disse...

Esse satélite vai ser a ruína dos políticos portugueses cara...trantrantran!!!
:-D

Fabuloso!

Já dizia o outro "A realidade é mais estranha que a ficção!!!". ;-)

Anónimo disse...

MAGNIFICO TEXTO!
A SER VERDADE O QUE O MEU AMIGO OUVIU E NÃO COLOCO EM DÚVIDA,É SIMPLESMENTE UMA VERGONHA.
CUSTA-ME ACREDITAR QUE O DR. CARLOS DE ENCARNAÇÃO ASSUMA QUALQUER FUNÇÃO EM BRUXELAS. MAS NÃO Á FUMO SEM FOGO.
ISTO É O DESCRÉDITO DE QUEM SE CANDIDATOU COM O SLOGAN "POR COIMBRA COM AMOR" .
MAS SE O FIZER, SEGUE AS PEGADAS DE DURÃO BARROSO E PORTANTO ESTÁ FEITA A PANELA E O TESTO PARA ELA.
FICO AGUARDAR NOVOS DESENVOLVIMENTOS. HAJA VERGONHA!
FELIZ ANO NOVO