(FOTO DE LEONARDO BRAGA PINHEIRO)
Para entrar na loja encostou-se à parede com as duas mãos. O seu rosto, pelo trejeito vincado em rugas de dor, mostrou o quanto custava percorrer aquela pequena distância até onde eu estava. Conheço-a, e na Baixa quem não conhece a Helena Costa que mora há muitas décadas na Travessa Paço do Conde? É daquelas residentes que, por nos cruzarmos todos os dias, acabamos por achar que fazem parte da nossa família.
Por entre passos arrastados, a arfar, como se lhe faltasse o ar para respirar, dirige-se a mim. “Tenho bronquite. Fumei de mais quando era mais nova. Não havia os alertas que há agora para os efeitos nocivos da nicotina. Acabei por ganhar um problema respiratório nos pulmões”, atira-me à laia de cumprimento, talvez porque a olhasse fixamente.
“Gostava que me ouvisse. Preciso de desabafar. No domingo passado, cerca das 07H00, acordei sem conseguir mexer as pernas. Sabe?!, já tenho 68 anos e, para além disso, tenho bronquite. Sentia uma dor lancinante que me apanhava os pulmões. Perante a impossibilidade de mover os membros inferiores fiquei em pânico. Não tinha mais ninguém a quem recorrer, levantei o auscultador e disquei o 112. Pedi ajuda para ir às urgências do hospital.
Do outro lado atendeu-me uma voz feminina. Conforme o enunciado da minha aflição, começou a bombardear-me com perguntas; se tinha alguém ao pé de mim, o que é que eu sentia; se estava bem disposta; se tinha as pernas inchadas. E eu ia respondendo a tudo o que me era solicitado. De vez em quando eu interrompia para dizer que ligara porque precisava de uma ambulância para me transportar ao hospital, e a senhora continuava a fazer perguntas, até que me irritei: “olhe lá menina, estou farta de tanta pergunta, pode enviar-me uma ambulância?”. Foi então que, com objectividade, me respondeu que não havia nenhuma. Disse-me para eu ligar para os bombeiros. “E qual o número de telefone?”, interroguei, dividida entre o desespero e a irritação.
Liguei para os bombeiros, só havia uma ambulância e estava de serviço. Não podiam satisfazer o meu pedido. Voltei a comunicar para o 112. Do outro lado, deste serviço de emergência médica, respondeu-me uma outra voz diferente da primeira. Mais perguntas, se estava bem, se tinha calores, se estava com frio. Mais uma vez, em repetição, pedi uma ambulância, e, comunicando a anterior conversa, disse que os bombeiros não tinham forma de me transportar. “Pois, mas nós também não temos. Ligue para a Cruz Vermelha”, ordenou-me a voz do outro lado do fio. De pouco valeu eu apelar ao facto de estar sozinha e não poder andar.
Conforme podia, durante cerca de uma hora, arrastei-me pelos 12 degraus que me separam da rua. Não sei quanto tempo demorei a chegar ao Café Angola. Só Deus e eu sabe o quanto me custou percorrer estes 100 metros agarrada aos edifícios. Por ser domingo, na rua, não se via vivalma a quem pudesse pedir ajuda. No café chamaram-me então um táxi e este levou-me às urgências. Deram-me logo uma grande injecção para eu recobrar os movimentos.
Eu podia ter morrido no meu quarto, lá no alto dos doze degraus que me separavam da vida. Eu preciso de lhe pedir para o senhor escrever o que se passou comigo. Não o faço apenas por mim. É preciso alertar a opinião pública. É a saúde das pessoas que está em jogo. O senhor entende o que quero dizer? O senhor pode fazer-me este favor?”
1 comentário:
Aqui entra o que eu defendo, ou seja,O Gabinete de Apoio Social e Cívico,em regime de voluntariado a parte civica e em protocolo a parte social, assim essa senhora idosa, não teria a necessidade de se arrastar 100 metros pelas ruas nem de estar a responder aquele batalão de perguntas.
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