sexta-feira, 16 de abril de 2010
ONDE ESTÁ O MEU MENINO?
Maria é apenas um nome, mas que interessa isso? Os títulos nas pessoas são apenas uma capa imaginária que serve para distinguir sem personalizar. É certo que há quem diga que há uma certa semelhança de comportamento na nomenclatura denominativa. Se é certo ou não, não sei. A verdade é que quando me é apresentado alguém estabeleço imediatamente relação com outra que conheço com o mesmo apelido.
Maria, este nome sem é o ser, mora na Alta da cidade há muitas décadas. A sua pele escura e os seus cabelos entrançados a balouçar sobre os ombros não enganam, Maria é africana da Guiné. Tem um ar doce, como doce e terno é o olhar de um animal abandonado que se arrasta pelos cantos da cidade à procura de um abrigo. De um recanto, um aconchego, quanto mais não seja um carinho. É um pouco adiposa de formas generosas que a natureza em contragosto acrescentou. Tem 42 anos, uns olhos de brilho amendoado, e uma cara redonda a fazer lembrar Clareece Jones, uma adolescente obesa do extraordinário filme “Precious”.
Quando me avistou no bar da dona Rosa, com um copo de sangria na mão, Maria veio abraçar-se a mim num enlace de saudade: “se…nhor Luís!!...Há quanto tempo!?..."
Entre as décadas de 1980 e 1990 tive um estabelecimento naquela parte alta da cidade. É engraçado como funciona a memória das pessoas. Uns gravam a fogo nos interstícios da mente pormenores passados. Para outros, como eu, embora seja muito ligado a tudo o que passei na vida, esqueci as minudências, a não ser acontecimentos que não me dá prazer recordar e que o destino, como que a martirizar-me, está sempre a lembrar-mos.
Neste pequeno encontro, Maria traz ali pequenas recordações armazenadas nos seus gavetões da memória. “E lembra-se disto? E daquilo?”. E a Maria chora. Não certamente pelo tempo passado, mas porque está vulnerável pela vida que leva. Encarando-me como porto de abrigo momentâneo, encontrando alguém que a escuta, ali, ela acolhe-se em mim, como criança se recolhe nos braços protectores de sua mãe.
Então Maria como vais? Interrogo. "Muito mal, senhor Luís" –e as lágrimas, como se estivessem amarradas e precisassem apenas de um pequeno clique, soltam-se por aquele rosto abaixo da minha amiga “Precious”, como águas a deslizar por uma colina em direcção ao rio.
“Perdi o meu menino! Numa manhã de Novembro, último, mandei-o para a escola de Almedina e ele já não regressou. Lá no estabelecimento de ensino disseram-me que ele, nesse dia, não foi. Estranho, não? Então se eu o mandei! Fui à PSP. Fui ao Tribunal de Menores. Ninguém me diz nada! Parece que o miúdo se evaporou. Estão a levar-me à loucura! E mais uma vez é acometida de um ataque de choro”.
Então pergunto: mas não seria a Segurança Social? “Não sei, senhor Luís, ninguém me diz nada. Eu como mãe não tenho direito a saber? É certo que as coisas não me têm corrido bem. Estive a trabalhar na Renamotores…depois comecei a beber…mas eu sempre tratei bem do meu menino! Onde estará o meu menino, senhor Luís?”.
Dona Rosa, baixinho, vai-me dizendo que “de certeza que foi a Segurança Social. Só podia ter sido. Às vezes eram 3 da manhã e o miúdo andava por aí no largo com ela. Deu em beber…coitada! É tão boa pessoa…mas é assim! É estranho que lhe retirassem o filho e não lhe comunicassem. Às tantas, informaram-na mas, sabe, é trágico separar um filho de uma mãe. Quem pode avaliar as consequências de um corte assim? Se foi, foi muito mal! Deveriam era manter a criança com ela. Apoiavam-na. É dramático…senhor Luís!”.
Como Maria não está a receber qualquer tipo de apoio, aconselho-a a ir à ADAV, uma instituição de apoio a mães, na Rua Lourenço Almeida de Azevedo, em Coimbra, e que conheço bem pelo bom trabalho social que desenvolvem.
Prometo que me vou interessar por saber o que aconteceu ao seu menino, transmito a Maria. “O senhor faz-me isso, senhor Luís? Muito obrigado…obrigado do fundo do coração! Ajude-me a encontrar o meu menino!” E mais uma vez uma torrente de mil prantos se arrastam pelo seu rosto bonacheirão.
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