sexta-feira, 9 de abril de 2010

COMÉRCIO: MAS, AFINAL, REIVINDICAR O QUÊ?

(FOTO DE LEONARDO BRAGA PINHEIRO)





  Logo à noite, pelas 20 horas, no restaurante Jardim da Manga, após o jantar, vai ser realizado um debate com os comerciantes da cidade para auscultar as suas preocupações.
Tendo em conta o momento gravíssimo que o comércio de rua atravessa, com lojas a encerrar semanalmente e, sobretudo, com uma classe de profissionais esbatidos e esmagados na força anímica, vale a pena reflectir para que servirá este encontro. Naturalmente que duas interrogações nos atravessam: o que querem os comerciantes e a quem irão direccionar as suas reivindicações?
Duma forma linear, parece que a resposta até é óbvia: à Câmara Municipal de Coimbra e ao Governo, alargando aqui o conhecimento à Assembleia da República, para que a oposição tome conhecimento e se oponha ao total desaparecimento do comércio independente.
Mas, depois de conhecermos os receptores da mensagem, surge outra pergunta: no caso da autarquia, o que pode (e deve) fazer, dentro da política local, para evitar o total extermínio do comércio tradicional?
Quanto a mim, pouco. Embora, numa primeira análise a frio e, sobretudo quando se conversa com os homens do comércio, o principal responsável por esta situação que surge em primeiro lugar é a autarquia. E porquê? De onde lhes advém este rancor? Num único acto, que por esperteza dos anteriores governos, passando a bola às autarquias na decisão e o ónus odioso da questão para não perderem votos, o licenciamento das grandes áreas comerciais.
Tirando esta premissa, uma vez que o mal já está feito, creio que quanto a isto nada há a fazer. No momento de retracção económico que se vive, o que está licenciado está, podemos estar descansados. O mal que havia a fazer está feito, não haverá mais pedidos de licenças. Então, afinal, num momento tão aflitivo como o comércio está a viver, o que pode fazer, no caso, a autarquia de Coimbra?
Primeiro deve começar pela política de aproximação. Há um muro invisível que, separando os comerciantes da câmara, é preciso quebrar a todo o custo. Os homens do comércio não reconhecem a autarquia como parceiro fiável para resolver os seus problemas.
Pode parecer prosápia o que estou a escrever, mas eu sei o que digo. Ando por aqui há muitos anos e, mais, interesso-me profundamente por estas questões que tocam as lojas comerciais. Como tenho este blogue, e gosto muito de escrever, falo com todos os que quiserem comigo bater um papo. É assim que, como observador atento, vou inferindo e retirando conclusões.
Ainda ontem, em conversa com um colega da Rua Ferreira Borges, a falar de um problema que o aflige há vários anos, me dizia que “a Câmara Municipal é uma força de bloqueio que contribui para eu me ir embora. É injusta nos procedimentos de equidade a que está obrigada. Não toma atenção aos meus legítimos queixumes. Eu precisava de fazer obras! Mas as obrigações legais, acessórias, são tantas que não faço. Aqui, incluo o Igespar. A autarquia contribui para a minha desmotivação. Em vez de olhar para mim como alguém que colabora no manter do desenvolvimento do centro Histórico, trata-me como um inimigo. A impressão que tenho é que pouco se importa que eu encerre ou não. Está simplesmente marimbar-se para mim”. Estas palavras foram mesmo ouvidas por mim e, como são transversais, devem servir para mostrar o sentimento que liga os comerciantes à autarquia.
Passando a uma segunda pergunta: e objectivamente a câmara não pode fazer nada? Pode e deve sim. Deve assegurar a segurança pública, através da Polícia Municipal e PSP; deve ter políticas proactivas de reocupação do Centro Histórico, como, por exemplo, acabar como o IMI nos prédios arrendados –actualmente é muito mais baixo mas não chega; deve desonerar as taxas de toldos e publicidade –é um contra-senso continuar a onerar a publicidade de rua. Basta dar uma volta pela Baixa à noite para se verificar a falta de atractividade das artérias urbanas. É um erro crasso continuar a apostar em anúncios chapados nas paredes sem qualquer graça. Pode até ser enquadrado esteticamente mas contribuem para a falta de luz nas ruas. É preciso repensar se ter-se acabado com os “neons” foi uma boa medida, tendo em conta a desertificação comercial; é preciso, de uma vez por todas, clarificar a questão das licenças de utilização –não só pelo seu absurdo aumento-, mas tratar o centro histórico como um diferente entre iguais. Ter em conta a especificidade das suas lojas antigas. Este problema continua a arrastar-se no tempo. Como só é levantado quando os comerciantes precisam de fazer obras, então, a consequência, é que poucos persistem na modernização dos estabelecimentos.
É preciso tomar muita atenção ao trânsito na Baixa. Retirar automóveis de uma artéria ou mexer numa paragem de um autocarro pode estar-se a condenar uma rua inteira ao desaparecimento total. Há por aqui muitos exemplos.
Ora, quanto a mim, estas medidas que enumerei, ainda que de importância relativa nesta aflição presente, são cosmética relacional. Ou seja, são questões acessórias nos verdadeiros problemas dos mercadores. Porque a verdadeira solução reside no Governo.
Eu sei que estou a abusar de si, enquanto leitor, mas tenho de lhe mostrar tudo para entender. Uma pequena loja, com duas pessoas, marido e mulher –que constitui o único ganha-pão do casal-, está obrigado às seguintes imposições legais:
-TSU, Taxa Social Única, mensal cujo mínimo é 159 euros por cada um. Se não pagar atempadamente até ao dia 15 do mês subsequente, tem um juro de 1% ao mês, que perfaz a exorbitância de 12% ao ano;
-IVA trimestral, taxa incidente sobre as vendas. Se não entregar atempadamente aumenta imediatamente 20% -ou seja, quem não pode fazer o pagamento atempado por dificuldades financeiras, como é que vai poder cumprir depois com este absurdo ónus? É evidente que o argumento apresentado é que esse dinheiro foi recebido nas vendas, isto é, pertence ao Estado, mas quando a situação é aflitiva, que não há dinheiro para comer –sim, porque já há comerciantes a passar fome, ainda que isso seja encoberto-, como é que se pode pagar o que se deve?
-Medicina no Trabalho para os dois trabalhadores;
-Seguro de Acidentes pessoais;
-Pagamento por conta
-IRS/IRC, no fim do ano económico.
Já agora vamos falar de custos directos para o funcionamento diário da loja:
-Renda;
-Luz, com várias taxas associadas, de saneamento, lixo, etc;
-Água, todos os estabelecimentos precisam de ter um WC;
-Telefone. É imprescindível.
Penso que consegui ser claro que a solução possível numa sobrevivência quase impossível é o Governo desonerar de impostos estas pequeníssimas empresas até um montante de receita bruta de 100 mil euros. Incluindo, obviamente, a desobrigação de pagamento de IVA no lucro das vendas diárias. Actualmente, se a memória não me falha, a isenção de pagamento deste imposto está nos 10 mil euros.
Aqui reside verdadeiramente o busílis da questão. Se o Governo não contemplar estas pequeníssimas empresas em discriminação positiva, dentro dos próximos dois anos encerram todas. Não há mesmo volta a dar-lhe.
Se chegou até aqui, muito obrigado. Abusei, mas na próxima, prometo, serei mais breve.
Obrigado.

1 comentário:

Anónimo disse...

A baixa era famosa pela suas tasquinhas, hoje já nao existem, seria bom a CMC incentivar o renascer das mesmas.