sábado, 3 de abril de 2010

AMANHÃ É DIA DE PÁSCOA






  A minha secretária, a Cremilde –já conhecem, não já? Ai, quem é que não conhece a Cremilde? Quando ela passa, toda cheia de graça (muito mais que a garota de Ipanema) pelas ruas da Baixa, é um encanto de sorver. Naquele andar ondulante e libidinoso dá gosto ver os homens, com os olhos a querer saltar das órbitas e a babarem-se completamente, como caninos esfaimados, como lobos prestes a saltarem sobre a presa. Perante este movimento icónico, de deusa encantada, toda a Baixa pára para a ver. É de pasmar. A Cremilde é muito mais bela que a Soraia Chaves, mas a milhas de distância. Esta mulher é um monumento vivo. É tão bela, tão bela, que a queriam incluir nas 21 Maravilhas de Portugal, mas ela, como é muito humilde –vem-lhe do sufixo do nome…”milde”-, recusou. Claro que perguntou a minha opinião, e eu, como não gostava muito de ver o meu sítio invadido por tudo quanto é “voyeur”, e às tantas ainda ma levavam, lá lhe fui dizendo ó Cremilde você é que sabe, mas se fosse eu a si não aceitava. E o anjo da rapariga, sim é mesmo um anjinho, não aceitou. Mesmo não recebendo ordenado há vários meses –por que isto cá na sede do “Questões” anda muito mal de finanças- preferiu não entrar em futuros desconhecidos e continuar a apostar num presente sem destino. É aqui, neste gestos, que se vêem a alma enorme das gentes.
Bom, mas vamos lá ao que interessa, que, como as palavras são como a política nunca conduzem a lado nenhum, acabei por me dispersar. Então dizia eu que a minha assistente pessoal, a Cremilde, acabou de me comunicar que temos o hall de entrada, do edifício onde funciona o nosso jornaleco, cheio de amêndoas e folares. Por favor não enviem mais amêndoas. Para não vos desapontar, podem optar por umas camisetas “Lacoste”, umas calças de ganga “Lewis”, ou parecidas. Uns sapatos, mas tem de ser de marca. Pijamas, meias e cuecas, se fazem favor não ofereçam. Não esqueçam que devem comprar tudo no comércio tradicional.
Se às vezes tiverem dificuldades na escolha, podem optar mesmo por um presente fora de vulgar. Vão ali à Rua Corpo de Deus, à Loja da Adelino Martins, Lª, associada da Servilusa, e podem-me oferecer um funeral à vossa vontade. Como sabem, depois de há dias esta empresa ter assinado um protocolo com a ACIC e a APBC, podem pedir um pagamento a prestações. Ou seja, podem dividir a factura até 24 meses sem mais quaisquer encargos.
Para grandes dificuldades na escolha de presente, é ou não é uma solução inovadora? Ah, pois é mesmo!


P.S. –Como sou uma pessoa modesta, não escolham um caixão com muitos ornamentos. Prefiro uma coisa simples. Em contrapartida, podem acordar com a Servilusa, no dia do meu funeral, quero uma orquestra a tocar as centenas de músicas originais que tenho gravadas em cassetes e que, se calhar nunca verão a luz do sol comigo em vida. Outra coisa, não quero gente a chorar no meu funeral –bem sei que nem era preciso pedir, mas fica registado, pronto! Quero pinga a correr a rodos, mas bom vinho da região, nada de zurrapa. Mais: Toda a gente deve ir vestido de vermelho.
Deixo então o meu desejo escrito em verso:

Quando eu morrer, qualquer dia,
não quero gente a chorar,
quero sentir alegria,
de ninguém se lamentar;
Quero uma grande festa,
com cantares que eu cantei,
quero partir desta,
da mesma forma que entrei;
Quero um bolo muito grande,
vinho tinto a jorrar,
quero ter gente feliz,
para me acompanhar;
Para tristeza já me basta,
a vida que eu levei,
agora que já estou livre,
quero dar o que não dei;
A vida é uma passagem,
entre o nascimento e a morte,
é um vento, é uma aragem,
um virar de página, um corte.

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