segunda-feira, 26 de outubro de 2009

A VENDA DO SENHOR FALCÃO





Na última edição, o jornal semanário “Campeão das Províncias”, em extensa reportagem, vinha mostrar-nos o esforço que foi feito pelos descendentes do antigo merceeiro e taberneiro para recuperarem a memória dos seus antepassados.
Ainda segundo o jornal, a “mercearia e a taberna do senhor Falcão” foi fundada em 1878, no lugar de Pereira, Miranda do Corvo, pelo bisavô, Lourenço Falcão, dos actuais proprietários, Américo Gadanha, Filomena Falcão e Jorge Falcão, e agora, a expensas suas, estes estabelecimentos foram completamente restaurados pela memória familiar e pelo respeito pela ancestralidade.
Inevitavelmente várias interrogações surgem, mas a principal deixa-nos com um sabor acre na língua: não deveria ser o Estado a manter estes locais de tradição? Já aqui escrevi no blogue imensos “posts” a tentar chamar a atenção para casas-museus de memória colectiva que, pela insensibilidade, pelo desleixo, pela incúria, se vão apagando do nosso léxico comercial.
Ainda há dias, em conversa com uma minha amiga, a Rosa, proprietária de um estabelecimento congénere, com mais de oito décadas no lugar de Várzeas, Luso, também de mercearia e taberna, de lágrima no canto do olho, me dizia que, inevitavelmente, vai ter de encerrar. O que mais custa é ver pessoas como a Rosa a sentirem o peso da história nos seus ombros. Mas, pelo desleixo governamental, deste e doutros governos antecedentes, não lhes resta outro caminho senão o claudicar definitivo. Não é difícil de antever o sofrimento destes pequenos comerciantes. É fácil de ver que desligarem-se destes monumentos de antanho é o mesmo que estarem a afogar um filho por impossibilidade de o manter vivo.
E ninguém faz nada? Hoje há movimentos de defesa para tudo. Para o Lince Ibérico, para o Pinheiro Bravo, para línguas e dialectos em desaparecimento como o Mirandês, porque ninguém se preocupa com a memória comercial? O que esperará o governo para além de, com urgência, desonerar de impostos estas casas de tradição, ser criado um subsídio de mérito cultural? E porque não criar um Instituto da Conservação do Comércio e da Tradiciodiversidade?
Se nada for feito, um dia destes os nossos netos não farão ideia do que foi uma mercearia ou uma taberna. Por vários motivos, nem todos têm possibilidades de refazer a história como a família do senhor Falcão. Para estes uma grande salva de palmas. Uma grande lição para quem governa e para governados-consumidores que acreditam que a globalização trará solução para tudo.

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