(FOTO EXTRAORDINÁRIA DE LEONARDO BRAGA PINHEIRO)
Há dias encontrei um amigo na Loja do Cidadão. Era o dia 31 de Agosto, último dia para pagar uma série de impostos, desde o IRS até ao IMI. O meu amigo estava muito aborrecido. Estava na fila quase há duas horas. Tirei uma senha, apenas, para ver o presumível tempo de espera, e vi que, entre o número no placard e o meu, havia uma diferença de 60. Claro que, em jeito de chalaça, tive de dizer ao meu amigo que ele fazia parte dos que pagam tudo no último dia –evidentemente que eu sou igualzinho, mas isso não lhe confidenciei. Segundo parecia, devido a muita afluência de público neste dia, volta e meia, o sistema informático caía, e daí o atraso.
Já há tempos fui a uma grande superfície e tive de esperar numa longa fila. Não havia sistema informático. O desgraçado tinha caído, embora sem se saber para onde. Antigamente, pensava-se, pela lei natural da física, tudo caía ao chão. Agora não.
Hoje ao ler na primeira página do semanário Expresso que tinham entrado no sistema informático do Governo, fiquei a pensar se, ao colocarmos os “ovos todos na mesma galinha”, passando a metáfora, sem sistemas alternativos, estaremos de facto no bom caminho. Quer-se a todo o custo informatizar tudo. É o livro, é o disco musical, tudo deixa de ser material para passar a sensorial.
Quando estava na fila do supermercado reparei na atrapalhação do funcionário. Ele não sabia o que fazer. Provavelmente, mesmo que tivesse instruções para isso, não saberia somar ou multiplicar mentalmente. Dever-se-ia criar outra possibilidade para o caso de, no futuro, haver um apagão electrónico. Hoje, numa estranha subordinação, estamos todos dependentes das máquinas electrónicas. Elas são a nossa projecção, o nosso alter-ego, a camisa que vestimos todos os dias. Somos “máquino-dependentes”.
A humanidade, intencionalmente ou não, tornou-se sistémica. Foi o caso do petróleo a partir dos finais do século XIX. Ao tranformar-se a principal fonte de energia de toda a indústria, quer como matéria-prima, quer como produto acabado, este recurso natural, praticamente escravizou e colocou a humanidade quase num beco sem saída, na qual hoje, a toda a pressa, se tenta fugir, procurando outras fontes energéticas. Para além do aspecto económico, no aspecto político geoestratégico, dividiu o Globo em dois blocos: os produtores de petróleo e os seus dependentes. Como ainda vamos no meio da história desta substância oleosa, só passou cerca de um século, enquanto reconhecidamente matéria fundamental para o desenvolvimento mundial, ainda pouco se sabe do que virá aí. Uma coisa é certa, tendo em conta a instabilidade política do Médio-Oriente, dificilmente poderemos esperar coisa boa.
Ora, voltando ao sistema informático, creio que estamos a entrar num labirinto do qual não teremos recuo possível. Querem-nos fazer crer que quem não sabe mexer em computadores é analfabeto profundo. Mas será que seremos mesmo? É que está jogar-se fora o saber empírico, a experiência de uma vida, pela porta fora. Para sentirmos que somos mesmo rudes, basta deslocarmo-nos a uma qualquer loja, por exemplo, da TV Cabo –poderia referir outra qualquer. Entramos, depara-se-nos uma coluna com várias indicações para senhas de atendimento. Não tem botões, nem quaisquer instruções. Há uns tempos, fui lá, comecei a olhar para aquilo, e senti-me um elefante numa loja de porcelanas. Mentalmente, perante o instrumento, estabeleci ali um conflito: como é que faço? Se perguntar como é que isto funciona, vão achar que sou mesmo uma besta, se não interrogar como é que chego à senha? Eu olhava para cima, para baixo para o lado, à procura de um botãozinho que me tirasse daquele aperto, mas nada. Já não sei se foi por acaso, lá coloquei a mão em cima do placar e milagre. Eureka! Saiu uma senha. A seguir fui falar com a funcionária. Qual é o sistema operativo? Xp, Windows, e mais não sei quê. No que me toca, digo logo, olhe eu sou pré-histórico, ainda estou na idade da pedra…nesta era da informática. Tem de fazer o favor de falar comigo como se eu fosse uma criança. A funcionária sorriu e lá mudou o discurso formatado.
Ainda há dias, não sei se repararam, no dia das eleições, na RTP1, o pivot, o José Rodrigues dos Santos, à medida que ia falando, e apresentando os resultados eleitorais, carregava com um dedo num grande painel e, naquela vaidade toda, eu, que faço parte dos broncos, senti-me, mais uma vez, para não variar, um elefante numa loja de porcelanas. Somos mesmo um país dividido em dois blocos: os velhos do Restelo –a mostrarem que burro velho não aprende línguas- e os novos, nascidos na era cibernética.
O problema é se este sistema, como um castelo de cartas, se esboroa. E depois?
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