quinta-feira, 1 de setembro de 2022

MEALHADA: AS MEDIDAS ANUNCIADAS PARA HABITAÇÃO SOCIAL SÃO UM PASSO PARA CIMA OU PARA BAIXO? (4)

 

(imagem de Leonardo Braga Pinheiro)




É preciso tomar em conta que o congelamento de rendas, em atentado notório à propriedade, já vem do início da primeira República (1910) e com incidência continuada no Abril de 1974 e décadas seguintes.

Como já escrevi, o arrendamento foi sempre utilizado como faca de dois gumes pelos executivos governamentais: um, para através do proteccionismo dado descaradamente aos inquilinos, garantir uma base de votos sustentável que de outro modo não poderia ser salvaguarda; outro, com políticas de curto prazo onde só o egoísmo conta, esmifrar através de impostos o mais possível aos proprietários, nomeadamente os impostos sobre as rendas e o IMI, Imposto Municipal sobre Imóveis.

Ao longo do último século, quer o autoritário Estado Novo (1933-1974), quer o regime democrático (após 1974), seguindo a filosofia socialista/comunista do alemão Karl Marx (1818-1883), procuraram sempre, por um lado, apresentar os senhorios como odiosos e peçonhentos rentistas, que, especulando o mercado sem outro modo de vida, vivem de rendas, por outro, passando a mensagem de que, sem levar em conta que há milhares de pequenos senhorios pobres, devem ser os proprietários a servirem de Caixa de Previdência e Abono de Família dos arrendatários – quando, sabe-se, este papel, através de políticas distributivas, cabe por inteiro ao Estado.

Não é por acaso que somos uma nação maioritariamente de proprietários.


II


Foi 2006, com a publicação do denominado Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU), sobre o beneplácito do então ministro da Administração Interna António Costa, que foi feito um primeiro avanço para liberar as rendas antigas. Esta mudança, com uma longa série de obrigações, descongelava as rendas correspondentes a arrendamentos anteriores a 1990, estabelecendo regras, e uma moratória de dez anos para a transição para uma renda atualizada. Porém, e como se adivinhava já na altura, porque o Estado não é “pessoa” séria e muito menos de bem, com duas nuances difíceis de ultrapassar: a primeira, nas regras, os requisitos eram de tão difícil concretização que em 6 anos não foram alcançados os objectivos; na segunda, no cumprimento da moratória, escandalosamente, foi sendo empurrado com a barriga para a frente. De 2016 passou para 2022 e neste ano para 2027.

De relembrar que este NRAU, de 2006, foi o coveiro que definitivamente enterrou em campa rasa o “trespasse” de muitos estabelecimentos por este país fora. Não que não fosse necessário uma revisão geral para equilibrar uma injusta e desequilibrada lei do arrendamento comercial. Claro que era. Não se discute. O que era desnecessário era o radicalismo de destruição e insensibilidade que lhe estava associada. À custa desta alteração no arrendamentomorrerammilhares de estabelecimentos com história – é certo que neste Orçamento Geral do Estado para 2022 está inscrita uma nova “moratória” até 2027 para estabelecimentos e instituições culturalmente relevantes, comerciais e não comerciais, evitando os despejos e as actualizações de renda, para tentar salvar umas escassas centenas, os que restam num território de mercadores, cuja narrativa se perde muito além da época dos Descobrimentos. Uma pergunta tola: quem vai pagar este perpetuar no tempo a iniquidade?... (nem é preciso responder) Os mesmos de sempre, obviamente.

Se já não estamos lá, não vai tardar as câmaras municipais terem de contribuir directamente para, tal como fazem para as associações recreativas, manter lojas abertas nas aldeias.

A começar por mim, temos todos tendência em atribuir culpas às grandes superfícies pela grave crise que se bateu sobre o comércio dito tradicional, em que se apagaram tantos tantos estabelecimentos nas cidades, vilas e aldeias. Mas será mesmo assim?


(Continua)


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