sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

DANIEL, MEU AMIGO, GOODBYE







  Sempre achei um bocado estúpido interrogar alguém que está com um profundo sentimento de perda, “como se sente?”. Ora, se olhando os seus olhos sem brilho e tantas vezes cheios de lágrimas, é preciso perguntar alguma coisa? Mas não, quem escreve, para além do que vê e intui –sim porque quem escreve com alma, com o tempo, a sua intuição passa a ser paranormal- precisa que o "condenado", a vítima, o sofredor, diga por palavras o que sente. E foi isso que, mais uma vez, fiz hoje ao interrogar o meu amigo Daniel.
O restaurante do Daniel vai encerrar amanhã. É um sonho de oito anos que acaba precocemente. O Daniel é um “filho” da Baixa. Trabalhou muitos anos no restaurante FEB, na Rua do Corvo, como empregado do meu amigo e falecido Jaime Carvalho e também vereador do Partido Socialista na Câmara Municipal de Coimbra. Então, há cerca de 8 anos, o Daniel tentando furar a sorte estabeleceu-se com um pequeno restaurante na Rua da Louça. No começo com uma renda mensal altíssima, quase 2000 euros. Depois, em face da redução da procura interna de que todos sofremos, o senhorio lá lhe foi baixando a mensalidade mas não chegou para lhe aparar a queda. O Daniel tem três empregados e, o pior é o seu grande defeito: servir bem e levar pouco dinheiro. Nos tempos que correm, nestes tempos selvagens em que o homem é lobo do homem, nesta época em que ninguém se preocupa com quem o serve. Nesta altura em que, de uma forma egoísta ao mais alto grau do egocentrismo, ninguém se importa se o serviço prestado está a dar prejuízo para o prestador. O que importa é que ele leve barato. E enquanto durarem as “tetas da vaca” é chupar até não dar mais. Quando esta teta secar passa-se para outra, porque há sempre uma vaca desconhecida à espera da chulice deste tipo de cliente -peço desculpa se estou a ofender alguém. Claro que em descargo de consciência, agora que o Daniel vai encerrar, vão dizer: “quem é que o mandou levar barato? Eu é que tenho culpa?”. 
É assim, hoje, a ditadura da concorrência. Amanhã, quando o Daniel encerrar pela última vez a porta e chorar desalmadamente, provavelmente, não terá ninguém dos seus agora clientes a dar-lhe um abraço. E isto é triste…muito triste! O Daniel, durante oito anos prestou um bom serviço à comunidade. É verdade que deveria ter levado mais caro, mas como? Quando, à sua volta, os seus colegas praticam preços suicidas de 5 euros e até menos? Como admitir este tolerado caminhar para o abismo? Como? Sobretudo quando, nos últimos anos, os preços dos produtos, em matéria-prima, duplicaram de preço? Quando o preço do gás em garrafa triplicou? Quando as exigências legais na hotelaria chegaram ao absurdo?
Onde vai conduzir esta deflação na hotelaria, interrogo eu, que, por acaso, até sei do que falo porque já tive um restaurante? É mais que certo que ninguém saberá responder, mas o momento é gravíssimo. Muitos empresários, se não ousarem aumentar os preços, irão falir.
Quando interrogo o Daniel se quer deixar algum conselho aos colegas, de lágrimas nos olhos, exclama: “tomem cuidado. Não façam como eu…se não desgraçam a vossa vida!”.
Já há tempos tinha escrito aqui uma crónica de “morte anunciada” sobre este meu amigo. Chamei-lhe, carinhosamente, “cabeça de vento”. Se tiver paciência, leia.
Em nome de todos e de ninguém em especial, recebe um forte abraço de amizade, companheiro amigo, Daniel. Bem sei que é muito pouco, mas, nesta hora difícil em que te encontras, rogo por ti, pelo menos, para que a coragem não te falte para enfrentar o futuro.

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