segunda-feira, 22 de setembro de 2008
BAIXA: CHEIAS DE DESOLAÇÃO
(AQUI PODE VER-SE A ESTREITEZA DAS GRELHAS DE ESCOAMENTO NA PRAÇA 8 DE MAIO)
(FOTO RETIRADA DO DIÁRIO DE COIMBRA)
Era um Domingo pacato, aparentemente igual a qualquer outro. O comércio de rua estava encerrado. A cidade, como noutro qualquer fim-de-semana, fluía na sua modorra habitual. O tempo limpo, de temperatura tépida e amena, nada diferenciava de outros anteriores finais de verão. Os plátanos, nas avenidas, com as folhas amarelecidas, continuamente a cair, pareciam mostrar que o Outono estava à porta.
De repente, cerca das 15 horas, como se estivéssemos nos trópicos, o céu começou a escurecer e as nuvens, como fumo negro, ficaram carregadas. Subitamente, como se estivesse zangada com os humanos, a natureza descarregou água e mais água. Em meia hora, a Praça 8 de Maio ficou inundada de água com meio metro de altura. As Ruas da Moeda, da Louça, do Corvo e Eduardo Coelho, adjacentes a este antigo largo de Sansão, como se viajassem três décadas no tempo, ficaram completamente atapetadas de água e lixo. Os comerciantes, com uma sensação de falsa segurança -nos últimos anos, descuraram a prevenção contra as águas pluviais- esqueceram que Coimbra, no tocante à hidrologia/hidráulica tem uma longa tradição em cheias. Embora interrompidas depois da construção da barragem da Aguieira/Raiva na década de 1970. As lojas, não preparadas para estas intempéries, com os patins das portas ao nível das ruas e algumas delas abaixo, foram invadidas por lamas e folhas secas.
Por seu lado, a autarquia, seguindo os comerciantes, na mesma crença de total fiabilidade, no mandato de Manuel Machado, anterior inquilino do paço do Concelho, ao rebaixar o piso da Praça 8 de Maio, esqueceu-se que, com estas obras, estava a vulnerabilizar completamente esta zona histórica. Este antigo largo é como um delta, um depósito aluvial, que recebe todas as águas das várias encostas da parte alta da cidade. Não é preciso ser especialista em hidrologia para verificar que o sistema de escoamento desta praça, com pequenas grades de drenagem, de 20 centímetros de largura, que, para além de insuficientes, correspondem a um sistema de sifão de uma qualquer praceta da cidade sem as características receptadoras deste histórico largo, onde predomina a românica igreja de Santa Cruz. O reportar a culpa para a natureza, de que “choveu muito e concentradamente” é branquear a situação e adiar e passar para o lado uma solução que urge resolver. E, não se pode argumentar que a Câmara Municipal não sabia. Basta percorrer a Internet, desde a última grande inundação de Janeiro de 2001, são vários os estudos da Universidade de Coimbra aqui plasmados a alertarem para o risco de cheias na cidade e no vale do Mondego.
Por outro lado, se é verdade que o assoreamento do rio é uma constatação, as inundações de 22 de Setembro nada têm a ver com este problema. As suas consequências serão da falta de escoamento planeado, localizado e de prevenção municipal.
A última recente cheia da Baixa, com graves prejuízos para os comerciantes, foi em Outubro de 2006 e as chagas dos prejuízos sofridos ainda não estão curadas. Ontem, de “galochas” calçadas, quem passasse por estas bandas, facilmente se apercebia das lágrimas de desânimo e revolta a correrem na face da Ana, uma comerciante da antiga Rua dos Sapateiros. Os impropérios do Luís, do Daniel, do Pedro, do Marques, do Pedrosa (a proferir, no Diário as Beiras, que “esta cidade é uma trampa”), do Carlos e da Alice (de calças arregaçadas, com baldes a despejarem água) e da Ilda a, taxativamente, afirmar que vai encerrar no fim do ano a sua loja de artigos de bebé. Estas manifestações sociais, legítimas, de uma classe profissional que sente ser um D. Quixote a lutar contra o vento, não são mais do que a materialização de impotência, o abandono que os homens do comércio de rua sentem.
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