Todos sabemos que em qualquer aglomerado de pessoas, aldeia, vila ou cidade, há sempre o chamado “tolinho”, o “louco”, e o vadio, malandrote. Se o primeiro, porque habitualmente é inimputável, se olha com alguma simpatia tolerada nos seus actos, já o segundo, talvez pela propensão para a libertinagem e que descamba para a delinquência, não se perdoa grande deslize se puser o pé em “ramo verde”.
No fundo, tendo em conta as diferenças de cada um no controlar a sua decisão e vontade, estas pessoas singulares, em analogia, são como a arte. Pela sua originalidade, são um apelo constante aos nossos sentidos. Na realidade, pela sua figura notada, às vezes da pior forma, impedem que, nestes lugares societários, tudo seja sempre igual e rotineiro.
Para os chamados “loucos da cidade” aparentemente ninguém lhes liga muito. Digamos que, por parte de alguns cidadãos, ditos “normais”, haverá uma certa tolerância e compreensão para os seus excessos. Em especulação, talvez estas pessoas, que condenam pouco esta manifestação de loucura, se aproximem destas formas de arte ambulantes porque entendam que a fronteira entre a sanidade e a alienação seja uma linha muito ténue. Para outros, talvez a maioria, estes insanos, perdidos nos interstícios da ambiguidade, serão apenas um estorvo a abalar uma certa acalmia e paz social.
E comecei a escrever este longo prólogo exactamente porque constatei que neste desaparecimento súbito, nesta morte recente do Luís Miguel, mais conhecido por “aspirante”, ou “xinquenta”, ou “amanhã… mi dás amanhã?”, muitas, mas mesmo muitas pessoas da Baixa, manifestaram uma grande consternação. A meu ver não seria de supor este sentimento perante alguém que deambulava por estes becos e ruelas, e, muitas vezes, deu “água pela barba” a muitos comerciantes e à Polícia de Segurança Pública. Então o que se teria passado para este homem ficar tão marcado no inconsciente destes residentes? É lógico que haverá tantas explicações quantas quisermos, mas que não será comum, isso, tenho a certeza. Estou surpreendido. Muitos profissionais do comércio sentiram esta perda como se tratasse de alguém da sua família.
Claro que, através da psicologia social, ou da psicanálise, poderemos sempre considerar que, em face dos tempos que atravessamos, estejamos todos mais vulneráveis, quase a cair na depressão colectiva, e, qualquer morte, mesmo até de alguém que nunca ligámos muito, nos cause um sentimento de perda e sofrimento. Em extensão, é como se nós projectássemos a dor que mina a nossa alma naquele que parte. Parvoíce da minha parte? Provavelmente. Se eu nem a mim me entendo como é que procuro entender as manifestações de emotividade de um grupo ou grupos? Pois. É uma boa pergunta, que, inevitavelmente, ficará sem resposta.
Mas a interrogação fica: porque foi tão sentida a morte abrupta do Luís Miguel?
4 comentários:
A resposta à sua questão é simples amigo Luís.
A morte do Luís, o “50” com o lhe prefiro chamar não foi anunciada como mais um que faleceu, mas sim com muita dignidade e trabalho da sua parte para nos poder informar da verdadeira história do Luís.
A morte do “50” foi descrita por si com sentimento de perda de todos, e muito bem no meu entender, ao mesmo tempo “obrigou” muita boa gente e muita gentinha a olhar para o seu umbigo e a reflectir que por detrás daquele “louco” existia um Homem.
Apenas uma curiosidade,
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Sinceramente nao sei. Mas gostava de acreditar no facto de haver pessoas boas e de coração grande. Os que dizem que nao faz cá falta serão seguramente pessoas intolerantes, tristes e secas com a sorte de nada de mal lhes ter acontecido, ou pelo menos não deste género. O Miguel ou "sr feio" como lhe chamava o meu filho (que tinha um medo terrivel cada vez que o Miguel bebia) será sempre um símbolo de como as coisas podem correr mal, como a linha entre o são e o louco pode ser tão ténue, e como um acidente pode destruir vidas. Sempre quis acreditar que estes "loucos" são só isso, que nao têm noção da dita realidade. Seria sem duvida mais fácil. Mas hoje quando me disse que o Miguel tinha momentos de lucidez consegui perceber o talvez deste fim e assustou-me ainda mais a imagem dele na sexta-feira à noite na praça 8 de Maio. Para quem nao é da baixa era só mais um lunático perigoso e indesejável, para quem é de cá, já sabem dos beijos e dos abraços nos dias bons. E sim, tem sido comovente ver, ler e ouvir a tristeza e sentimento de perda por parte de tantas pessoas que nada lhe eram. Por mim, fica o desejo de nada de mal lhe ter acontecido, esperando que tenha sido acidental ou suicídio, e fica saudade. Porquê, nao sei explicar. Nao será certamente dos beijos lambuzados, nem dos berros nos dias maus, nem tão pouco dos nus integrais na fonte da praça 8 de Maio, mas havia qualquer coisa no Miguel de sedutor. Mas lá está, provavelmente será essa linha ténua que nos faz lembrar que a vida é frágil e muitas vezes injusta.
Raquel Misarela
Outra constatação(que eu sei que o Luís,como inteligente que é,vai entender o que quero dizer):é pena que seja preciso a morte de alguém para um blog ter os views e as partilhas no facebook que o questões teve nos ultimos dias.É pena que o trabalho empenhado,dedicado e de forma gratuita,até mesmo com prejuizos,presumo eu, financeiros,de tempo devido ao trabalho e á familia,do autor deste blog ainda não ter o reconhecimento merecido.É verdade,que já ultrapassou as 200 mil visitas,que cada vez mais é comentado e lido por gente «importante» e com responsabilidades,mas caramba,quase todos os dias tem assuntos interessantes e de relevância para Coimbra!
De qualquer modo,pode ser que através deste acontecimento triste mais gente tenha conhecido o blog e aumente mais o seu tráfego e,principalmente,a participação activa.
Marco
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