segunda-feira, 2 de maio de 2011

MORREU QEN GUI




 Fui surpreendido hoje de manhã pelo anúncio da morte de Qen Gui, nas páginas de necrologia do Diário de Coimbra.
Escrevo estas linhas não porque fosse amigo ou muito chegado ao antigo basquetebolista da Académica. Ao longo dos últimos 16 anos de existência deste meu negócio de velharias na Baixa, Gui visitou o meu estabelecimento três ou quatro vezes. Há pouco tempo, numa destas, creio, meti conversa com ele.
Conheci o “Senhor Gui” –como era amavelmente tratado em finais da década de 1960 e princípio de 70. Há coisas curiosas, nessa altura, eu era um adolescente de 13 ou 14 anos e trabalhava ao balcão de pastelaria da grande catedral da Praça da República e que foi o Café Mandarim. Pois, fosse lá por que fosse, a verdade é que nunca esqueci a fisionomia do Qen Gui. Poderia ser pelos traços chineses –salvo erro, era macaense-, mas estou convencido que seria pela extrema educação, pela pose assertiva, pela voz calma ao falar, que eu gravei na minha mente, para sempre, a feição deste antigo atleta da académica. Tenho ideia, embora não precisa na data, de ele se apresentar como basquetebolista no clube dos estudantes. É certo que o Mandarim, nessa época, era uma espécie de igreja onde todos os grandes nomes do desporto da academia e outros das letras e da política iam sempre para serem baptizados. Naquele antigo grande estabelecimento, fundado por Joaquim Antunes –e, salvo erro, por José Pais, dono da escola de instrução com o mesmo nome- era comum encontrar-se todos estes grandes vultos e que viriam a fazer parte da história.
Na maioria, eram pessoas simples, se bem que, em boa verdade, eram tratados com um redobrado respeito majestático por todos os funcionários deste antigo café. Lembro-me do primeiro conselho que me deu o chefe do balcão da pastelaria, o senhor Mendes: “toma bem atenção, António, sempre que vejas um cliente de capa e batina ou de gravata, trata-lo sempre por doutor. Ouviste bem? Não te esqueças, vale mais pecar por excesso do que por defeito!”
E eu assim fazia. Um dia, lembro-me, por se apresentar de gravata, apanhei um grande barrete e não me enterrei pelo chão abaixo por acaso: tratei o condutor do antigo Delegado de Saúde, Pais Ribeiro, por doutor. O problema é que o homem afinou “à brava”. Estava a ver que ainda me mandava uma chapada. É outro rosto que tenho gravado na minha mente. Este homem, hoje taxista, nem imagina que, hoje ao passar por mim, imediatamente, me vem à memória esse trecho, que me deixou completamente embarrancado.
Voltando ao “Senhor Gui”, como era tratado no antigo café que hoje deu lugar ao “Mc Donalds”, na Praça da República, creio que era assim reconhecido por não ser licenciado. Uma óptima pessoa, pelo menos assim o guardei na memória, que partiu precocemente do nosso meio. Embora a minha lembrança tenha pouquíssima importância, entendi partilhá-la.
À família enlutada um grande abraço de solidariedade nesta hora triste por que estão a passar. Este momento toca a todos. Os meus sentidos pêsames.

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1 comentário:

Jorge Neves disse...

O Gui quando veio estudar para Coimbra, ficou alojado na Rua Antero de Quental, onde conheceu a companheira dele a Joana. Tive o privilégio de aprender alguns valores com ele, ensinou-me a comer com os pauzinhos chineses, andou muita vez comigo ao colo, levou-me a passear ao Jardim da Sereia.
A minha falecida avó foi a mãe adoptiva do Gui durante vários anos, ambos tinham um carinho muito especial um pelo outro.
Gui é um grande Homem, grande amigo, até sempre.
Abraço eterno.