Eu não conheço esta rua.
É escura, não tem vida, não tem gente,
só tem sombras disfarçadas, nuvens carregadas,
noite de assombração, relâmpagos de cheia lua;
Eu quero a minha rua de outrora.
Onde o barulho e os encontrões eram reais,
o pregão e a obscenidade eram companheiros,
não quero este silêncio dos vivos-mortos de agora;
Quero a felicidade perdida, os risos estridentes de então.
Quero ouvir o cauteleiro, de boné, a oferecer a taluda,
mais ao longe, quero um ceguinho com a sua lenga-lenga,
rogando uma moeda, lembrando o milagre da visão;
Quero ver um grupo a jogar à moeda, a pedir “três”.
“Quatro, seis, nove, doze”, a abrir a mão, tanto faz,
entre um copo e uma sardinha na tasca da Maria,
era o dia-a-dia, falando de futebol, trocando os "vês" pelos "bês";
Quero a mercearia do Xico e o livro dos calotes.
Com o seu sorriso à porta, de lápis na orelha, de bata azul,
na prateleira, a pasta medicinal Couto, no balcão o bacalhau,
o açúcar ao quilo, o azeite a retalho, as azeitonas nos potes;
Quero voltar a ouvir o martelar e o brandir da chapa, pelo picheleiro.
O refrão da venda do peixe fresco, pela vendedeira da Figueira,
quero comer uma castanha, embrulhada em jornal, no S. Martinho,
o burburinho na cidade, o maldizer da velha e o seu ar trambiqueiro;
Ó rua do meu amor traz-me à memória tudo o que eu perdi,
diz-me onde errei, voltarei atrás para emendar,
solenemente te prometo rua que, de joelhos, pedirei perdão,
não me deixes nesta angústia, abraça-me, volta para mim.
1 comentário:
Disse tudo o que penso aceca do futuro da baixa. Que regresse o passado para revitalizar o presente rumo ao futuro.
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