segunda-feira, 4 de outubro de 2010

EDITORIAL: QUEM OLHA PELOS CENTROS HISTÓRICOS?



 A semana passada uma porta da Rua das Padeiras estava forçada. Não se sabe há quanto tempo. Um comerciante meu amigo chamou-me a atenção para o facto anómalo.
Juntos, subimos então as escadas de madeira e, logo no primeiro andar, verificámos que a porta tinha sido arrombada. Lá dentro, estavam mobílias e outros utensílios domésticos. Tudo indicava que, apesar de tudo estar no sítio, esquentador, fogão, camas feitas, ninguém ali estava a morar diariamente. Nos restantes pisos do prédio, pela falta de movimento de pessoas, constatámos que também estaria tudo nas mesmas condições de abandono temporário. Liguei para a PSP que imediatamente tomou conta da ocorrência. Não sei se conseguiu encontrar o provável inquilino do andar vilipendiado ou não. O que sei é que na porta principal, que dá para a Rua das Padeiras, a testemunhar o vandalismo, está lá uma grossa corrente de ferro com aloquete.
Esta noite, na Rua da Fornalhinha número 9, mais um andar foi assaltado. Num prédio de quatro andares, com todos os pisos mobilados, os móveis servirão para gozo de fantasmas. Efectivamente, isto é, todos os dias, não mora lá ninguém. Apesar de o primeiro-andar estar todo remexido, não se sabendo o que teria movido os gatunos. Pensa-se, contudo, que pela proximidade de uma ourivesaria, poderiam ter ido estudar o terreno. Até porque as marcas ficaram na parede e um buraco nas escadas de madeira.
Neste prédio, no último andar e águas-furtadas, “mora” o senhor Júlio Oliveira. Escrevi "mora" com aspas, porque, na prática, o casal Oliveira só cá vem de vez em quando. A residir mesmo está na aldeia, ali para os lados do Senhor da Serra –quem mo confirma é o próprio.
Então, conte-me, senhor Júlio, quanto paga de renda, pelo quarto andar e águas furtadas, onde há mais de quarenta anos, consigo, moraram 11 pessoas?
-Estou a pagar 18 euros…quase quatro contos –responde-me com algum ênfase, como se quisesse prolongar a verba e esta  fosse muito grande.
Atalha imediatamente a esposa:
-Pois, mas é preciso ver que moramos aqui há 60 anos e, quando viemos para aqui viver, o meu marido ganhava 900 escudos -4,50 euros. Sabe quanto viemos pagar de renda? 500 escudos -2,50 euros. Uma fortuna para a época!!
Continua o senhor Júlio Oliveira, "hoje não mora aqui quase ninguém. Olhe que há seis décadas, só aqui nesta rua –que tem cerca de vinte metros de comprimento- chegaram a morar 71 pessoas."
Naturalmente que não quis estar ali com lições de moral –e mesmo que o fizesse, que direito tinha eu? Apeteceu-me interrogá-los se os seus ordenados ou reformas, hoje, se continuam a guiar pela bitola de há 60 anos atrás.
Uma coisa é certa: salta à vista que neste caso, como noutros iguais, os arrendatários mantém as suas casas semi-ocupadas porque as rendas são de miséria.
Sei de alguns casos de prédios inteiros em que os pisos de habitação estão ao abandono; o rés-do-chão está ocupado com loja e os restantes andares estão pura e simplesmente ocupados com teias de aranha. Simplesmente, como o contrato de arrendamento é do edifício todo, nada se pode fazer. Ainda há dias, a esposa de um amigo meu, professor universitário, encontrando-me, e como sabe que eu escrevo uns desabafos, lá me foi dizendo: “já viu aquela miséria, ali no meu prédio da Rua da Louça? No rés-do-chão está a loja, os vários pisos de cima estão completamente desocupados. E eu preciso tanto de colocar lá a morar a minha filha, que é arquitecta como sabe. Já viu o que estão a fazer à Baixa? Vinha para aqui morar uma nova família, montava ali o seu ateliê, e tudo isso dava movimento ao Centro Histórico. Como este absurdo NRAU, Novo Regime de Arrendamento Urbano, protege estas pessoas, não posso fazer nada. Já viu isto? Acha que isto está certo?” –interrogava-me em retórica.
Será que ninguém se importa com este situacionismo? Até quando pagarão os justos para beneficiar notoriamente os pecadores infractores? O grave é que as consequências colectivas para estas zonas de antanho estão a ser terríveis. Porque é que continuamos com este regime de habitação criminoso? Como entender estes políticos irresponsáveis, apáticos, desleixados e que se estão a marimbar para o bem comum?

1 comentário:

Anónimo disse...

É verdade Luís,mesmo com algumas melhorias(poucas),quando comparada com a lei vigente nos idos de 80 e 90,a actual lei do arrendamento é totalmente desadequada da realidade.Em alguns aspectos direi mesmo ridicula.Parece uma legislação saída do PREC.Continua a prejudicar os proprietários,principalmente os pequenos.Como já referiu variadissimas vezes aqui no blog,existem casos em que os senhorios vivem pior,tanto a nivel de condições habitacionais como financeiras,do que os seus inquilinos.Tanta preocupação com inquilinos!Pergunto até quando vão durar estes resquicios legislativos «preconianos»,quem se preocupa com os pequenos senhorios e proprietários?
Marco