Andava eu ontem aqui na Baixa, atrás de Manuel Alegre –o candidato à presidência da República apoiado pelo Bloco de Esquerda e o Partido Socialista-, passeava ele, juntamente com uma grande comitiva, numa arruada pelo Centro Histórico, quando o meu bip tocou. Era o director do blogue, o Luís Fernandes, a chatear-me.
Ó pá, fiquei lixado! Fiquei mesmo. Bolas, por acaso estava naqueles dias em que me sentia um perfeito idiota. Não sei se já vos aconteceu sentirem-se assim, se calhar não. Andava à procura de um “boneco” giro, uma foto daquelas engraçadas, não sei se estão a ver. E não acontecia nada. E logo agora aquele estropício do chefe havia de me interromper. Pronto, o que é que se havia de fazer? Lá fui eu para a sede do jornaleco.
Ia tão distraído que até me esqueci de bater à porta do escritório do director. Eu seja ceguinho se foi por mal. Abri a porta de repente, e apareceu-me aquele espectáculo. Ia-me caindo o coração aos pés. Então não é que o cabrão estava todo enrolado com a minha Rosete? – Esta miúda, que é boa “comó” milho”, é estagiária de jornalismo, não devem conhecer.
Está bem, bem sei que, para mim, é apenas um amor platónico, mas não importa nada. Gosto dela, pronto! Ficaram os dois atrapalhados que parecia coisa má. Só queria que vissem o gajo de calças na mão. Se vocês querem ver um homem indefeso é vê-lo de “pantalones” aos pés. Apesar da minha alma escorrer sangue, sofrido de lágrimas de inveja, mesmo assim, deu para gozar a situação. Ai isso deu!
-Que é isso, ó “Olho de Lince”, agora entra-se sem bater, é? Já chegámos à Madeira? –interroga o Fernandes, mas assim sem fôlego, como quem é apanhado a roubar as cuecas do estendal da vizinha.
-Peço muita desculpa, chefe. Juro que foi sem querer. Lá ia eu fazer isto intencional? Até porque já sei que quando se apanha sozinho com a Rosete abusa logo da sua posição dominante…
-Que é isso?...Que é isso? Que maneira de falar é essa? Você ultimamente anda a abusar…
-Ai ando, chefe? Pague-me o que me deve, que eu vou-me à vida. Há mais de um ano que não me paga ordenado…
-Deixe-se dessas merdas, ó “Olho de Lince”, isso para aqui não interessa nada. Aliás, vendo bem, nem sei se você não deveria pagar para trabalhar no blogue mais importante da Baixa da cidade…
-Quê?... Fiquei só pela interrogação porque a minha Rosete, o amor da minha vida, descaradamente, pé, ante pé, chegando-se mim e embrulhando-me naquele olhar lânguido e libidinoso de cadela com cio, com voz melosa, ordena: “amor, aperta aí o soutien!”. Porra, um homem não é de pau! Até um “furamundos” como eu, um valentaço que andou pelo Afeganistão, perante um pedido destes, uma pessoa vai ao tapete. A tremer mais que uma vara verde, lá apertei o colchete, e ela saiu.
- Ó “Olho de Lince”, chamei-o aqui para lhe dizer que você logo está escalonado para ir cobrir o jantar do Alegre ao Hotel Dona Inês, diz-me o gajo, assim numa voz de cão rafeiro e esfaimado, não sei se conhecem.
-Oh…então mas não era para ir o chefe? Ah, já sei! Você não vai à bola com o poeta, não é? Tenha lá tomates, diga a verdade. Você gosta é do Cavaco…
-Não me irrite, ó “Olho de Lince”. Não me fale nesse gajo. Votei nele para a sua eleição, lá isso é verdade. Mas, se eu pudesse, pedia a devolução do voto. Saiu-me melhor que uma toranja de Boliqueime. Anda para aí a apelar ao consenso, que já nem sei bem o que o move. Só sei é que é uma das figuras da Santíssima Trindade, incluindo Durão Barroso e o senhor dos Passos!
-Então, não estou a perceber. Porque é que não vai “cobrir” o Alegre ao Dona Inês?
-Você não entende destas coisas, mas um director de um jornal, de um blogue, de uma rádio, ou outra coisa qualquer, não deve comparecer nestes eventos. Tomam-no logo como apoiante, não sei se está ver. Ora, como sabe, todos vivemos de aparências. É ou não é?
-Ó chefe, mas eu estou com um grande problema. Estou completamente liso. E é preciso pagar o jantar, não é? Além disso, olhe aqui os meus sapatos –e fiz um quatro a levantar um mais estafado que o banqueiro Salgueiro. Está a ver que tenho as solas completamente gastas? Fiz-me caro. Claro que eu cá dentro já estava em pulgas de ansiedade. Por nada deste mundo eu deixaria de ir ver o meu segundo amor platónico: a “minha” Marisa Matias.
-Isso não importa nada. Tome lá “um pintor” (uma nota de vinte euros), compre uns sapatos aqui na Baixa e guarde 12 euros para o repasto.
Às 20H30 lá estava eu à porta do Hotel Dona Inês. Entrei e lá me acomodei num canto para “morder” tudo. Dentro da sala, ainda sem Manuel Alegre, era perceptível alguma ansiedade nas pessoas sentadas. Era como se os seus olhares, a varrerem a sala como raio de luz “farolada”, sempre que se prendiam em alguém, interrogassem: “quem é este?”.
Até que o apresentador de serviço, em voz polida e refastelada, ao som de uma marcha, anuncia: “e agora vai entrar na sala o futuro Presidente da República!”. O “man” que estava ao meu lado puxou o colete, compôs a gravata e passou a mão espalmada pelo cabelo esbranquiçado. A sua cara-metade, pôs as mãos em concha sobre os seios, puxou a saia curta para baixo e ensaiou um movimento na cadeira. E entra o candidato. Beijinho para aqui, abraço para acolá, e segue em direcção à mesa de honra, onde se sentou mesmo ao centro. A seguir, no seu lado esquerdo, a esposa, a seguir Rui Alarcão e na ponta Mário Ruivo. No seu lado direito, António Arnaut, Faria da Costa e Marisa Matias.
A sala, de cerca de 300 pessoas, estava praticamente repleta. Entra então Henrique Fernandes, o actual Governador Civil e logo a seguir Manuel Machado, mandatário de Vítor Baptista, opositor vencido mas não convencido na polémica eleição para a federação do PS.
Coube a Faria da Costa, professor de direito, fazer a “breve” –segundo as suas próprias palavras- oração de sapiência. Pelo tempo longo, que não teve nada de breve, transformou-se numa oração de…paciência. Vamos lá então ouvir trechos do professor, poeta e escritor:
“A festa é partilhada; sonhos e até, por vezes, naturais. Estamos juntos à mesa. Estamos juntos, e o que é que partilhamos? Eleger Manuel Alegre para Presidente da República de Portugal.
O que há a fazer? Quais as bússolas que nos devemos munir?
Três verdades essenciais: Racionalidade, Empenhamento e Crença na Vitória.
É pois com lucidez e crença na vitória que devemos acreditar para eleger Manuel Alegre. Votar em Manuel Alegre , atrevo-me a dizer, é um imperativo da esperança.
Viva a República. Viva Portugal!” –e seguiu-se uma grande ovação. Ficou sem se saber se as palmas seriam atribuídas ao discurso escrito ou ao facto de ter finalmente terminado.
E fala o candidato Manuel Alegre:
“Amigos, companheiros, camaradas. Saúdo o Doutor Faria da Costa, saúdo todos os cidadãos independentes, o Bloco de Esquerda, saúdo o Dr. Mário Ruivo, saúdo o Partido Socialista, o Dr. António Arnaut, meu mandatário.
Estou aqui para abolir as palavras “fatalidade” e “inevitabilidade”.
Sou a luz que tem a política (…) servir o povo, servir o país, servir a República.
Apresento-me tal como sou. Não venho dizer ao governo o que deve fazer.
-Não aos banqueiros que estão a mediar e a substituir o presidente da República.
“Cortar, cortar, cortar”, é o lema dos ex-ministros das finanças, até conseguirem cortar a nossa paciência.
Portugal precisa de consolidar as Finanças Públicas.
Quem votar em mim, vota em quem tem uma visão do mundo. Quem vota em mim, vota numa pessoa que tem uma natureza humanista.
A palavra é uma força de inspiração dos povos.
Sou contra a ditadura dos mercados sem rosto.
Quem me conhece sabe quais são os meus valores.
Não porei em causa o SNS, Serviço Nacional de saúde, nem a Escola Pública. Pugno pela justiça. O estado em que está a justiça tem de terminar. Doa a quem doer.
O actual presidente não dá essa garantia.
Uma vitória da direita pode significar o fim das garantias de Abril.
Estou aqui pela História, cultura, pela igualdade de géneros.
Estou aqui porque sou socialista. Porque acredito que o socialismo é a ideia mais nobre do mundo.
Esta é uma oportunidade que não pode ser perdida.
Convoco todos os democratas, amigos, camaradas, companheiros, comunistas.
É possível vencer esta batalha!”, resumo, em trechos, do discurso de Manuel Alegre.
E seguiu-se o jantar. Já iam os ponteiros do relógio nas 21 e muitas.
Depois de um creme de cenoura, seguiu-se um saboroso lombo de porco. O hotel, no repasto esteve à altura do candidato. Não esqueceu nada. Para lembrar os tempos de combatente pela democracia, em simbologia, a gerência da unidade hoteleira até serviu uns pães duros como cornos de rinoceronte, tudo para fazer ver aos mais novos que a vida não é só lugares de tacho e pãezinhos de leite.
Quem andava feliz como uma gaiata era Teresa Portugal. Era vê-la, de mesa em mesa, a agraciar os convivas, como mestre-de-cerimónias. Quando me viu a comer, piscou-me o olho. Viu logo o esforço que eu estava a fazer para cobrir tudo. Para passar despercebido, até comia igual aos restantes convivas e apoiantes.
Custou-me à brava ver a minha diva, a “minha” Marisa, abraçada a Alegre. Porra, isso não se fazia. Ainda por cima nas minhas bentas. Ela levava o candidato para a direita –salvo seja- para o apresentar a uns bloquistas amigos e até falar com o Fernandes Thomáz. Ela arrastava-o para a esquerda, onde estavam sentados uns camaradas de Alcouce –o mais antigo lugar da democracia. Ainda o reino andava nas partes baixas do conquistador Afonso e já Alcouce estava no mapa.
Quem andava numa roda-viva era o meu amigo Mário Ruivo. Ninguém o largava. Pareciam moscas em volta de uma taça de marmelada. Claro que não tinha nada a ver com o facto de ter ascendido a vencedor da federação e ter apeado Victor Baptista. Se parecia, era simples coincidência.
Por falar em Victor Baptista , estive até ao fim do jantar à espera de o ver irromper na sala, de braços abertos e pronto a abraçar o seu camarada de contenda. Assim naquele jeito do “perdoa-me”, da Fátima Lopes. Mas qual quê? Já não se fazem programas como antigamente.
1 comentário:
Gostava imenso que Alegre explica-se o seu slogan.
Solidário com quem?
Justo com quem?
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