domingo, 28 de agosto de 2022

MEALHADA: AS MEDIDAS ANUNCIADAS PARA HABITAÇÃO SOCIAL SÃO UM PASSO PARA CIMA OU PARA BAIXO? (3)

 

(imagem de Leonardo Braga Pinheiro)




A finalizar a anterior crónica deixei no ar a seguinte pergunta: não deveria este mesmo Governo criar condições, transformando-se num árbitro isento e equilibrado, deixando de interferir negativamente na protecção exagerada aos inquilinos, nomeadamente nas rendas antigas, anteriores a 1990, e deixar que o mercado funcione?

E por quê? Porque passado cerca de meio-século da Revolução de Abril o mercado de arrendamento, sobretudo os contratos com rendas anteriores a 1990, a par com a propriedade rústica onde lavram os incêndios, é um dos poucos que, nem andando nem desandando, continua com uma legislação escandalosamente proteccionista de uma das partes, o inquilino, e encravada numa sociedade que se diz dinâmica e que visa o desenvolvimento.

Mas, salienta-se, no referente aos novos contratos de renda livre, o sector do arrendamento continua abandonado e sem perspectiva de gerar confiança nos investidores. Todos os dias ouvimos histórias de arrepiar, de arrendatários que, para além de ficarem a dever vários meses, se não anos, quando abandonam o locado deixam tudo destruído. Naturalmente em desvantagem perante a besta normalmente disfarçado de cordeiro, o proprietário, para não recorrer ao tribunal, que sabe que vai demorar até chegar a julgamento, leva com tudo em cima e, muitas vezes, prefere manter a casa vazia e fechada do que entrar neste jogo diabólico.

É assim tão difícil de pôr termo a estes desmandos? Não, se houvesse vontade política de mudar as coisas. Bastava instituir um seguro obrigatório acoplado ao contrato para prevenir a devastação; assim como, instituir uma caução mais elevada a devolver no acto de entrega; e ainda uma espécie de cadastro comportamental do inquilino que deveria ser acessível ao locador.

Mas nunca houve, nem há vontade dos grandes partidos de poder, nomeadamente o PSD e o PS, em alterar este estado de coisas. Um e outro partidos, há muito que utilizam a iniquidade do arrendamento como arma política de conveniência. Um e outro estão mais interessados nos seus dividendos eleitorais do que em repor a justiça e contribuírem para uma comunidade mais fraterna e justa.

O resultado desta falta de equilíbrio legal entre as partes, senhorios e inquilinos, como é de ver, tem gerado no país um generalizado abandono da propriedade.

Como está de ver, para colmatar o desequilíbrio, o resultado é, recorrendo a verbas públicas que são de todos mas não de quem as distribui, usar o que está mais à mão e custa pouco: habitação social.

Para além gerador de clientelas negativas para o desenvolvimento social, sabe-se que estas medidas distribuídas a esmo são indutoras de como produzir um péssimo cidadão com a ajuda de um mau Estado, aquele, que, não precisando de grande esforço, para os seus desejos serem realizados basta não fazer nada.

É bom lembrar também que as rendas a pagar pelo contemplado tem por tecto o Indexante de Apoios Sociais, que este ano está em 443.20 euros. Ou seja, quanto menor for o rendimento do agregado familiar, menor será a mensalidade a pagar pela habitação social atribuída – num completo desvirtuar da criação de riqueza. Conheço pessoas com uma mensalidade de pouco mais de 5 euros.


II


Recorrendo um pouco à história do falhanço do arrendamento, vou atrasar o relógio apenas 20 anos. Depois de várias décadas de rendas congeladas, em 2002, Durão Barroso, (PSD), com a promessa de alterar a Lei do Arrendamento, ganhou as eleições legislativas. Passados menos de dois anos, com a sua fuga para uma cadeira dourada para Bruxelas, para os proprietários, lá se foi a expectativa de mexer nesta iniquidade em forma de código legislativo.

Veio Santana Lopes, em 2004, e, naturalmente, mais uma vez a certificar dar continuidade ao projecto do seu antecessor e a prometer uma lei mais flexibilizada, com menos peso do Estado. Segundo as suas promessas, os arrendamentos posteriores a 1990 seriam actualizados em cinco anos e os antigos, anteriores a esta década, seguindo o exemplo de Espanha, seriam em dez anos modernizados e revistas todas as rendas de miséria. Santana foi demitido por Sampaio – por inerência da dissolução da Assembleia da República - e, mais uma vez, lá morreu na praia a tão ambicionada reorganização.

Em 2005, com as novas eleições, veio o Partido Socialista, com José Sócrates a ganhar com maioria absoluta, e, mais uma vez, a garantir intervir no arrendamento urbano. Em 21 de Dezembro de 2005 foi aprovado na Assembleia da República a nova lei do arrendamento e apresentada pelo Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local.

Em 28 de Junho de 2006 entra em vigor o Novo Regime de Arrendamento Urbano. Previa este diploma de alterações ao Regime de Arrendamento Urbano, entre outros, sobretudo, a actualização das rendas dos contratos para habitação celebrados antes da entrada em vigor do Decreto-Lei 321-B/90, de 15 de Outubro, bem como as rendas dos contratos não habitacionais celebrados antes do Decreto-Lei 257/95, de 30 de Setembro.

Só que esta aparente nova lufada de ar fresco, na prática, revelou-se uma manta de retalhos e de confiança esfumada e petrificada. Ou seja, se até aí as coisas estavam mal, a partir da entrada em vigor deste Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU) ficaram muito abaixo de péssimo.


(Continua)


TEXTOS RELACCIONADOS


Mealhada: as medidas anunciadas para a habitação... (2)

Mealhada: as medidas anunciadas para a habitação... (1)

Sem comentários: