sexta-feira, 5 de agosto de 2022

EDITORIAL: SER OU NÃO SER UM ESTADO LAICO, EIS A QUESTÃO

 




Começo com uma ressalva: tenho um fraquinho por esta maioria, constituída pela Coligação Juntos pelo Concelho da Mealhada e Movimento Independente Mais e Melhor, que, desde 18 de Outubro quando tomou posse, governa a Câmara Municipal de Mealhada.

Embora esteja muito longe de conhecer todos os eleitos, pelo que leio e me vou apercebendo, desde os presidentes de junta, deputados à Assembleia Municipal e vereadores, incluindo o timoneiro, António Jorge Franco, parece-me um grupo que sabe o que quer e coeso na defesa das ideias de renovação que apresentaram em campanha eleitoral. No geral, são pessoas simples, acessíveis a qualquer munícipe e humildes no trato.

Passados dez meses, em balanço geral, devagar, devagarinho, estão a arrumar a casa no que ficou por fazer dos dois mandatos socialistas, 2013-2021, tendo por chefe de missão o actual líder da oposição Rui Marqueiro.

Talvez por ignorância, por comodismo, ou por uma questão de respeito institucional que todos os mandatados pelo voto popular merecem, não serei nunca daqueles que afirmam que tudo o que o ex-presidente da autarquia fez está mal feito. Entre defeitos e virtudes, cabe aos eleitores avaliar e julgar o trabalho apresentado – e isto não significa que eu não tenha opinião. Quando julgo oportuno, como agora, plasmo o que me vai na alma.

E o que me leva a escrever esta crónica é o ponto 2 da Ordem do Dia, da Ordem de Trabalhos, da próxima reunião da Câmara Municipal, que vai acontecer na próxima terça-feira, dia 9 do corrente.

E, concretamente, o que diz o segundo ponto da agenda municipal? Apenas isto: “Comissão da Capela da Silvã – Pedido de apoio para aquisição de andores”.

E o que é que isto tem de mal? Pareceu-me ouvir um zunzum vindo aí do seu lado.

Calmamente eu explico. A comissão da Capela da Silvã, certamente, por ter os andores em que assentam as imagens sacras e são transportados por populares em mau-estado de conservação, precisa de uns donativos para fazer a substituição ou melhoramentos na sua preservação. Vai daí, fazendo um requerimento, apela que a edilidade contribua.

Sem ter completa certeza pelo que vem de trás, tanto quanto julgo saber, a decisão de aprovação depende muito das alegações apresentadas pelo subscritor. Isto é, julgo, depende muito do valorativo entre o profano e o sacro e o grau de importância em que se insere o peticionário. Por outras palavras, quanto maior for o agregado em número de votos, digo eu, mais hipóteses terá de ser subvencionado.

E não está certo? Pareceu-me ouvir uma interrogação vinda do seu lado.

Eu respondo: não, não está certo.

Primeiro, embora a Constituição da República Portuguesa não plasme preto no branco que o país é laico – que não sofre influência ou controlo por parte da igreja -, a verdade é que no seu artigo 41.º, 4, diz o seguinte: “As igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto.”

Ou seja, se a grande bíblia dos direitos não afirma solenemente uma intenção separadora também não redige o seu contrário imperativamente. Isto é, em jeito de recomendação comezinha sublinha a necessidade de haver afastamento.

Segundo, como neste caso da Mealhada, qualquer autarquia tem obrigação de manter um certo distanciamento na distribuição de dinheiros públicos, que são de todos nós, para melhoramentos em capelas ou artefactos que fazem parte do desempenho do culto religioso.

Até porque o âmbito da medida, penso, não é geral e abstracto - como quem diz, para todos. Basta lembrar que há cerca de vinte anos a Capela da aldeia de Barrô foi totalmente restaurada e implicando o seu orçamento em largos milhares de euros… que, e muito bem, foram suportados pelos habitantes da povoação, crentes e não crentes.

E mais, há cerca de um ano, na Póvoa da Mealhada, foi recuperada a capela de São José, por dentro por fora, à custa de populares empenhados.

Terceiro, se não houver um discreto afastamento entre a edilidade e as comissões fabriqueiras, o que fica no ar é que, à custa do dinheiro de todos, semeiam-se campanhas eleitorais e captação de votos.

Quarto, em nome de todos, seria de bom tom que este novo executivo, e a começar já nesta próxima terça-feira, se demarque de financiar acções que, por direito e obrigação, cabem aos seguidores e acólitos dessas igrejas.

A haver alguma compensação e apoio, tendo sempre em conta a grandiosidade da festa religiosa e o retorno para o concelho, deve ser sempre com ajuda material e não pecuniária, através da organização, logística, como quem diz, isenção de pagamentos de licenças e outras premissas.

Vale a pena pensar nisto?


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