quarta-feira, 8 de agosto de 2018

BAIXA: CRÓNICA DA SEMANA PASSADA

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)



REFLEXÃO


Talvez sem darmos por isso, estamos a tornar-nos eremitas socializados. Aparentemente acompanhados, mas terrivelmente sós. Cada vez mais mais sozinhos e prontos a cair nas malhas da depressão. No dia-a-dia, acentuadamente, estamos a perder os princípios e valores que os nossos ancestrais nos legaram. A palavra dada, esvaziada de qualquer sentido de respeito que referenciava e demarcava alguém, deixou de ser o paradigma e símbolo de um compromisso assumido sem escritura. Hoje, como o incumprimento é a norma, não se confia em ninguém.
A comunicação prostitui-se completamente. Abandalhada pelas ruas do descrédito, poucos respondem a uma mensagem interrogativa telefónica. Tentar falar com alguém através do telemóvel, só atende se for da sua conveniência. Se não lhe levar créditos para o seu interesse, nem responde nem retorna a chamada.
O insulto gratuito tomou conta da maioria. Subentende-se, é como se quem enxovalhar mais passe a ser mais lido ou ouvido.
As redes sociais, transformadas numa espécie de muro de lamentações pessoais, onde ressalta a frustração e a esperança negativa no humano e no amanhã, estão repletas de desconsideração e perjúrio, onde o juramento falso por uma verdade, passou a ser o lugar comum. Como só se reage quando visado, o aviltamento, desde que seja direccionado a outro com a sua honra colocada em causa, passou a ter permissão como doutrina que religa e para ocupar um lugar de relevo neste novo costume. Sem qualquer controvérsia, sem oposição, num colaboracionismo colectivo que mete dó, estamos todos a transformar-nos em objectos sem dignidade, de usar e deitar fora, e de manipulação fácil.



UM CALOR QUE MAL SE AGUENTA




Na semana passada a cidade, tal como todo o país, foi bombardeada com uma canícula de assar o mais resistente ao calor. Com os termómetros a passarem os 41º graus Celsius, os residentes e os turistas que nos visitam em trânsito pareciam zombies a divagar num limbo.


POR FALAR EM TURISTAS…




Em grandes grupos familiares, quase todos de calções abaixo do joelho, calçado ligeiro nos pés, mochila às costas e smartphone sempre em ristepara apanhar uma boa imagem, nestes primeiros dias de Agosto, de nariz no ar e atentos a qualquer movimentação acima do olhar comum, estão a invadir todos os cantos e recantos da Baixa. Nas cabeças predomina o chapéu de abas largas, a proteger da canícula, trazendo à memória montanheses, como investigadores, fazem lembrar Harrison Ford em busca da arca perdida.
Nas ruas a mistura de línguas faladas onde o português parece envergonhado e mal se ouve, preparando um audível caldinho universal de culturas, faz de Coimbra uma cidade cosmopolita. Por estes dias são às centenas, senão em milhares. São os turistas “low cost” da nova vaga.


AUTO-TESTE NO MUNICÍPIO




Como se este exercício de imobilismo servisse para testar o seu realizador, neste último Sábado, a Câmara Municipal de Coimbra, através do pelouro da Cultura, organizou na Baixa a II Mostra de Estátuas Vivas. Inserido num projecto cultural que visou trazer gente para a zona histórica, correu muito bem, sim senhor! A autarquia safou-se e merece uma salva de palmas.
Assim o seu desempenho global para a revitalização do Centro histórico merecesse a nossa aprovação. Infelizmente, como tanto tenho escrito, não é assim. A edilidade, num desalinhado plano sem ordenação e sem consulta a quem cá reside e trabalha, continua a decidir mal sobre questões essenciais e que marcam o nosso tempo recente. A Baixa, sem orientação superior, continua o seu caminho em busca de uma identidade perdida mas à custa dos investidores particulares. Aqui fica o pedido: se não orienta e não quer saber, no mínimo, deixe andar e não crie entraves burocráticos a quem, sem a rede do orçamento do Estado, arrisca as suas poupanças.


VIDA NOVA NA PAISAGEM




No antigo espaço do Runkel & Andrade, na Avenida Fernão de Magalhães, abriu há dias um novo espaço de restauração aberto vinte e quatro sobre vinte e quatro horas. Numa medida de grande inteligência, juntando o útil ao agradável, esta encantadora superfície, para além de ser área de restauração serve também como recepção de hóspedes para o Hotel Almedina nos pisos superiores.
Repetindo, um projecto dois em um, com fino gosto na decoração simples mas arrojada. Parabéns à gerência da reputada unidade hoteleira.

UM REGRESSO QUE SE APLAUDE





Depois de dois anos na cidade de Espinho, regressou à Lusa Atenas a família Meireles. Sem necessitarem de grandes apresentações, os Meireles, constituídos pelo Fernando, filho e júnior, e o Fernando, pai e sénior, esta dupla de músicos tem encantado vários palcos pelo país fora. No aforismo certeiro de que “santos da casa não fazem milagres”, Coimbra passa ao lado do enorme talento que estes dois prodígios distribuem a quem passa na Rua Visconde da Luz.
Se um dia destes os encontrar na rua larga, por uns minutos, pare, escute e olhe. São do melhor que existe na nossa música tradicional portuguesa.

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