quinta-feira, 16 de agosto de 2018

BAIXA: CRÓNICA DA SEMANA PASSADA

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)





REFLEXÃO

A Baixa, como comboio em piloto automático a deslizar sobre carris em direcção a um horizonte certo mas desconhecido, continua a sua senda. Sem intervenção camarária, cuja entidade administrativa e política tem por obrigação estabelecer um mapeamento futuro, a zona histórica segue por conta própria mas, sobretudo, pelos desígnios dos investidores particulares. O que traça o seu destino é a conveniência egoísta individual que, embora admissível, apenas por simpatia, acaba por imbricar no interesse público por arrastamento. Como se adivinha, melhor seria que, por parte do executivo municipal, houvesse vontade política e estivesse disposto a debater e criar estratégias confinantes ao benefício de todos.
Ainda sem grandes alardes comparativos com o que se passa em Lisboa e Porto no que toca à especulação imobiliária, a verdade é que, devagar, devagarinho, está acontecer na Baixa. Há vários casos de prédios de habitação que foram adquiridos nos últimos tempos e que, passado pouco meses, viram o seu preço triplicar. Se é certo que vivemos numa economia aberta - querendo dizer com isto que não é fácil de evitar estas transmissões especulativas -, também é certo que o poder local deve estar atento a estes fenómenos de criação de riqueza parasitária e, através de instrumentos de regulação, evitar que qualquer dia esta zona velha seja uma espécie de cemitério, cheio de mausoléus a ostentar o “vende-se”, só com vivos nas épocas festivas, turísticas, e vazio de tudo nas épocas baixas. A começar pelo Governo central, que criou medidas transitórias para evitar os despejos de inquilinos, está muito preocupado com o arrendamento mas, depois, no outro extremo, esquece as transacções que visam o lucro somente como finalidade.






O PRINCÍPIO DA HISTÓRIA




No último Sábado, no antigo espaço do desaparecido BANIF, no Largo da Portagem, abriu a Comur, um conceito novo para vendas de conservas portuguesas em lata
Apostando numa decoração de vanguarda, museológica, no caso Joanina, baseada na biblioteca da Universidade de Coimbra, rica nos pormenores artísticos, onde a imagem pretende constituir o primeiro apelo aos sentidos e que leva o consumidor a, quase sem dar por isso, entrar na superfície comercial. Esta nova loja do ramo alimentar institui nesta zona de antanho, e mais propriamente no largo que é o salão de apresentação da cidade e estendendo-se às duas ruas largas, Ferreira Borges e Visconde da Luz, uma nova concepção no comércio, pelo menos como estamos habituados a ver. Não é somente nos detalhes decorativos que esta nova loja será, porventura, revolucionária, é sobretudo pelo horário que pratica: todos os dias entre as 10h00 e as 22h00. Um estabelecimento inserido numa zona de turnos entre as 09h00 e as 19h00 de segunda a sexta, que ousa romper o situacionismo, inevitavelmente, será sempre um precursor que, em mimética, levará outros a seguirem o seu exemplo.


Na semana passada abriu uma nova loja de livros, sobretudo em língua inglesa, na Rua do Corvo, quase em frente a Ricarlina.
Sobre gerência de Jacqueline Austin, uma professora inglesa aposentada com várias paixões, entre elas Portugal e os livros, é um projecto que procura pernas para andar. Uma vez que o inglês está transformado na língua universal, a intenção é criar uma carteira de clientes desde os jovens aos mais velhos no idioma de Sua Majestade.
Residente em Mortágua há meia-dúzia de anos e já a entender bem e a falar quase melhor o português, escolheu a Lusa Atenas para o seu negócio por ser uma cidade média e com muitos estudantes.
Em nome da Baixa, se posso escrever assim, seja bem-vinda e que alcance o merecido e legítimo sucesso.


COMO FÉNIX QUE SE REERGUE DAS CINZAS




Depois de cerca de um ano encerrada e a acumular o pó nos livros, (re)abriu  na semana passada a histórica Casa do Castelo, na Rua da Sofia.
Em boas mãos, ou seja na pessoa certa que trabalha com o artigo certo, este projecto nunca falhará. O novo ocupante, que trata os alfarrábios por tu há muitas décadas, é um nosso conhecido e amigo, o José de Almeida Gomes, que vai complementar o armazém do Tovim de Cima com uma loja na Baixa. Seja bem-vindo, senhor Gomes!


UM MORTO QUE SE NÃO FOR ESTARÁ VIVO




Na quinta-feira da semana passada, cerca das 18h00, no Beco das Canivetas, que dá ligação entre a Cozinha Económica e a Rua Adelino Veiga, um indivíduo de “cerca de cinquenta anos”, alegadamente, foi apunhalado com várias facadas. Foi o 112, com uma ambulância, que o apanhou muito ferido e levou para os HUC, Hospitais da Universidade de Coimbra.
Embora as informações sejam difíceis de obter, confirma-se que, de facto, foi mesmo trespassado e cortado com vários golpes no corpo – há várias pessoas que viram o homem caído no asfalto e a esvair-se em sangue. Sabe-se também que a vítima é (foi) um indivíduo de apelido Grilo, um sem-abrigo que dormia na reentrância das montas da desaparecida loja de brinquedos Românica. Hoje, por aqui pela Baixa, consta-se, de boca-em-boca, que teria morrido no hospital. Como não se sabe o nome por inteiro, por parte da unidade de saúde, não foi possível saber o seu estado clínico e se teria mesmo falecido.
Com os comerciantes da zona muito preocupados com a falta de policiamento que vem acontecendo na Baixa, sobretudo, no último ano, agora, com a nomeação de Rui Moura como novo Comandante Distrital da PSP de Coimbra, renasce a esperança de melhores tempos em termos de segurança.


FALECEU UMA FIGURA ICÓNICA DA CIDADE




Subitamente, nos primeiros dias deste Agosto, depois de se ter sentido mal na Figueira da Foz, onde residia, foi transportado de urgência para os CHUC, Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, veio a falecer há cerca de uma semana o/a Paulo/Paulinha, um precursor do travestismo na cidade. Tinha 54 anos de idade e foi baptizado com o nome de João Paulo de Campos Lobo.
Embora o conhecesse mal na altura -mas dava para perceber-, tanto quanto julgo recordar e saber, o/a Paulo/Paulinha nasceu mulher em corpo de homem. Ou seja, o seu sexo biológico não correspondia à sua orientação sexual. Com um sinal na face direita, os seus longos cabelos estendidos em cascata pelos ombros tornavam-no numa figura curiosa e polémica. De altura acima da média, com uma voz grave mas melodiosa, de fino trato, a sua forma de apresentação feminina era profundamente maneirista e delicada.
À sua mãe e restante família enlutada, ficam aqui os nossos sentimentos.


FEIRA DE…?




Como já vem sendo hábito há volta de trinta anos, no último Sábado foi inaugurada a Feira das Cebolas na Praça do Comércio.
É uma realização do Departamento da Cultura da Câmara Municipal de Coimbra e do grupo folclórico “Os Camponeses de Vila Nova”, de Cernache. Durante uma semana, esta festa tem por intenção recriar uma tradição de muitos séculos –lembramos que era aqui, nesta praça velha implantada no centro da cidade, que eram comercializados os produtos agrícolas provenientes do Baixo-Mondego. Era conhecida por Feira de São Bartolomeu.
Desde há, pelo menos, uma década que tenho vindo a escrever que esta alegoria, com os seus barracões degradados, velhos e inestéticos implantados no mais nobre e histórico local da cidade, que dá origem ao grande negócio de comes e bebes que, no pico do turismo, ocorrem durante a vigência do certame, não faz qualquer sentido. Para piorar, este ano, apenas duas ou três pessoas permanecem na velha praça a venderem cebolas -na última segunda-feira, quando captei as imagens supra, apenas uma senhora estava presente com baraços. Ou seja, se a autarquia é comparte nesta realização histórica, cedendo os meios e desonerando o pagamento de espaço público, deve e tem de ser exigente no cumprimento da recriação. A explicação nos jornais diários para o facto de haver poucas réstias foi que este ano a produção de cebolas foi má. Isto é explicação que se atenda?
É certo, e não podemos ignorar, que durante uma semana a praça tem muita animação constituída por grupos musicais e de folclore, mas este argumento não cola. Se o tema que dá origem à festividade é a “Feira das Cebolas” e o preceito consuetudinário, do costume histórico, não é cumprido, nesse caso, entramos no campo do incumprimento que, por alheamento do pelouro da Cultura, que é associado, está beneficiar o incumpridor. E mais, neste caso, colaborando a autarquia nesta farsa, está discriminar outros grupos de folclore que também deveriam lá estar presentes por direito.
Sem grande esperança de que este executivo mude alguma coisa, deixando de estar ao serviço de alguns grupos quando deveria perseguir o interesse colectivo, de todos, resta-nos um pouco de fé que para o ano, juntamente com outros agrupamentos de folclore, esta feira se realize no Terreiro da Erva.

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