Hoje,
durante a manhã, quando o duo Meireles, pai e filho, actuava na Rua
Visconde da Luz um agente da PSP,
alegando queixa de comerciantes da principal artéria da Baixa,
dirigiu-se ao Fernando Meireles para que este, na companhia do
primogénito, se deslocasse para outro local já que, alegadamente,
com o som amplificado saído dos instrumentos de corda, estaria a
incomodar. “Chamou-nos à parte e disse: você tem de sair daqui
porque os comerciantes fazem queixa. O agente até foi simpático.
Até disse que gostava de nós, mas que estava a cumprir a sua
função.”
Para
quem não conhecer os Meireles, dois talentos da cultura musical
coimbrã, em poucas palavras, resumo apenas que são dois ícones
sem reconhecimento público. E o puto é uma revelação. Repetindo o que já escrevi mais vezes,
o Fernando Meireles (pai), artesão, investigador, músico de talento
indiscutível, membro do grupo “Os Realejo”, e que já tocou com
Júlio Pereira, Pedro Caldeira Cabral, Amadeu Magalhães, é um
exemplo vivo de que a cidade que o alberga não o merece. Quando o
seu “know how”, o seu saber fazer, deveria estar ao serviço da
comunidade, na Baixa, num prédio camarário, e a ser aproveitado
como professor de construção de instrumentos de artes e ofícios, o
que se constata é o oposto, está a trabalhar numa sala esquecida da
Associação Académica de Coimbra. Meireles, auto-didacta,
instrumentista e estudioso da música tradicional portuguesa,
entrega-se à sua arte de corpo e alma e, felizmente, não tem
dificuldade em sobreviver, mas é triste verificar que, por falta de
visão holística, do todo, os políticos que exercem o poder local
percam uma boa oportunidade de serem úteis e neguem o conhecimento
aos vindouros. Ninguém entende que estamos perante um talento
extraordinário, singular e diferenciado, no modo como fomos
habituados a ver muitos músicos saídos dos conservatórios e
escolas de música tradicionais.
Salienta-se que já por
várias vezes esta acção por parte de agentes da PSP se tem
verificado. Também é verdade que, na maioria dos casos, é sempre
feita com cordialidade. No entanto, é de ver que o que é de mais
aborrece e faz transbordar o copo mesmo do mais paciente.
E A CÂMARA, NÃO
DEVERIA MANDAR CUMPRIR?
Há
vários anos que a ocupação de espaço público por artistas de rua
não é cumprido. Ou seja, quem quer exibir a sua arte fá-lo
livremente na via pública. Em princípio este procedimento até
estaria correcto se não provocasse injustiças e abusos. Isto é, no
tocante à equidade, como a edilidade não aceita inscrições nem
passa licença, acontece que qualquer um pode estar sujeito à
arbitrariedade de quem manda, como já foi o caso do Luís Cortez,
que foi recambiado para a imediação da Loja do Cidadão. No que
fere o bom-senso, a raiar o abuso, basta verificar um ajuntamento
diário que ocorre habitualmente na Rua da Sofia, em que se juntam
no passeio várias pessoas andrajosas acompanhados com cães e a
consumirem vinho. Os queixumes dos comerciantes locais são vários
mas, como é preciso dar a cara e a coragem é coisa rara nos tempos
que correm, até agora o acantonamento vai continuando e à espera
que sejam terceiros a resolver a situação.
E COMO DEVERIA SER?
Já
se sabe que a liberdade mal usada conduz ao libertarismo -a maximização da liberdade de escolha, que por sua vez conduz ao caos e ao anarquismo, enquanto filosofia. E quando
acontece passar-se os limites da decência, num egoísmo individual sem precedentes, o instrumento necessário
para lhe pôr cobro é a lei. O problema é que nestas alturas não
se procura somente ratificar e disciplinar o costume mas, pelo
contrário, vai-se do oito aos oitenta. Por parte do legislador, há
sempre um aproveitamento económico da questão em análise. Quero
dizer que, sobre este quadro dos músicos de rua, se até agora a
exibição dos artista é gratuita no caso de haver uma postura
municipal, mais que certo, os preços pedidos pelo licenciamento da
actividade serão incomportáveis para quem o solicitar. A meu ver,
regulamentar para disciplinar, o que deveria ser obrigatório era a
inscrição prévia na autarquia, com dados identificativos -e a
entrega do requerimento já obriga a um custo de 10 euros. No caso de
ser permanente -ainda que a prestação seja ambulante-, poderia ser
licenciado com um custo mensal mínimo. É bom não esquecer que quem
recorre à rua para apresentar a sua perfomance, na maioria,
por um lado, fá-lo porque não terá outro palco nem outro meio de
subsistir, por outro, o que dá à comunidade é muito mais do que
recebe -é aqui, neste equilíbrio precário que o poder decisório
municipal, sendo justo, tem de pesar os prós e contras.
MAS VOLTANDO AOS
MEIRELES...
Ora,
se o argumento empregue pelos agentes da PSP é que os comerciantes
da Rua Visconde da Luz se queixam a esta polícia, interessa saber o
que pensa a maioria dos profissionais do comércio e, sobretudo se
possível, tentar saber quem é contra a permanência do músico. Por
isso mesmo, fui ouvir alguns deles.
Carlos
Barros, do “Caco – o Original”, à pergunta o que pensava sobre
a prestação dos Meireles, disse o seguinte: “é muito
agradável. É muito bom para a rua. Há clientes que aproveitam para
se sentarem na esplanada a ouvir a sua musica. E também para nós,
que estamos a trabalhar. Animam o dia e tornam-no menos enfadonho. É
um absurdo pensar que alguém está contra uma prestação desta
qualidade, e gratuita ainda por cima?! Querem o quê? Uma cidade
inodora? Sem cheiros, sem ruídos, sem movimento?”
Jaime
Fernandes, da Óptica Fernandes, explanou assim: “a prestação
musical desta família, pai e filho, é uma acção que enaltece a
rua. Eu gosto!
Rosinda
Henriques, de A Casa dos Enxovais, manifestou assim a sua declaração
de vontade: “gosto de os ouvir. Às vezes têm a amplificação
muito alta. Se o som estivesse mais moderado era ouro sobre azul. É
bom para a rua. É interessante para o turismo. Todos devemos ter
alguma compreensão e paciência. É muito bom para a Baixa.”
Francisco
Braga, da casa Bragas, L,da, enfatizou assim: “ouve-se
bem, sem enfado. É bom para a rua porque dá animação e torna a
via pública diferente, quebrando a rotina. Há outros aí bem
piores, e, pelo princípio da tolerância, temos de ter alguma
paciência! Nesta altura do turismo faz todo o sentido. Alegra o
nosso meio envolvente. É importante.”
Nádia
Baptista, da loja Calcedónia, à pergunta formulada se o barulho
incomodava, respondeu assim: “não incomoda nada (o miúdo toca
tão bem, coitadinho!). É muito bom para a rua. As pessoas param
para os ver actuar. Vê-se sempre muita gente à sua volta. Ajuda a
dinamizar a Baixa -já que ninguém faz nada! Acho que faz todo o
sentido. Prefiro ouvir este duo que outros que por aí passam, cujo
ruído, por vezes, é infernal.”
Margarida
Santos, da Casa Baltazar, mostrou assim a sua opinião: “acho
bem este grupo fazer parte da nossa rotina diária. Não faz mal
nenhum, antes pelo contrário. Os turistas adoram. Animam a rua. É
um contra-senso não gostar destes músicos de excelência.”
Paula
Costa, da casa Brancal, à pergunta se conhecia algum colega que
estivesse contra a manifestação cultural, disse o que pensava: “
É bom para a rua. Anima e altera uma quietude que, por vezes, se
torna triste e monótona. È muito agradável. Tocam muito bem. Gosto
muito de os ouvir. Nunca ouvi dizer nada contra. Por outro lado,
parece-me inconcebível haver alguém que não goste de um
espectáculo assim. É uma pena! Bem sei que, apesar de todos
precisarem de ganhar a vida, há por aqui alguns músicos que
exageram, mas estes não.”
Ana
Filipa, da loja Namib, extrapolou assim o seu pensamento sobre este
assunto: “animam a rua. Não costumam estar muito tempo. Estão
uma horita, pouco mais, e vão-se embora. É bom para os passantes.
Quando vamos para o estrangeiro, por lá, também gostamos de ver. Há
por aqui outros bem piores, que, para além de não terem qualidade,
fazem bem mais barulho.”
Liliana
e Clarinda, funcionárias da MultiÓpticas, a uma só voz, falaram
assim: “é óptimo podermos contar com a sua sonoridade para
animar a nossa zona envolvente. Dinamizam a rua. É diferente, para
melhor. Quebram o tédio. Para nós, que estamos a trabalhar, é
muito agradável. Para o turismo, que nos visita, é fantástico. As
pessoas param e ficam ali especadas a ver. É certo que alguns, pelo
som por vezes estridente e monocórdico, incomodam, mas estes não.”
Ricardo
Veiga, da Casa dos Linhos, disse o seguinte: “É agradável
ouvir estes músicos. Desenvolvem e animam a rua. Há outros -esses
sim- que incomodam mesmo. Estes não perturbam!”
Em
resumo final, em apelo dirigido ao comandante da 2ª esquadra da PSP,
talvez fosse bom que os agentes policiais, sempre que se dirigirem ao
Fernando Meireles para circular e invocando o nome de comerciantes
para justificar o seu mandado, dessem o nome dos descontentes. Sem
duvidar da alegação, pelo princípio da transparência dos actos
administrativos, seria bom que, futuramente, assim acontecesse.
1 comentário:
Amigo:
Quando um agente nao tem capacidade de actuar consuante a sua intectualilade e humanismo
e age cegamente a ordens vocifradas, estamos perante a prova que estas forças servem os magnos e suas corporaçoes.
Apesar de em maioria ser o Zezinho a pagar a factura dos seus ordenados e subidas imeritas de suas carreiras
baseadas, (haja padrinhos, cunhas ou patuscadas) quaze ordinariamente nos anos de servico e nao na distincao
do saber e, ou, predicado laboral, e' mais que evidente que brutalmente exercerao, accoes contra nos e em defesa
dos que estao no poleiro e que de maneira alguma querem o putrificado e viciado galinheiro vasculhado.
Conheco o duo artistico de que nos fala nao pessoalmente mas ha' muitos anos que vao passando, gracas a sua
aptidao artesanal e dom artistico, pelos ecrans tanto das nossas televisoes como os dos nossos monitores de computador.
Certamente a primeira vez que os vi foi, varios anos atraz, num grande documentario de varios episodios, apresentado
pela Globo TV Internacional e que estudava a historia do nosso cavaquinho, aqui ukalele, e seu desenvolvimento como instrumento e
envolvimento na musica de varios povos mundo fora. Ai' conheci o pequerucho. Ainda ao colo do pai, fiquei a saber que ja
estudava violino.
Saiba caro amigo, nao e'O Sr. Meireles que me peocupa pois tal como um bom lavrador sabe quando mete os bois ao carro qual e'
a besta que mais depressa se espanta, tambem ele se sabera' defender das investidas dessas feras e pelo que conheco dele
tem calibre de quem pega a rez pelos cornos. Mas o menino, que pensa ele, de nos adultos 'a sua volta? E das forcas policiais?
E do mundo que o rodeia? Digamos que esse mundo nao sera muito maior que a cidade de Coimbra e que nas suas viagens a
outros lugares nunca tera presenciado e sentido a brutalidade com que a rejeicao a uma face tao especial da sua vida lhe
esmurra a alma e a afinidade musical que dentro dela vive.
Nao seria nosso dever, dever de todo o Coninbricence, ate' causa politica defender esta crianca, esta mais valia a Coimbra?
Nao e' ele embaixador sem salario, de Coimbra e Coimbroes, no pais e estando eu aqui a seis mil kilometros a escrever sobre ele, no mundo?
Ou sera'grande a perturbacao aos assalariados?
Um grande abraco
Alvaro Jose da Silva Pratas Leitão
P.S. Desculpe ter sido escrito com teclado para Ingles.
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