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Ora, então…então, como é que vão? Bem sei que se está a interrogar acerca do facto de já há várias semanas não vos cumprimentar com esta rubrica “Bom dia pessoal”. Pois…entendo…tem razão para estar aborrecido, mas se posso invocar uns argumentos em minha defesa, creio, vai entender. É assim: eu gostava muito, gostava mesmo, de manter diariamente esta rubrica, o problema é o tempo…que é pouco. Não é por falta de assunto. Pode não acreditar, mas eu tenho sempre algo para transmitir. Às vezes até me admiro, e pergunto, de onde vem toda esta força que, em metáfora, parece aquela água corrente que teimosamente jorra, saída do ventre da montanha. Porquê esta necessidade de comunicar? O que quererei transmitir? De onde provém todas estas mensagens? Enfim, perguntas várias que talvez nunca chegue a entender. Porque, com toda a humildade, se tivesse um projecto político para difundir, mas não tenho. Se fosse crente e tivesse um recado de boa-vontade, até se entendia, mas não sou. Se fosse melhor do que qualquer um, um modelo de integridade, de firmeza, de uma honestidade a toda a prova, fosse capaz de dar a camisa pelo próximo…sou um pouco de tudo isso, mas falho redondamente como os outros. Sofro das mesmas fragilidades dos semelhantes. Cada vez me convenço mais que não passo de um igual entre iguais. Naturalmente com as diferenças que nos distinguem individualmente na forma e na substância, no ser. Uma coisa sei: esforço-me para ser competente, credível e cada vez mais merecedor de respeito. Claro que, como todos os dias escorrego na incorreção, estou muito longe de o conseguir.
Talvez seja mais fácil de descrever os erros que, diariamente, tento não cometer –em princípio, porque até aqui nesta infra-estrutura valorativa, perante uma igualdade antropológica, eu vacilo.
Tenho para mim que a acção do homem é mais imposta pela circunstância do que pelo princípio e valor. Ou seja, em exemplo, acho que todos sabemos que não devemos furtar, mas se os nossos filhos tiverem fome, sem atentar ao valor moral que nos rege interiormente, furtaremos. E esta acção perpassará para outra situação qualquer. Pela defesa de alguém, pela honra ultrajada, por um metro de terra, pela paixão ferida, mataremos. E o caricato é que quando vemos uma notícia destas no jornal até nos rimos: “vejam bem, como é possível cometer homicídio pela mudança de um marco de uma estrema que delimitava uma propriedade”, damos por nós a pensar que esta sociedade estará mesmo perdida.
Costumo pensar que o homem mental de hoje, falando literalmente, é igual ao mesmo produto pré-concebido há milhões de anos. A sua mente –o seu hardware-, ao longo do tempo não sofreu alterações significativas. Está lá tudo, como há vinte milhões de anos. A soberba, a mesquinhes, a traição, a cobardia, a vontade de roubar, o matar, etc. Então e não mudou nada? Interrogamos. Mudou sim, mas sobretudo o exterior, o “modus vivendi” do homem.
No tocante à forma de agir e interagir, na indução, tudo se mantém quase igual sem grandes alterações. O instinto de defesa, a aptidão para o ataque. Digamos que estes sentimentos intrínsecos, ao longo dos milénios, foram sendo progressivamente domados e factualmente adormecidos. Por um lado, a partir da Idade Moderna foram sendo criados sistemas sociais de convivência que fizeram com que o homem, em vez de fazer justiça pelas suas próprias mãos, delegasse no Estado essa injunção, ordem, de aplicar a justiça. Por outro, estes mesmos sistemas políticos criados passaram a preocupar-se mais com as necessidades imanentes à condição humana, tais como a fome e a sede, e criaram condições, através da troca de trabalho por dinheiro, a fim lhes proporcionar um meio universal de troca de modo a poder satisfazer essas necessidades e evitando assim que o indivíduo tivesse de partir para longe à caça de alimentos, e entrando muitas vezes em guerra.
De certo modo o homem tornou-se mais moderado –talvez aqui a consequência coerciva, através do medo, imposta pelo Estado, tenha contribuído-, porém, em certos momentos de rotura económica ou circunstanciais, o tal ímpeto armazenado nas catacumbas do espírito, como mola retesada em compressão e agora liberta, salta e provoca danos colaterais por onde passa. Transforma-se numa vaga selvagem incontrolável, enquanto modelo vivo da natureza. Se preciso for, tal como o vento ciclópico, arrasa tudo à sua passagem.
É assim que, pensando nós conhecer pessoas que conviveram connosco durante décadas, vemos estes sujeitos serem capazes de tudo só para satisfazerem os seus desejos primários de vingança e ódio. São piores que cães rafeiros que não nos deixam aproximar, nem mesmo para lhes colocar comida. Se o fizermos, mordem a mão que lhes estende o naco de carne.
Aquelas criaturas, que até fizeram a comunhão e até continuam a ir à missa ao Domingo, são capazes de atirarem os filhos às feras só para afagarem o ventre de regozijo. Em nome desse rancor, serão capazes de incendiar, destruir e até matar. Não conhecem ninguém nem nada para além da sua loucura. São a perturbação normalizada. São doentes que precisariam mais de internamento compulsivo do que um louco que vagueia pelas ruas e é classificado como tal.
Estou a especular? Um pouco, apenas. Basta olhar para a nossa porta do lado. Lá mora uma extensão de nós. Alguém que, pelo seu comportamento, detestamos e que juramos a pé juntos nunca procedermos assim, mas será que numa circunstância igual não nos tornaremos no mesmo bicho encurralado?
Sei lá! Já nem sei o que escrever! A única coisa que sei, é que perante actos destes que descrevo, é que, mesmo apesar de poder vir a ser mordido pelo meu cão, prefiro este a certos humanos.
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