Ruas estreitas 2, ruas largas 1. Às 21 horas, utilizando linguagem futebolística, poderia ser perfeitamente este o resultado. Enquanto nas Ruas Ferreira Borges, Visconde da Luz e Sofia, o ambiente era morno e compassado, como se fosse uma ambiência formal e erudita, nas ruas estreias, mais propriamente as artérias de Sargento-mor, da Gala, das Padeiras e da Louça, nestas, respirava-se povo no seu melhor. Com assadores de ferro assentes na calçada, cheios de brasas a crepitar, com bacalhau assado e febras a sorrirem para quem passava. Era uma democracia participativa e assente na tolerância, a envolver todos os comerciantes de várias nacionalidades e transeuntes, com comes-e-bebes, e numa relação de tu lá tu cá, de boa vizinhança, como já não se via desde o tempo da dona Aurora, aquela velhota muito simpática, que fazia a ponte entre o “Manel “pêlo na benta” e o “Insquin “não te rales”, não sei se conheceram, se calhar não.
Quando passei nas Escadas do Gato, junto ao estabelecimento “Zig-Zag”, assim que o João Braga me viu, abrindo os braços em arco, exclamou: “olha o “Olho de Lince”, dá cá um abraço, pá!”. Com este grito pareceu acordar a turba toda, e todos olharam para mim. Logo de seguida, homens, mulheres e crianças, colocavam-me um copo de tinto na mão e uma febra na boca, e reforçavam: “come e bebe, velho amigo!”. Eu bem reclamava que não podia beber, caso contrário, as fotos ficariam a dançar o fandango, mas eles não queriam saber. O que contava ali era a confraternização. Sorrateiramente, passo ligeiro, e leve de rouba galinhas, lá consegui escapulir-me.
Passei na Rua Adelino Veiga, só um estabelecimento aberto. O ambiente parecia o da avenida dos ciprestes do cemitério da Conchada. Tudo encerrado e com luzes apagadas. Um ar pesado, fantasmagórico como nuvem negra de solidão. Parecia que só as trevas moravam ali.
Na Rua das Padeiras um efusivo convívio entre dezenas de pessoas de todas as idades. Quando me viram, pareciam moscas a correr ao mel, e um grito do Eduardo a ecoar: “olha o “Olho de Lince”! E mais um “copão” de bom branco que até fazia estalar a língua. Mais uma vez tive de usar as minhas técnicas de guerrilha, que aprendi no Afeganistão, assim que eles estavam distraídos…”zum!”, e vai-te pernas para que te quero. Fui até à Rua da Gala. Ali, a mesma coisa. Em frente ao bazar Portugal uma grande mesa com febras, espetadas, bacalhau. Quando o Carvalho, um reconhecido comerciante de fruta se apercebeu da minha presença, agarrou-me a manga do blusão e impôs: “daqui não sais sem beberes e comeres, ó “Olho de Lince”. Parabéns! Fazes um bom trabalho em prol da Baixa…tenho pena de te não pode acompanhar! Tenho 70 anos! Ai se eu fosse mais novo…”.
Mesmo a babar-me como a minha Etelvina –é a minha cadela rafeira-, a muito custo, lá consegui escapulir-me, e virei à esquerda, para a Rua da Louça. Nesta artéria a mesma coisa. Mais um copo e uma patanisca de bacalhau. O ambiente, em frente ao café do senhor Fernando, com mesas na rua, era simplesmente fantástico e indescritível. Invocando o trabalho de imprensa a que estava obrigado, lá consegui furar pelo meio daquela molhe humana e cheguei ao Largo do Poço.
Junto à florista Tulipa Negra, que estava encerrada, estava o Luís Cortês, um conhecido músico de rua e a companheira. Talvez porque soprasse uma leve brisa encantada, o Luís, num gaguejar sublinhado, arrastava a voz e a amiga afinava no mesmo tom sem dó. Do órgão que o acompanhava nem um pio a dar sinal de vida. “então Luís estás de greve hoje?”, interroguei. Porque é invisual, quando ele percebeu a minha voz, como uma garrafa de álcool a que se retira a rolha e que imediatamente expele o vapor, saltou sobre mim como uma mola: “ó “Olho de Lince”, ainda bem que te vejo, estava para ir falar contigo –e faz uma cara de imberbe. Sabes lá o que me fez ontem a PSP? –e retirou a camisola junto ao pescoço onde se notava um arranhão. Então o que foi que fizeste, Luís? Aposto que estavas com um grão na asa. Às tantas foste incorrecto, e, é claro, a violência descambou. Responde a consorte: “Não senhor, “Olho de Lince”, nós não fizemos nada de mais. Ontem saíram os papéis do meu divórcio, e estávamos a comemorar ali no restaurante Indiano, na Rua do Corvo. Fazíamos algum barulho, é verdade, mas nada de mais. Veio um agente, pegou no meu Luís em peso, como se estivesse a pegar num frango, e fez-lhe aquelas mazelas. Não se fazia, “Olho de Lince”…é de um invisual que estamos a falar!”. Lá o incentivei a vingar a sua ira nas teclas do órgão portátil, onde, através da sua sensibilidade de “cantautor”, ganha a vida ali junto á Loja do Cidadão, mas fiquei a pensar nisto. O que se teria passado para uma intervenção tão musculada da polícia? Não sei. Obviamente que, para formar uma opinião, teria de ouvir a outra parte e não ouvi.
Junto à florista Tulipa Negra, que estava encerrada, estava o Luís Cortês, um conhecido músico de rua e a companheira. Talvez porque soprasse uma leve brisa encantada, o Luís, num gaguejar sublinhado, arrastava a voz e a amiga afinava no mesmo tom sem dó. Do órgão que o acompanhava nem um pio a dar sinal de vida. “então Luís estás de greve hoje?”, interroguei. Porque é invisual, quando ele percebeu a minha voz, como uma garrafa de álcool a que se retira a rolha e que imediatamente expele o vapor, saltou sobre mim como uma mola: “ó “Olho de Lince”, ainda bem que te vejo, estava para ir falar contigo –e faz uma cara de imberbe. Sabes lá o que me fez ontem a PSP? –e retirou a camisola junto ao pescoço onde se notava um arranhão. Então o que foi que fizeste, Luís? Aposto que estavas com um grão na asa. Às tantas foste incorrecto, e, é claro, a violência descambou. Responde a consorte: “Não senhor, “Olho de Lince”, nós não fizemos nada de mais. Ontem saíram os papéis do meu divórcio, e estávamos a comemorar ali no restaurante Indiano, na Rua do Corvo. Fazíamos algum barulho, é verdade, mas nada de mais. Veio um agente, pegou no meu Luís em peso, como se estivesse a pegar num frango, e fez-lhe aquelas mazelas. Não se fazia, “Olho de Lince”…é de um invisual que estamos a falar!”. Lá o incentivei a vingar a sua ira nas teclas do órgão portátil, onde, através da sua sensibilidade de “cantautor”, ganha a vida ali junto á Loja do Cidadão, mas fiquei a pensar nisto. O que se teria passado para uma intervenção tão musculada da polícia? Não sei. Obviamente que, para formar uma opinião, teria de ouvir a outra parte e não ouvi.
Dei um pulinho, ali ao lado, ao Largo da Freiria, onde um trio de cordas afinava os instrumentos, junto ao “Encanto da Freiria”. A esplanada do Sérgio, do restaurante Padaria Popular, estava repleta. Reparei que praticamente todas as lojas do Rua Eduardo Coelho estavam abertas.
Continuei em direcção à Praça 8 de Maio. Em frente ao restaurante do Daniel, ainda na Rua da Louça, mais um copo e um pedaço de bolo caseiro. Imensos comerciantes e pessoas anónimas, todas em alegre convivência forçavam a minha comparticipação.
Na Praça 8 de Maio, apesar de cedo, já muitas pessoas se iam aconchegando no melhor lugar, mesmo sem saberem o que viria lá.
E correu tudo, tudo, muito bem? Naturalmente que não. Como sempre nestas coisas há falhas mas… e depois? Isso interessa alguma coisa? Quando estamos na praia queixamo-nos da temperatura da água do mar? Ou que as ondas estão altas demais para o nosso gosto? Isso terá alguma relevância? O que interessa é que estamos a viver o momento. O resto são pormenores sem qualquer importância.
O que importou foi que a Baixa viveu uma noite como há muitos anos não vivia. Estiveram milhares de novos visitantes, muitos deles que já não vinham ao Centro Histórico há largos meses. Isso é que interessa. Essa é a aposta ganha para o futuro.
Apetece-me dar um grande abraço ao pessoal esforçado da Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra. Ao Armindo, à Isabel, à Carina, à Ana e a outros que, por ignorância de memória, olvido. Estiveram fantásticos. Ah…é verdade, até me estava a esquecer, um grande abraço também para o São Pedro que aceitou o meu pedido de tréguas para uns pinguitos. Claro que quando ele vier cá abaixo como turista, já sei, vou ter de lhe apresentar a Rosete “sempre-em-cima” e tirar-lhe umas fotos à “borliú” junto à Universidade e ao Convento velho da Rainha Santa…mas eu quero lá saber?!
2 comentários:
Também dei uma volta e gostei de ver.Achei graça a algumas mesas postas na rua,por exemplo na rua das padeiras comia-se e bebia-se como se não houvesse amanhã.Ainda bebi um martelo mais o meu irmão,pessoas que não conhecia ofereceran-nos.Também o vi o Luís na praça 8 de maio de máquina na mão,ou seria o olho de lince?
Marco
Parabéns. Mais uma bela reportagem do "Olho de Lince"
Enviar um comentário