quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

ABRIU A "ESTAÇÃO DOCE"...






Completamente remodelado, o antigo espaço que pertenceu à pastelaria “Império”, no Largo das Ameias, abriu hoje com um sugestivo nome: “ESTAÇÃO DOCE”.
A decoração está um primor, a ir na linha de “art deco”, a fazer recordar-nos os bonitos cafés dos anos de 1940, transportando-nos para um tempo que passou. Está realmente muito agradável. Tenho a certeza absoluta de que vai fazer sucesso. Para além disso, o casal proprietário são uma simpatia. Ele, o Sérgio Pires, como todo o brasileiro, desmancha-se em afeição.
Quando o interrogo como é que veio abrir um negócio em Coimbra, responde-me: “Viemos do Rio de Janeiro. Sou casado com uma portuguesa –diz apontando a esposa. É uma aventura, mas, ambos, gostamos muito da cidade. É uma maravilha, não é?”, interroga-me.
Segundo me conta o Sérgio é um risco calculado. No Rio De Janeiro já estavam ligados a negócio de “comes-e-bebes”. Sabem muito bem quantos grãos de arroz leva um alqueire.
Posso garantir que têm lá um bolo-rei “escangalhado” que é de comer com os olhos, com a boca e chorar por mais.
Se não tivesse razões, desejaria do mesmo modo muitas felicidades ao casal Pires. O seu sucesso será partilhado por todos os que trabalham aqui na Baixa. Mas eu tenho redobrados motivos para desejar tudo de bom para eles.
As minhas considerações, para não maçar, conto mais abaixo.



UMA “IMPÉRIO” QUE DESAPARECEU



Em 1972, tinha eu 16 anos, estive dois meses a trabalhar neste café e pastelaria. Nessa altura, os estabelecimentos “Império” eram, conjuntamente com outros, na hotelaria, dos mais reconhecidos na cidade.
Não resisto a contar, porque sempre que o lembro, dá-me vontade de rir. A dois anos do 25 de Abril eu estava a trabalhar no “Mandarim”. Lá, no café do senhor Antunes, trabalhava no balcão da pastelaria desde 1966, portanto há 6 anos e ganhava 1000 escudos por mês –correspondente a 5 euros, hoje. Apesar de se comer bem, e até, de vez em quando, à sorrelfa, comer um pastelinho, eu considerava ganhar pouco. Além de mais, os mil escudos iam inteirinhos para o meu pai. Para me vestir e calçar, com roupa usada, eram as gorjetas que me davam nas sobras do tabaco.
Vai daí, fui ter com o senhor Antunes pedir aumento. O patrão disse não poder dar mais, “que as coisas estavam más, etc, etc” –já nesse tempo havia crise, e de que maneira, digo eu!- então, pensei cá com os meus botões: ai não podes dar-me mais? Então vais ver que alguém estará interessado e irei ganhar mais.
No dia seguinte, durante o meu intervalo de duas horas, à tarde, fui à “Império”, na Rua da Sofia. Entrei, perguntei se podia falar com o patrão e fui encaminhado para o primeiro-andar, para o escritório. Lá dentro estava um homem muito gordo, o senhor Martinho. Perguntei-lhe se precisava de um empregado de balcão. O homem devia ter ficado impressionado pela minha ousadia. Ou por isso ou não, a verdade é que olhando para mim, interrogou-me onde estava a trabalhar. Eu respondi que estava no Mandarim, mas que ganhava pouco…só 1000 escudos! Ele respondeu: “por acaso preciso!”. Quanto me paga por mês?, interroguei. Respondeu: 1250 escudos. Senti-me nas nuvens. Já antevia dar os mesmos mil escudos ao meu pai e o restante seria para eu satisfazer uns sonhos que andavam na minha cabeça há muito tempo. Combinámos dar-lhe uma resposta passados uns dias.
Fui para a Praça da República, onde era o Mandarim, já com a ideia alavancada: ou o senhor Antunes me aumentava ou eu saía. Verdadeiramente eu não estava interessado em trocar de patrão. O que eu queria mesmo era o aumentozito. À noite fui falar com o velho hoteleiro mas ele não estava pelos ajustes: não podia aumentar-me. Ai não? Então, no fim do mês vou-me embora, sentenciei. No dia seguinte estava na “Império” a combinar entrar ao serviço no mês seguinte.
Então na data acordada, lá entrei eu ao serviço da sociedade em que fazia parte o velho Martinho. Fui apresentado ao pessoal e fui “recambiado” para o espaço da agora “Estação Doce”, trabalhar no balcão da pastelaria –havia dois balcões, um de bar, virado para a Avenida Fernão de Magalhães e o de pastelaria virado para a Estação-Nova. O gerente deste estabelecimento era o velho Carvalho. Creio que ainda é vivo. Era um profissional muito exigente. Impunha mais respeito que os patrões.
Então, começaram as surpresas. A primeira: nós, o pessoal trabalhador, ia-mos todos almoçar e jantar à rua da Sofia. O problema é que para além de ser muito pouco, a ementa era sempre igual: jardineira. Este prato de guisado alimentar é composto de batatas, cenouras, ervilhas e carne. O problema é que carne…não havia. O que se encontrava no prato eram umas aparas, umas peles muito duras, que se retiravam às peças inteiras de carne. E para mais, as batatas e os legumes, era muito pouco. Resumindo, todos passávamos fome de rato. O que nos valia era conseguir surripiar uns pastéis de nata. Então era assim: como éramos dois no balcão da pastelaria, e o gerente Carvalho andava de um lado para o outro, quando ele ia para o lado do bar, um ficava de sentinela e o outro rapidamente colocava um pastel de nata inteiro na boca. Se ele fizesse o trajecto normal, demoraria três minutos –o que dava tempo para o deglutir. O problema era se ele, a meio do caminho resolvia voltar para trás. Nesse caso a nata seguia a direcção do estômago completamente inteira. Passados 37 anos, ainda consigo sentir as contracções da garganta com o pastel a passar a alta velocidade.
Segunda surpresa: veio o fim do mês. Fui ao escritório receber. Foi-me dado o recibo para assinar com 1250 escudos, é verdade…mas ilíquidos. Líquidos, recebi 1020 escudos. Ou seja, troquei um bom lugar que tinha no Mandarim, a comer bem e tudo, por 20 escudos. No mês seguinte já estava a caminho de outras paragens. Mas isso ficará para uma próxima…que já abusei da sua paciência.

3 comentários:

Anónimo disse...

Sem duvida o Srº Sergio é uma simpatia, a decoração excelente, qualidade muito boa.Já estive lá hoje, voltarei e recomendarei a todos meus amigos.Espaços como estes que fazem falta para movimentar e rejuvenescer a baixinha.

Anónimo disse...

De facto parabéns à nova imagem da Antiga Império! Já merecia. Felicidades aos novos proprietários.
Gostaria só de comentar, em abono da verdade e em nome de quem já cá não está para se defender:
Estive ligado à Império cerca de 30 anos. Quase nasci lá! È verdade! Trabalhei lé muito e convivi com dezenas de funcionários de quem tenho muitas saudades. Comi e bebi centenas de vezes no refeitório da Império na Rua da Sofia, no andar de cima, ao lado da Distribuição. Comi de facto algumas vezes jardineira e sempre boa e com as melhores carnes. Se tinha fome, não era guloso e comia pão com manteiga ou fiambre ou queijo, ou fruta. Às vezes comia um bolo ou outro, sem nunca me repreenderem. Toda a comida para empregados era confeccionada na mesma cozinha do Restaurante Império.
Lembro-me de ver alguns trabalhadores a "tirarem" às escondidas: Tabaco, queijos da serra, bolos, garrafas de vinho, enchidos etc, etc, não sei para quem mas eu vi! Lembro algumas vezes ouvir comentários do género:" Caramba trabalhou-se tanto hoje e só há este dinheiro na caixa!!"
Lembro de a seguir ao 25 de Abril alguns trabalhadores (poucos), tentarem tomar a casa de assalto (tempo do prec e do oportunismo).Lembro-me do meu querido amigo Senhor Carvalho, sempre com respeito e respeitoso. Lembro-me do meu amigo, Sr Rui da Sofia, do meu amigo Zé do armazem, lembro- me da Zefa, da Graçinda, do sr António das ameias, da Celeste da copa das ameias,do Marques da carrinha, do Sr Brito pasteleiro, do Ti Joaquim Rato, do amigo Adriano do restaurante do amigo Valdemar da cozinha, do Sr Joaquim Fernandes, do Sr Augusto Pinto, do Sr Martinho, lembro-me de tantos outros trabalhadores e bons amigos, também lembro alguns menos bons,lembro-me de a entidade patornal mandar em algumas alturas, almoço todos os dias para alguns familiares de empregados, que naquele tempo de miséria passavam mal. Lembro de que no refeitório havia sempre água, vinho e sumo para os empregados. Lembro da alegria de trabalhar com gosto, apesar dos ordenados baixos (eram outros tempos), lembro as campanhas do bolo rei onde se chegava a estar 5 dias quase sem ir à cama para fabricar 10 toneladas de bolo, lembro os grandes banquetes que servia a Império e tannnntas outras coisas.
Curiosamente, não me lembro de outros cafés e pastelarias darem refeições aos funcionários. Se calhar havia. Não me lembro de haver uma pastelaria com 120 trabalhadores, onde o ordenado ao fim do mês lá estava!Às vezes com tantas dificuldades...
Curiosamente, ainda, não me lembro de alguém dizer que se passava fome. Sinceramente, sinceramente, comida, meu caro Senhor era o que não faltava naquela casa! Carne e peixe era do melhor! Naõ havia sequer tempo para por de parte as peles para fazer outra comida para os empregados!Há por aí muita boa gente que o pode confirmar!
Agora sei bem que havia era muitos golosos e em vez de comer o que deviam, só queriam golodices! É a vida!
Finalmente, meu caro Senhor Luís Fernandes... não me lembro de Si!É curioso! Na verdade, se calhar o pouco tempo que lá esteve chegou para o tal Senhor "GORDO" que fala, o ter ficado a conhecer muito Bem.
Atenciosamente,
RL

Anónimo disse...

sim de facto esta bonita a pastelaria mas nao podemos esquecer que a imperio foi uma das mais prestigiadas casas em coimbra....e hoje em dia continua com bastante qualidade nos seus produtos....As instalaçoes podem estar velhas e a precisar de obras mas a qualidade mantem-se....Por exemplo na rua Joao de Ruao ,na Imperio uma pessoa delicia-se com a simpatia e humildade do pessoal,acabamos por nos sentir em casa...