domingo, 13 de dezembro de 2020

FALECEU UM DOS NOSSOS GRANDES COLEGAS

 





Antes de ontem, na sexta-feira, realizou-se o funeral do nosso prestigiado e reconhecido colega das lides comerciais, Jorge Manuel Baptista Mendes, de 89 anos, sócio-gerente do grupo de lojas Jorge Mendes. Com três estabelecimentos com o mesmo nome em Coimbra, dois na Praça do Comércio e outro na Rua dos Combatentes, o Kilo Americano, todos dedicados à decoração para o lar.

Com um pouco de atraso, à família enlutada, em meu nome pessoal e em nome da Baixa comercial, se posso escrever assim, as nossas mais sentidas condolências. Que o nosso querido amigo descanse em paz.


UM POUCO DA SUA HISTÓRIA


Nascido em 1931 numa família de cinco filhos onde o bichinho do comércio era o sangue que corria nas veias e artérias e alimentava o coração da prole, nem o facto de a economia mundial se encontrar em profunda depressão – originada pelo “crash da bolsa”, em que os valores cotados na Bolsa de Nova Iorque caíram a pique e, com essa queda abrupta, ter desencadeado uma crise mundial – levou a que o velho Mendes, o progenitor do agora homenageado, deixasse de incentivar o seu rebento a seguir as suas pisadas logo a seguir aos estudos básicos.

Decorria o ano de 1946 quando, com 15 anos de idade, começou a trabalhar no número 99 da antiga praça velha, no estabelecimento familiar.

Quis o destino que seu pai, o timoneiro do negócio, adoecesse precocemente e, por este facto anómalo, fosse empurrado ainda novo para o leme do barco mercantil. Apesar dos tempos difíceis que se viviam em Portugal, sobretudo com o rebentamento da guerra nas ex-colónias, o jovem Mendes, então com 33 anos, sonhador e com grande sensibilidade para a nobre arte de negociar, balouçava entre atirar-se para novos projectos na área do desporto ou na decoração de interiores. Como o gosto pela segunda tocava mais fundo e era uma paixão, acabou por enveredar num longo caminho que, apesar das dificuldades que todo o comércio a retalho atravessa, nunca se arrependeu – falava o agora falecido numa longa conversa, agora recuperada, há dois anos, em 2018, por ocasião do seu 87º aniversário.


O COMÉRCIO TRADICIONAL VISTO PELO OLHAR DE UM VETERANO


As grandes superfícies comerciais são as grande causadoras da morte da decoração de interiores e de vários ramos do comércio tradicional. Prometem muitos empregos mas depois vê-se que não é assim. O grande empregador foi sempre o comércio tradicional” - enfatizava Manuel Mendes numa conversa que, pelo gosto em ouvir, me deu muito prazer.

Você já viu o Leroy (Merlin)? Tem tudo! Não é barato! Tem é mais quantidade que qualquer loja. Tem stocks brutais!

O comércio está muito enfraquecido! Os comerciantes, no geral, perderam a capacidade financeira. O comerciante está desmotivado e afogado em dívidas. O comércio de rua continua a perder qualidades. Hoje a concorrência está em roda livre. Estamos subjugados ao grande capital Global. O pequeno comerciante não pode competir”.


E COMO VÊ A BAIXA, SENHOR MENDES?


Vejo o futuro da Baixa muito complicado. Um dos muitos problemas é o estacionamento a pagar, porque afasta os clientes. Outro ainda foi a saída das lojas-âncora da zona histórica.

Para a Câmara Municipal de Coimbra o comércio não tem qualquer registo de importância.

A Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra tem feito um bom trabalho para trazer pessoas para a Baixa, mas para o comércio, especificamente, traz pouco retorno.

O metro ligeiro de superfície é fundamental para o desenvolvimento da Baixa. Estou muito esperançado. Se for concretizado, vai haver uma mudança muito grande nesta zona.

Para inverter a actual situação é preciso haver menos casas abertas mas de melhor qualidade - e aqui estou a incluir o comércio e a indústria hoteleira. A maioria não tem qualidade.

Por outro lado, há uns anos falei com o engenheiro Craveiro (João Paulo Craveiro) e ele defendia uma tese que eu não concordei. Dizia o engenheiro que, devido ao facto de algumas ruas serem muito estreitas e impedirem o sol de entrar, se a oportunidade surgisse, era preciso que a autarquia adquirisse e mandasse demolir alguns quarteirões com prédios centenários para construir ilhas onde a luz entrasse e evitasse o cheiro fétido que se respira por vezes. Hoje, passado algum tempo, concordo inteiramente com ele. Repare o que se fez no Largo do Romal. Há cerca de cinquenta anos mal se respirava. Alguns edifícios foram abaixo e hoje, como vê, está lindo.

Estou muito feliz por ainda estar a trabalhar diariamente nas lojas. Cumpro três horas de manhã e outras três durante a tarde.

Nunca atropelei ninguém. Fiz sempre o mais correcto com a concorrência. Por isso tenho muitos amigos. Nas minhas lojas foram muitos os comerciantes que ali tiraram o curso.”. Entrevista realizada em 2018.


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